Após a abertura de mais uma época balnear, e em vésperas de férias para grande parte das pessoas, faço um tributo aos hoteleiros. A humanidade foi invadida por um vírus e desde então a nossa ‘dita’ vida normal tem sofrido alguns revezes. Tivemos períodos melhores do que outros, alguns em teletrabalho, outros confinados, mas, na maioria, preocupados em proteger-nos e aos nossos. A verdade é que grande parte de nós tem vivido estes tempos com muita angústia e sentimento de incerteza, alguns até perderam o emprego, outros pereceram, embora muitos outros tenham conseguido trabalhar com maiores ou menores dificuldades. Esperando sempre que tudo regresse ao normal, em breve.
Para os hoteleiros, as coisas não têm sido bem assim. Ao que foi referido anteriormente, acresce uma série de outros factores que têm tornado a sua cruzada mais complexa. Na altura do primeiro confinamento, a maioria dos hotéis encerrou as portas. A pergunta que todos faziam era “para quê manter o hotel aberto, se não há hóspedes?”. Timidamente, os hoteleiros abriram o verão passado, mas sempre com muitas perguntas e muitas dúvidas que corriam mais depressa do que chegavam os decretos-lei e as diretrizes do Governo. No segundo confinamento voltaram a fechar, a história repetiu-se. Choveram cancelamentos e os lamentos. Nesta altura já vários hotéis fecharam as suas portas, alguns para nunca mais as abrir.
Vem a vacina, regressa a esperança de ainda recuperar o Verão de 2021. As reservas, apesar de tímidas, voltam a aparecer, afinal os resultados do trabalho desenvolvido pelo Turismo de Portugal deram os seus frutos. O ‘Can´t Skip Portugal’ continua a ser visto, partilhado por todos aqueles que já vieram a Portugal e querem voltar e por todos aqueles que nunca vieram, mas querem vir. As reservas aumentam e a esperança de voltar a debater conceitos como ‘taxas de ocupação’, ‘preços médios’, ‘competitive set’ reflecte-se no brilho dos olhos dos hoteleiros.
Rapidamente esta realidade sofre mutações. Afinal, uma das variantes está a alastrar-se ao nosso ‘cantinho à beira-mar plantado’ e os Governos dos mercados emissores tremem. Mandam voltar todos para casa. Ingleses e alemães acorrem aos aeroportos. Os hoteleiros assistem incrédulos, sem reservas e hóspedes, enquanto a sua esperança de voltar a ter um verão normal se vai desvanecendo. A desilusão. Alguns já temem as decisões dos seus administradores que, sem receitas, se questionam como vão pagar os ordenados. E é nesta incerteza que ainda assim se trocam mensagens de alento e se repete baixinho “valha-nos o mercado nacional”. Retoma-se a esperança.
Porém, outro revés acontece: na zona metropolitana de Lisboa (AML) sobe o número de casos infectados, embora nada que se compare ao que aconteceu em Janeiro de 2021, com as ambulâncias a fazer filas às portas dos hospitais (uma memória ainda tão presente em nós, que causa calafrios só de relembrar). Ainda assim é grave e novas medidas de contenção voltam a ser decididas: impossibilidade de entrar e sair da zona da AML aos fins de semana, os restaurantes com novos horários e novas restrições. Reacende o medo da incerteza, dos postos de trabalho em causa, do desempenho económico, das inquietações sociais e da exaustão psicológica dos profissionais da hotelaria. Para a maioria de nós é o hotel onde vamos almoçar ou passar umas pequenas férias. Para eles, contudo, é a sua vida. É a sua sobrevivência física, mental e financeira. E se lhes perguntarem se anteveem mudar de profissão? Por brincadeira dizem que sim, mas é gracejo irónico, na secreta esperança que esta seja mais uma fase passageira. A sua paixão pelos hotéis, pela arte de receber, pela a hospitalidade, pela procura do detalhe e da experiência única é arrebatadora. Ultrapassa tudo e alimenta a esperança.
Para a maioria de nós é o hotel onde vamos almoçar ou passar umas pequenas férias. Para eles, contudo, é a sua vida.
Esta pandemia conduziu à intensificação da utilização das tecnologias digitais, consideradas aliás, uma área prioritária de desenvolvimento no Plano de Recuperação e Resiliência. As tecnologias digitais (TIC) ajudarão a hotelaria nalgumas áreas, nomeadamente na escolha do destino, nas reservas, nos check in e check out, mas a essência da hospitalidade é feita de pessoas para pessoas. Pensar na hotelaria sem pessoas é tão absurdo como a venda da escultura invisível de Salvatore Garau por 15 mil Euros. Não fora o certificado que comprova a autenticidade da obra e seu novo proprietário perderia tempo precioso à procura dela.
Excentricidades à parte, as TIC são importantes na hotelaria e em tantos outros sectores da sociedade, mas não percamos o foco. O turismo foi um dos sectores mais prejudicados por esta pandemia. E ainda assim, todos os dias, os gestores hoteleiros, como verdadeiros maestros, manuseiam a batuta, lideram equipas e confirmam a afinação dos instrumentos: acertam tempos e compassos para que prevaleça a harmonia na melodia. E no fim, espectadores e hóspedes, levantam-se e aplaudem de pé…
Bis.
A todos os gestores hoteleiros curiosos e ousados,
com coragem de mudar e vontade de fazer diferente.
Por Sofia Almeida
É professora na Universidade Europeia e investigadora no CEG/Territur, Universidade de Lisboa.