Com 2023 no horizonte como o ano em que o mercado irá recuperar na totalidade, a Lusanova preparou-se para a fase pós-covid. Durante ano e meio de pandemia, o operador focou-se em duas prioridades: a reestruturação e adaptação da empresa, melhorando a parte de backoffice, e a diversificação da sua programação para o mercado de individuais e famílias. Em entrevista ao TNews, Tiago Encarnação, diretor operacional da Lusanova, fala numa “grande revolução interna da empresa” que se materializou na capacidade dos vários departamentos trabalharem entre si e encontrarem soluções conjuntas. O operador prepara-se para lançar a programação de fim de ano e está otimista quanto às vendas, mas alerta: “O próximo ano vai ser marcado pela capacidade das empresas se aguentarem até à retoma total e vai estar muito ligado à confiança que o cliente tiver”.
Como é que a Lusanova reagiu à pandemia? Quais foram as prioridades?
A primeira necessidade, além de perceber o que estava a acontecer, era termos produto. De um momento para o outro, os destinos ficaram todos fechados e tivemos de nos reorganizar. Lembro que fomos todos para confinamento uma semana depois da apresentação da programação da Lusanova em Lisboa. Tínhamos feito todo o roadshow do Norte, não chegámos a fazer o sul, nem os Açores e a Madeira. Tínhamos uma programação toda preparada para 2020 que era uma continuação de 2019. Depois houve uma segunda fase, no verão de 2020 quando terminou o primeiro confinamento, em que as agências começaram a pedir-nos produto e não havia produto no mercado. Ou havia, mas não estava adequado às novas necessidades e exigências. Na primeira fase de confinamento, o que fizemos foi preparar todo o produto e adaptá-lo para os individuais, mini-grupos e para o mercado nacional. Já tínhamos, mas tivemos que o desenvolver mais.
Aproveitaram também para reestruturar o funcionamento da empresa?
As pandemias são um acelerador de tendências – o que penso que está a acontecer no mercado é que muitas das tendências como a digitalização, o tratamento de dados, a própria organização do mercado foram aceleradas. O que fizemos foi adaptar as ferramentas que já tínhamos, com um trabalho de backoffice muito importante que fizemos de tratamento de informação e de reorganização das equipas. Algo que já vínhamos a pensar anteriormente e que a pandemia acelerou. Houve uma reorganização da empresa quer em Portugal, quer no Brasil, algumas pessoas reformaram-se, outras pessoas infelizmente saíram. A nível de serviço o que fizemos foi melhorar todas as ferramentas que já tínhamos de tratamento de informação e cruzá-la ainda mais, ou seja, manter o nível de atendimento rápido que sempre tivemos mas adaptá-lo às novas necessidades. Hoje em dia, todos nós sabemos que o agente de viagens demora muito mais tempo a fazer um orçamento e a pedir informação. Fizemos o tratamento de informação a nível de backoffice, de sistema de reservas, de dados de fornecedores, de destinos que são viáveis e que não estão, como é que podemos viajar e, se acontecer alguma coisa, o que sucede. Toda esta informação foi preparada, trabalhada e adequámos o produto.
Acima de tudo, o mais importante, e o que noto na Lusanova é que houve uma reestruturação a nível de organização de departamentos. A Lusanova cresceu organicamente e tivemos, com a pandemia, de diversificar o produto. Ao termos mais produto fora dos circuitos, obrigou a que os departamentos criassem mais sinergias. Isso foi para mim a grande revolução interna da empresa: a capacidade dos vários departamentos trabalharem entre si e encontrarem soluções conjuntas, para valorizar o seu produto mas também ajudar os outros produtos que foram surgindo e torná-los cessíveis ao mercado.
Adaptação dos produtos
Que mudanças introduziram no produto e na programação?
Aproveitámos a pandemia para acelerar outros produtos que já tínhamos pensado, mas que, por circunstâncias várias, não tínhamos disponibilidade para o fazer. Mantendo os Circuitos, Grandes Destinos e Grupos, adequámos a oferta para um produto mais individual. Neste momento, temos a Europa em Comboio, que não tínhamos e que são circuitos de duas ou três cidades em comboio; temos mais Fly&Drive, por enquanto só na Europa, mas continuaremos a desenvolver esta oferta; temos os mini-grupos, que foi o conceito que desenvolvemos logo no início pandemia, ou seja, adaptamos os circuitos para mini-grupos e colocámos no mercado e iremos continuar a desenvolver. Depois, a nível de Portugal, utilizámos as mais valias dos vários departamentos. No caso da Lusahotéis, que é a nossa central de hotelaria, trabalhámos o produto para o mercado português, para criar produto para as férias dos portugueses em Portugal Continental. Depois temos a Madeira e Açores, que já era uma oferta que tínhamos, mas que desenvolvemos muito mais. Hoje em dia, nos Açores e na Madeira temos os pacotes aventura e radical, que têm, além do circuito normal, caminhadas nas levadas, algumas experiências gastronómicas. No fundo, há dois núcleos em que apostámos durante a pandemia: a reestruturação e adaptação da empresa, melhorando a parte de backoffice e, depois, a parte da programação, aumentando a sua diversidade mais para o mercado de individuais e famílias.
Qual foi o feedback das agências a esta nova programação?
Foi positivo. Não podemos nunca fazer comparações. 2019 foi uma coisa, depois de 2019 é outra realidade. Não há termo de comparação. Mas, por exemplo, tínhamos lançado o produto Praias: Maldivas, Seychelles, Brasil, Caraíbas. Claro que o Brasil estava fechado, mas, por exemplo, as Maldivas e Seychelles cresceram em pandemia, assim como os combinados Dubai e Praias. A Madeira e os Açores – que já vendíamos muito em grupo e muitos Fly&Drive -, cresceram nos segmentos mais de aventura. Claro que são produtos novos, não podemos esperar que, no primeiro ano e em pandemia, tenham uma recetividade elevada. Agora, a nível dos produtos em que apostámos, nomeadamente Madeira, Açores, Malta, Praias, Grécia, Turquia, conseguimos crescer. Há também um produto interessante que desenvolvemos e que tem a ver com o nosso ADN: logo que foi possível fazermos circuitos em Portugal, criámos circuitos de dois a três dias para os fins de semana e pontes. Conseguimos, ao longo deste ano e meio de pandemia, sempre que não houve constrangimentos de confinamento, fazer um ou dois circuitos por cada fim de semana. Lembro-me que, inicialmente, tinha algum receio de ter de cancelar alguns circuitos – porque são para pessoas com mais de 50 anos. A partir do momento em que a vacinação começou a atingir essa faixa etária, as pessoas aderiram, como disse, todos os fins de semana tínhamos, pelo menos, um circuito de autocarro.
“Tivemos alguMAs agências a pedir o reembolso, mas, depois de justificarmos que estávamos segundo a lei, não houve nenhuma reclamação”.
Como foi a relação com as agências de viagens, nomeadamente na utilização e devolução de vouchers?
Foi um processo tranquilo. Sempre dissemos que seguíamos a lei. Temos os vouchers válidos até 31 de dezembro, conforme a lei. A partir dessa data iremos restituir o dinheiro. Muitos vouchers já foram utilizados, outros ainda irão ser.
Que percentagem de vouchers já foram utilizados?
Cerca de 45%. Tivemos algumas agências a pedir o reembolso, mas, depois de justificarmos que estávamos segundo a lei, não houve nenhuma reclamação. Até houve muitas agências a dizer que percebiam perfeitamente e a perguntar se podiam utilizar o voucher. Foi o que fizeram.
A vossa expetativa é que os restantes vouchers sejam utilizados ou vai ter de haver reembolso?
Vai sempre existir reembolso, mas estou convencido que muitos dos vouchers vão ser utilizados no fim de ano. Lançámos a programação de Inverno na semana passada. Vamos lançar agora também o fim de ano e já temos as agências de viagem a perguntar como estão os circuitos e o fim de ano na Madeira.
Quais têm sido as maiores preocupações das agências relativamente ao operador?
Na primeira fase, como disse, era ter produto para vender. A segunda é a segurança no destino. Todos tivemos que voltar a estudar e a perceber os destinos. Se um cliente faz um circuito para determinado destino e, se houver um caso, o que acontece? Isto varia de país para país. Como nunca fomos de aventuras nesse aspeto e todos os produtos que lançamos são produtos que controlamos, sabemos o que estamos a vender, nunca tivemos propriamente chatices.
É um pouco como o pós-venda de qualquer produto. Quando a pessoa compra algo e tem um problema, se não tem resposta do outro lado, começa a aumentar a bola de neve. Como a Lusanova sempre teve esta caraterística de nunca deixar de falar e tentar explicar, penso que, do lado do agente de viagens, nunca tivemos esse problema de perceber que estávamos todos no mesmo barco e estamos cá para os ajudar.
“O objetivo principal neste momento, não é a rentabilidade, é termos produto e vender”
Como correu o verão para a Lusanova?
Qualquer operador existe para facilitar a venda ao agente de viagens. Temos um produto base: Circuitos Ibéricos, Circuitos Europeus e Grandes Destinos. Claro que esses estavam condicionados. O que posso dizer é que, nestes produtos, tivemos quebras. Não foi bom. Mas quando temos, por exemplo, o produto Madeira, em que a Lusanova vendeu quase o mesmo que vendeu em outros anos, não em grupos, mas em individuais, e quando vejo que Malta e Maldivas cresceram, o verão foi bom. Penso que tem a ver com o destino e com a capacidade do operador de se readaptar e dar uma solução ao agente de viagens. Penso que conseguimos dar e para mim é o grande sucesso do verão. Não é o volume, não é a venda. Enquanto operador, tínhamos produtos, alguns estavam bloqueados, adaptámo-nos, descobrimos outros e a recetividade foi um sucesso.
Qual foi a quebra de faturação da Lusanova neste ano e meio de pandemia?
Foi superior a 75%. Faturávamos 30 milhões de euros.
Conseguiram manter os preços dos pacotes de viagens?
Conseguimos. Claro que com algum esforço nosso e com uma grande negociação da parte dos nossos fornecedores e parceiros. Julgo que houve também um entendimento, de modo geral, em toda a indústria do turismo, da necessidade de encontrarmos formas sustentáveis de existirmos e fazermos face à crise. Houve, da parte dos nossos fornecedores, esse entendimento. Não vou negar que tivemos de fazer ajustes internos para que o produto mantivesse o preço. Mas também houve da parte dos agentes de viagens, é preciso dizê-lo, compreensão. O objetivo principal neste momento, não é a rentabilidade, é termos produto e vender, e irmos à tona. Depois, sim, a partir daí começar a trabalhar. Mantivemos praticamente os mesmos preços. Claro que há produtos, como a Europa em Comboio e o Fly&Drive que são à medida. Não é reserva online, pura e dura, como o city break ou o Circuito Europeu. Estes produtos, como são novos, ainda não temos a sensibilidade para perceber se estão muito acima do mercado ou não. Pelos pedidos que vejo, julgo que estão bastante competitivos.
Programação de inverno e fim de ano
Quais são as vossas expetativas para a programação de inverno?
Estou confiante que, com esta terceira fase de desconfinamento, vamos conseguir vender. No final de setembro e início de outubro, tivemos grupos a sair para a Turquia, Bélgica, Festa da Flor na Madeira e para os Açores. Para estes dois últimos destinos, já tínhamos, mas tivemos um aumento dos pedidos e das reservas e concretização desses grupos.Já temos pedidos para a Expo Dubai, para a próxima Festa da Flor na Madeira e já temos pedidos e reservas para o fim de ano na Madeira. Portanto, estou convencido que vai ser um bom fim de ano, face às perspetivas iniciais.
“O papel das agências e dos operadores reforçou-se nesta crise e isso deve-se também à APAVT. Em todo este processo de ano e meio, o papel da APAVT foi fundamental e isto deve ser dito”.
Esta decisão de lançar a programação de Inverno é um sinal de uma certa normalidade para o mercado?
Grande parte da nossa programação já está preparada, só estamos à espera que o destino abra. Os nossos fornecedores também já começaram a preparar o seu ano. O que é importante é que, quando lançamos um destino, dizer ao agente de viagens: este destino está seguro, o nosso pacote dá-lhe segurança. Se não falharmos com essa expetativa – e na Lusanova não costumamos falhar nisso – estamos a dar uma indicação positiva e a incentivar também a venda, porque as pessoas querem viajar. O trabalho do operador neste momento é exatamente esse: dar ao mercado o sinal que aquele destino é seguro. Um dos nosso objetivos não foi lançar tudo, mas sim o que é seguro.
Qual a programação para o Natal e Fim de Ano?
Vamos manter os mercados de Natal na Alemanha, em Bruxelas, Estocolmo, Capitais Bálticas, Irlanda e Roménia. Alargámos um pouco para alguns destinos que normalmente não fazíamos. Depois temos os circuitos de Inverno na Alemanha e noutros países – apesar de, neste momento, estarmos a fazer uma forte aposta na Alemanha, porque é um destino seguro. Depois temos também o fim de ano na Madeira com allotments na TAP, no Dubai e nos Países Bálticos. Depois, em Portugal, temos o Natal em Trás-os-Montes, Serra da Estrela e Fátima. Vamos manter o fim de ano com Circuitos em Espanha e Portugal.
Como é que vai ficar o mercado da operação turística? Haverá uma consolidação das empresas?
No fundo não é mais do que uma tendência que já existia. Nós, portugueses, temos muita a tendência de olhar para o nosso quintal. Uma das coisas que a globalização e pós-globalização trouxe é que ninguém consegue trabalhar sozinho hoje em dia. Mas as parcerias também se fazem com consolidações e entradas novas no mercado. Vão existir de certeza, o mercado não cresce. É possível que haja consolidações, para nós isso faz parte da nossa análise SWOT (as ameaças e oportunidades). Há coisas que dominamos, nomeadamente as internas, mas as externas não, como é o caso da consolidação, digitalização. Há uma tendência que nasceu e que gostava que se mantivesse, que é a importância das agências de viagens. O papel das agências e dos operadores reforçou-se nesta crise e isso deve-se também à APAVT. Em todo este processo de ano e meio, o papel da APAVT foi fundamental e isto deve ser dito. O papel de tranquilizar, acima de tudo. Numa crise destas, em que perdemos de um dia para o outro, o nosso chão, dizer o que a direção da APAVT disse naquela altura foi de coragem, e disse e disse bem.