Sexta-feira, Outubro 11, 2024
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Entrevista: “A indústria hoteleira é muito fragmentada, há uma grande oportunidade de agregação”

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Francisco Moser abraçou um novo desafio profissional há pouco mais de um ano, quando deixou a DHM – Discovery Hotel Management para assumir o cargo de Head of Hospitality do grupo Norfin, detido pela Arrow Global Portugal. A sua entrada no grupo teve como objetivo desenvolver a área de hotelaria, na qual a Norfin estava a dar os primeiros passos. Na carteira de investimentos, a Arrow já tinha uma participação na Vilamoura World, mas foi em julho deste ano que deu início ao negócio da gestão de ativos turísticos com a aquisição de 75% do grupo hoteleiro Details Hotels & Resorts, que gere atualmente sete unidades hoteleiras nas zonas de Albufeira e Carvoeiro. Agora, a cadeia prepara-se para adicionar ao portfólio mais uma unidade de 5 estrelas no Algarve, num processo de expansão da marca. No entanto, em entrevista ao Tnews, Francisco Moser não exclui a possibilidade do grupo criar outras marcas ou fechar contratos com marcas internacionais para os ativos que vão desenvolver no futuro, dependendo da evolução dos negócios.  

Entrou na Norfin em julho de 2021, uma empresa especializada na gestão de investimentos imobiliários em Portugal, mas a dar os primeiros passos na hotelaria. Porque é que aceitou este desafio?

Fechou-se um ciclo no meu percurso na DHM, onde estive durante cinco anos e onde tive uma experiência fantástica, mas senti que já tinha feito aquilo que julgava que era a minha responsabilidade, e fui seduzido por um convite que é um pouco fora da caixa, para uma empresa que já tinha nos seus planos dar os primeiros passos no turismo e hotelaria. A Norfin é uma plataforma de gestão de portfólios imobiliários, neste momento é propriedade de uma empresa internacional que é a Arrow Global, e um dos fundos geridos pela Arrow comprou a Vilamoura World, que era a antiga Lusotur, o chamado ‘master developer’ de Vilamoura, ainda com muita construção e desenvolvimento por fazer, incluindo muitos projetos turísticos. Este foi o primeiro passo para a entrada da Norfin na área turística e foi antes da minha entrada. A minha entrada deu-se para ajudar, pensar e desenvolver os projetos turísticos, alguns residenciais e turísticos, outros de cariz totalmente hoteleiro. Simultaneamente, já havia intenção de começar a pôr o pé na hotelaria, porque cada vez mais existe ligação entre o imobiliário e o turismo, e o contrário. Já havia conversações com vários ‘players’ do meio, sendo que houve um contacto mais regular com os sócios da Details Hotels & Resorts e acabámos por adquirir 75% da empresa.

Porquê só 75%?

Quisemos manter os sócios atuais, que conheço há bastantes anos. Esta aquisição permitiu entrar na hotelaria já com alguma substância dentro do setor e, a partir daqui, expandir com o racional de que a indústria hoteleira e turística ainda é muito fragmentada, com os chamados ‘stand-alone hotels’: cerca de 10% da indústria hoteleira em Portugal pertence a grupos e o restante é hotelaria independente. Há aqui uma grande oportunidade de agregação.

A pandemia gerou mais oportunidades de negócio? Há mais ativos à venda no mercado?

Existem muitas oportunidades de mercado, mas existe também muito aproveitamento deste momento, há que saber separar o trigo do joio. Estamos a fazer esse trabalho, de análise de oportunidades, para poder expandir o nosso portfólio de hotéis sob gestão dentro do universo da Details Hotels & Resorts, e, portanto, temos estado atentos a variadíssimas oportunidades, umas maiores, outras mais pequenas, todas elas em destinos mais ou menos consolidados. Não queremos abrir novos destinos. Estamos a olhar essencialmente para o Algarve, Lisboa, Porto, e temos uma oportunidade no Alentejo que nos parece interessante. Temos capacidade para poder fazer aquisições, entrar no capital, fazer contratos de gestão. Penso que temos o ‘know-how’ suficiente, porque a Norfin, como gestora destes portfólios de ‘real state’, tem um histórico em desenvolvimento e em projetos com equipas de engenharia, de arquitetos. Portanto, podemos aportar esta competência, além da competência da gestão hoteleira que ganhámos agora, com os 25% correspondente ao ‘know-how’ da equipa que se manteve, e com a minha entrada dentro do grupo. Agora tenho a equipa da Details e, dentro do meu papel de Head of Hospitality da Norfin, assumi a função de CEO da Details, tenho uma equipa, o João Costa é o COO neste momento, e não mexemos no resto da equipa, pelo contrário, estamos interessados em expandir o grupo e expandir a equipa de gestão.

“Existem muitas oportunidades de mercado, mas existe também muito aproveitamento deste momento, há que saber separar o trigo do joio”.

Quais são os planos de expansão da marca Details & Resorts para já?

Posso dizer que estamos neste momento a fechar um contrato com um resort no Algarve, cinco estrelas, conhecido, um ‘stand-alone hotel’, e que vai ser gerido pela Details Hotels & Resorts.

Equacionam criar outras marcas para os ativos que possam vir a incorporar?

Depende um pouco da evolução dos negócios, estamos em várias frentes de negócio. Neste momento, o que temos em termos de hotelaria pura e dura são desenvolvimentos em Vilamoura: dois lotes de projetos que ainda estão no papel, e sobre os quais estamos a pensar no conceito e ainda em fase de discussão interna. Depois, temos esta parte de gestão de hotéis, que é a Details, e é em com esta marca que queremos trabalhar. Temos um projeto muito específico para a Details Hotels & Resorts que assenta em três ou quatro pilares: design das unidades, vamos transformar as unidades existentes e melhorar o seu look and feel; depois, vamos apostar muito no marketing e no produto – através de F&B, experiências e serviço – ou seja, estamos neste momento a preparar um projeto de requalificação da oferta das unidades existentes, também para nos tornarmos mais atrativos como marca e podermos acoplar mais facilmente contratos de gestão e parcerias com outros hotéis.

Para quando prevê a conclusão deste projeto de requalificação das unidades da Details Hotels & Resorts?

Uma ou outra unidade pode já estar pronta em 2023, mas digamos que o nosso objetivo é que no final de 2023, início de 2024, tenhamos as unidades já renovadas e possamos aparecer no mercado com um ‘storytelling’ diferente.

Anunciaram um investimento previsto em hotelaria que pode ascender a 500 milhões de euros nos próximos cinco anos. Mantêm este valor?

500 milhões de euros é o valor que identificámos como sendo o valor disponível para fazer aquisições, parcerias, entrar no capital de outras empresas, sem entrar em grandes loucuras, estamos a fazer as nossas análises. Os retornos exigidos pelos fundos com os quais trabalhamos são bastante exigentes. Estamos a olhar para isto com muito cuidado, sem pressas. Embora sinta que o ‘time to market’ é este, mas temos de ter noção do tipo de análise e investimento que vamos fazer.

Qual é o valor que vai ser investido na requalificação dos hotéis da Details?

Algumas das unidades da Details são contratos de aluguer que temos com os proprietários, temos de negociar com os proprietários este tipo de renovação, mas será ao nível do interior de design, tornar as unidades mais modernas, mais apelativas para os mercados com que trabalhamos. O que defendo, há muitos anos, é que só através de uma diferenciação clara do produto é que podemos melhorar a nossa performance. É isso que queremos fazer, apostar muito no design de interiores e depois no serviço e nas pessoas, para que possamos prestar um bom serviço, ter bons ‘reviews’, e, com isso, valorizar não só os ativos, mas também o negócio em si.

Neste momento, temos algumas oportunidades em análise pela equipa de investimentos da Norfin, que poderão acontecer ou não. Essas oportunidades estão a ser analisadas, algumas descartamos logo de início, outras julgamos interessantes.

Que tipo de unidades são interessantes para o vosso investimento?

Unidades com localizações em destinos mais ou menos consolidados e que precisem de reposicionamento. Unidades que já estejam numa fase de desenvolvimento, de remodelação recente, de competitividade elevada no mercado não são provavelmente as que nos interessam mais. Interessam-nos unidades que precisem de investimento, posicionamento e que tenham potencial de performance melhor do que têm atualmente.

Ultimamente Portugal tem despertado muito interesse por parte de fundos internacionais que querem investir na hotelaria. Que leitura faz?

Além de estar a sentir uma certa inflação nos preços, acima de tudo sinto que há uma oportunidade de agregação, por outro lado há cada vez mais a separação entre a propriedade e a gestão. Continuo a olhar para o país com algumas oportunidades de agregação, existem muitos hotéis independentes, que podem ser muito bem geridos, mas não têm capacidade de distribuição, sinergias de grupo, e perdem competitividade.

A que se deve este interesse crescente dos fundos de investimento em Portugal?

Digamos que Portugal entrou recentemente na primeira liga do turismo, não só pelos prémios que recebemos, como finalmente perceberam que o nosso país é fantástico, com imensas qualidades comparativamente com outros, nomeadamente a segurança, preços relativamente atrativos, toda a oferta de gastronomia e vinhos, o bom tempo, a oferta hoteleira, pessoas simpáticas. Temos uma quantidade de fatores que fazem de nós um destino muito atrativo. Depois, do ponto de vista de atividade económica, o turismo representa um percentual muito significativo no nosso país, é a atividade responsável pela recuperação economia no pós-covid. Tudo isto levou a que os investidores olhem para Portugal e para o potencial da rentabilidade dos ativos de forma muito séria, fazendo investimento e reposicionamento. Isso é importante, veja-se o exemplo de muitos hotéis em Portugal que foram adquiridos por fundos e que foram reposicionados e que conseguiram captar as oportunidades de mercado, através de um aumento de preço médio, de taxas de ocupação e performance.

A hotelaria portuguesa está mais rentável?

Estamos a conseguir melhorar a performance, obviamente que temos aí algumas nuvens negras que estão de certa forma a ameaçar esta boa onda que estamos a surfar no pós-covid. Vimos de dois anos de muito sofrimento do setor turístico, em que pura e simplesmente o turismo parou. O ano de 2022 está a ser muitíssimo bom, hoje em dia já é praticamente transversal dizer que pelo menos o período de verão foi melhor do que 2019, as empresas melhoraram a sua performance e com isso a sua rentabilidade, não quer dizer que nos próximos anos não tenhamos algumas dificuldades devido a todo o contexto internacional, aumento de custos, e o fator “the great resignation” que se verifica, ou seja, as pessoas não querem trabalhar em turismo e hotelaria. Os hoteleiros têm de pensar muito seriamente em atrair os recursos humanos de forma diferente.

Atração e retenção de talenteo: “Isto é um tema de gestão, não é um tema de Governo”

Quais são os atuais desafios da hotelaria?

Além dos custos decorrentes do contexto internacional em que vivemos, os custos energéticos e de matérias primas, e a dificuldade de adquirir determinados produtos, o que dificulta as operações, temos de facto um problema de recursos humanos que tem de ser encarado de frente e não pensar apenas nos estrangeiros que vêm para Portugal, facilitando a entrada, que é um discurso que ouço muito das entidades responsáveis. Penso que não é por aí, tem de se ir à raiz do problema, e a raiz do problema é que temos de tornar o setor mais atrativo para os trabalhadores nacionais ou estrangeiros. Não digo que não devemos ter essas pessoas, mas temos de ter um equilíbrio. Temos escolas hoteleiras fantásticas que formam jovens com imensa capacidade, o problema é que, ao fim de dois ou três anos, não veem qualquer atratividade no setor.

Como é que se torna o setor mais atrativo?

Só vejo um caminho, embora difícil, que é o caminho da produtividade. Temos de ter mais produtividade, as pessoas que trabalham no setor têm de se mentalizar que temos que ter mais produtividade, mais tecnologia, temos que ter melhores circuitos internos, para que as pessoas não tenham que ter tarefas sem valor acrescentado. Depois de termos tudo isto, temos de pagar mais, não é só pagar mais ordenado, mas um conjunto de benefícios, para que as pessoas possam fazer carreira e tenham uma visão de médio prazo – porque não há empregos para a vida -, mas que consigam ver um futuro interessante no setor da hospitalidade. Isto é um tema de gestão, não é um tema de Governo, temos de preocupar-nos em dar formação interna, em ter tecnologia a funcionar, um design de espaços de interiores que funcione, para que possamos ter menos recursos mas mais bem pagos.

Estas nuvens negras de que falou podem pôr um travão à expansão do grupo?

Não, pelo contrário, até pode ser uma oportunidade para acelerar o nosso desenvolvimento, depende de como as coisas evoluem. Continuamos a ver com bons olhos o setor turístico, independentemente de haver uma ou outra nuvem que possa passar, o turismo está cá para ficar, e nós estamos numa perspetiva de médio prazo.

“Não são só os fundos que estão interessados em Portugal, as marcas também estão, veem que é um destino em crescimento, não só em número de visitas, mas essencialmente em termos de performance”. 

Ponderam trazer marcas internacionais?

Tudo pode acontecer. Penso que as marcas internacionais trazem valor acrescentado muito interessante a algum tipo de ativos. Posso dizer que, para um dos ativos que estamos a desenvolver para Vilamoura, que ainda está no plano conceptual e não fica na frente mar, já tivemos conversas com marcas internacionais para perceber e avaliar, como a Marriott, Hilton, Wyndham, Accor. Não são só os fundos que estão interessados em Portugal, as marcas também estão, veem que é um destino em crescimento, não só em número de visitas, mas essencialmente em termos de performance. Portanto, não está colocado de parte podermos fazer uma parceria com uma marca.

“Praticamente todas as semanas aparecem oportunidades novas, que analisamos com muito cuidado”

As últimas crises financeiras (2008 e 2011) que levaram muitos hotéis a caírem nas mãos dos bancos, têm algum paralelismo com a situação atual ou a situação é diferente?

Não vejo um paralelismo imediato, a situação é um pouco diferente. As crises têm naturezas absolutamente diferentes e considero que não estamos propriamente numa crise, em primeiro lugar. Nessa altura havia realmente uma crise, os bancos tiveram que resolver os problemas, foram criados os fundos e toda a história que conhecemos. Neste momento, não creio que haja propriamente uma crise. Neste momento, penso que existe uma maior competitividade entre as empresas, as empresas têm de ser mais profissionais no trabalho que fazem e, obviamente, vão destacar-se aquelas que o fazem bem, se calhar vão perder terreno e ficar em dificuldades aquelas que não o fazem tão bem. É aí que existe uma oportunidade de aparecerem parcerias e aquisições que podem fazer com que essas empresas passem a ser competitivas.

No vosso ‘business plan’ está definido quantos ativos pretendem ter?

É sempre difícil dizer, porque depende da dimensão das unidades. Podemos fazer um grande negócio por um valor elevado e é apenas uma unidade, ou podemos fazer um negócio pelo mesmo valor que sejam várias unidades. Neste momento estamos concentrados em unidades de média dimensão, à escala da Details Hotels & Resorts, com uma média entre os 80 e 120 quartos. Há uma coisa que posso dizer, é que praticamente todas as semanas aparecem oportunidades novas, que analisamos com muito cuidado, para ver efetivamente se há ângulos para poder entrar no nosso portfólio.

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