Quarta-feira, Fevereiro 19, 2025
Quarta-feira, Fevereiro 19, 2025

SIGA-NOS:

Depois da Tempestade, a Tempestade

As economias mundiais estão a ser submetidas a um dos mais violentos choques socioeconómicos da história.

Nas economias mais avançadas (entre outras, EUA e Europa), estamos a assistir a enormes injecções de capital, conseguidas através de impressão de dinheiro e emissão de dívida.

Este capital pretende funcionar como um ‘bridge loan’ a indivíduos e organizações, para mitigar o impacto negativo e duradouro da pandemia, até que as economias reabram na totalidade.

Nas economias low-income, indivíduos e organizações apanham com a crise ‘na cara’ e sem qualquer rede de assistência. Milhões descem abaixo do limiar de pobreza e assiste-se a uma destruição (pouco criativa, para contrariar Schumpeter) do tecido produtivo.

Estas injecções de capital e pobreza relativa crescente significam maior dívida, mais impostos e menos consumo, inclusive por via do potencial instalado para maior inflação. E já no curto prazo.

A indústria do turismo tem sido a que mais arcou com as consequências da crise.

O Financial Times publicou recentemente que mais de 60 milhões de empregos no turismo desapareceram desde o início da pandemia.

A sangria financeira contínua, e de forma mais visível e acentuada nas principais empresas do sector: companhias aéreas, cruzeiros e companhias hoteleiras.

Alguns indicadores relevantes, relativos a 2020:

· O Baird Hotel Stock Index HSI, que agrega mais de 15 multinacionais hoteleiras, desvalorizou -13.2%, enquanto o S&P 500 valorizou 16.3%;

· Os REITs hoteleiros americanos perderam grande parte do seu valor, sendo que muitos deles sofreram um liquidity crunch e mudaram de mãos, ao desbarato;

· O RevPAR hoteleiro na Europa em 2020 quebrou -69.5%, de acordo com dados STR e HVS, o que consequentemente provocou uma desvalorização no valor dos activos de até 15% e uma redução de 70% no volume de transacções de hotéis;

· As “Big 5” multinacionais hoteleiras (Hyatt, Marriott, Hilton, Intercontinental e Accor), perderam em conjunto aproximadamente -5 bilhões de dólares;

· Em relação a companhias aéreas, “exemplos TAP” grassam pelo mundo, com assistências governamentais na casa dos bilhões de euros, inclusive em empresas bem geridas e competitivas, como Lufthansa (9 bilhões de euros em assistência) e Air France/KLM (4 bilhões de euros em assistência);

· A maior empresa de cruzeiros a nível mundial (Carnival Corporation) perdeu 15 bilhões de dólares em vendas e 10 bilhões em resultados antes de impostos;

· Todas estas empresas aumentaram o seu endividamento, para assegurar liquidez e aguentarem um prolongado período de cash burn, leia-se para prolongarem o oxigénio que lhes permite chegar ‘ao outro lado da ponte’.

Este enquadramento internacional é uma verdadeira devastação. Profunda e duradoura. Levaremos anos a lamber feridas financeiras, operacionais e sociais.

Mais visíveis internacionalmente, a escala, os exemplos acima não deixam de ser um benchmark para o tecido turístico-económico português.

As previsões actuais indicam que a indústria hoteleira mundial atingirá os KPIs pré-pandemia somente em 2024… mau de mais, adicionado de que tal nem sequer significa cobrir o buraco gerado entre 2020 e 2023. Sunk cost.

As recentes boas notícias sobre a abertura ao mercado britânico vem ajudar. As nossas empresas têm que num curto período de tempo gerar o máximo lucro, pois a próxima época baixa aproxima-se vertiginosamente e chegaremos a mesma igualmente em perigosa fragilidade financeira.

Este pico de negócios que se avizinha, não será nem de perto nem de longe suficiente para cobrir a ‘cratera de prejuízos’ gerada e que perdurará nos balanços das mesmas por muito tempo.

Teremos que fazer um yield agressivo de preços e operar com custos espremidos, aumentando a pressão no nível de serviços e qualidade, reduzindo os limiares de break-even operacional e o risco. Sem contemplações e sem receio.

Os Governos esgotaram a sua margem. We are on our own. Ao contrário do adágio popular, depois da tempestade preparemo-nos para… a tempestade!

PS – Não estando a operar em Portugal já há alguns anos, aproveito para expressar o enorme respeito por todos os accionistas, gestores e demais profissionais da nossa indústria, sem excepção, assim como pelas instituições que regulam e têm apoiado este sector estruturante da economia contemporânea portuguesa. A vossa resiliência tem sido fonte de inspiração internacional, de como muito me orgulho.

PS – A nossa indústria perdeu este mês um dos seus expoentes hoteleiros, Dinis Pires (muitos anos ligado a marcas de prestígio como Starwood e Hilton). Desde sempre um amigo, um colega e um benchmark. Ficamos mais pobres e menos competitivos. O céu ganha mais uma estrela brilhante. Que descanse em paz.

Por Mário Candeias

Gestor hoteleiro ligado durante a maior parte da sua carreira aos grupos Tivoli Hotels & Resorts e Pestana Hotel Group, em Portugal.
Gere um grupo hoteleiro emergente (Espinas Hotel Group) no medio oriente, com base em Teerão, Irão.
Representa este grupo hoteleiro como acionista maioritário na maior empresa de software hoteleiro a operar no Irão (Optimate-worldwide.com) e que se encontra em fase de expansão internacional. MBA pela Faculdade de Economia Universidade do Algarve, formação em Hotel Administration em Cornell, NY e Lausanne. Formação em Corporate Finance e Business Analytics em Harvard e INSEAD

DEIXE A SUA OPINIÃO

Por favor insira o seu comentário!
Por favor, insira o seu nome aqui

-PUB-spot_img
-PUB-spot_img