Quarta-feira, Fevereiro 19, 2025
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Construção de um novo aeroporto pode estar desajustada com o futuro das alterações climáticas e da tecnologia

A construção de uma nova solução aeroportuária para Lisboa pode estar completamente desajustada com o futuro que se avizinha para o setor da aviação, quer numa perspetiva tecnológica como climática. Quem o diz é Duarte Costa, geógrafo e especialista em alterações climáticas, que falava no debate “(Re)pensar a decisão do novo aeroporto de Lisboa”, promovido pela consultora especializada em transporte aéreo SkyExpert na passada terça-feira, dia 19.

Duarte Costa, que centrou a sua intervenção na importância que as alterações climáticas devem ter para a tomada de decisão de um novo aeroporto, começou por recordar que as alterações climáticas “não são mais um fenómeno do futuro, é algo que neste momento afeta a vida das pessoas, ao ponto de lhes tirar a vida”. “Esta semana em Portugal e Espanha morreram 1000 pessoas por causa da onda de calor”.

O assunto do novo aeroporto é “um elefante branco no tema das alterações climáticas”, afirmou. “Todos sabemos o peso que a aviação tem em termos de emissões. Estou curioso sobre estas novas tecnologias em termos de aviação elétrica. Mas até agora reduzir emissões da aviação só passa por voar menos, ter menos voos e ser mais inteligente na forma como nos deslocamos”, constatou o geógrafo.

Recuando ao ano de 2013, quando a solução Portela+1 foi posta em cima da mesa, Duarte Costa lembrou que foi “um ano interessante para a aviação”. “Em Portugal projetava-se o aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa, mas em 2012 o setor da aviação entrou para o mercado europeu de licenças de emissão. Ou seja, uma das estratégicas da União Europeia (UE) para reduzir as emissões de CO2 de uma forma compatível com a atividade económica da Europa é este modelo de mercado. As empresas têm de reduzir, progressivamente, as emissões. O setor da aviação entrou em 2012 neste mercado europeu, mas ainda num modelo super protegido”, recordou.

A este cenário, acresce a Fit for 55, uma estratégia da UE para dar resposta “aquilo que já é lei climática na Europa”. “É um compromisso vinculativo para qualquer estado membro da UE, isto é, temos de reduzir 55% das emissões ate 2030. Do ponto de vista científico, a nossa quota parte europeia para evitar o aquecimento global até 2 graus, segundo o Acordo de Paris, seria de 80% até 2030. Estamos aquém do que é necessário, mas pelo menos temos um vínculo legal”, afirmou o especialista em alterações climáticas.

Por sua vez, Duarte Costa sublinhou que “o mercado de licenças de emissão passará a disponibilizar um total máximo de emissões que o setor da aviação europeu pode ter nos voos da UE e para fora da UE, e este bolo vai ser progressivamente reduzido numa taxa de 4,2%. Além disso, a partir de 2024, vão ser retiradas 25% das licenças gratuitas e em 2027 não haverá mais licenças gratuitas”. “Em 2027, provavelmente ainda não haverá Montijo, mas o setor da aviação já estará a funcionar de forma diferente, em que, para voos dentro da UE, existem licenças que são obrigatórias com as emissões associadas a esses voos. Essas licenças são cada vez mais disputadas, porque se há uma procura por licenças e a oferta é reduzida todos os anos, o custo para poder voar vai ser cada vez maior e esse custo vai ser associado à quantidade de emissões que está associada a cada voo”, explica.

Perante este cenário de mudança, Duarte Costa questionou se a construção de um novo aeroporto é a solução para o país, quando “Suécia, Finlândia, Áustria, França e Alemanha estão com uma estratégia de reduzir voos domésticos e sempre a tentar transferir passageiros para o transporte ferroviário”.  “Julgo que os decisores políticos têm de ter em conta como é que damos resposta às necessidades das pessoas –  porque não considero que as pessoas vão viajar menos – e se este investimento que iremos pode ser completamente desajustado com o que aí vem, desde a perspetiva tecnológica que está em mudança, como na perspetiva climática. Temos um compromisso legal e estamos a sonhar com 55 milhões de passageiros por ano em Lisboa, mas, provavelmente até do ponto de vista legal, vamos ter dificuldades em ter essa quantidade de passageiros”, concluiu.

Fazendo referência ao estudo da Confederação do Turismo de Portugal, apresentado na semana passada, sobre uma não decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa, Duarte Costa aponta algumas pistas.

“O estudo da CTP mostra que o custo de não termos capacidade aeroportuária para dar resposta à procura nos próximos anos pode custar ao país entre 3,5 mil milhões a 21 mil milhões de euros. Estamos a falar de uma bazuca que nos tiram. A minha resposta começa por ver qual é a infraestrutura aeroportuária que temos neste momento. Temos três em uso, e uma que não está em uso comercial, que é o aeroporto de Beja. O aeroporto da Portela recebeu 31 milhões de passageiros em 2019, isto corresponde a metade dos passageiros que chegam a Portugal. Dos que passam pela Portela, uma parte não entra em Lisboa são passageiros em conexão e  a companhia aérea com mais passageiros em conexão é a TAP (50%). Temos estas infraestruturas existentes e precisamos de dar resposta com estas porque não vamos ter um aeroporto pronto”.

O debate, moderado pelo fundador da SkyExpert Pedro Castro, contou com a participação de especialistas de várias áreas multidisciplinares: Domingos Leitão, diretor executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Alexandre Alves, diretor comercial (CCO) do Grupo SevenAir, Armando Gomes de Campos, engenheiro civil na reforma, e Carlos Teixeira, estudante de mestrado em operações de transporte aérero.

O responsável da consultora SkyExpert considerou que o atraso na decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa deve ser visto como uma oportunidade para discutir a infraestrutura com base na agenda climática, no conhecimento e tecnologia atuais.

“Não podemos pensar que apenas porque foi pensado um modelo, há 10 anos atrás [Portela+1] ficámos amarrados a ele”, pelo que a não concretização daquela decisão criou uma “oportunidade de a discutir de novo” fazendo essa discussão “à luz daquilo que conheço hoje”, tendo em conta a tecnologia, as necessidades das companhias áreas, como elas veem o seu crescimento, ou aquilo que são os compromissos no âmbito da “agenda climática”, defendeu Pedro Castro.

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