Segunda-feira, Setembro 16, 2024
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Há história no Convento do Espinheiro Historic Hotel & Spa | Por Jorge Mangorrinha

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Em diálogo com a planície

Por Jorge Mangorrinha

Noutros tempos já os monges deste antigo convento o abriam para hospedagem. Até reis por ali passaram. D. João II, D. Manuel I e D. Sebastião ficaram neste lugar pertencente à ordem de São Jerónimo. Hoje o complexo é um hotel de 5 estrelas com a marca Luxury Collection da empresa Starwood Hotels & Resorts, a funcionar desde 3 de junho de 2005 e após três anos de obras. Surge como oferta hoteleira exclusiva para os hóspedes que procuram o sossego da planície alentejana e também como espaço de festas de casamento ou para empresas que pretendem um hotel com ampla oferta de espaços de reuniões, exposições ou eventos gastronómicos. Dizem que, no local, apenas perduram dois espinheiros, se bem que em forma de arbusto, mas este hotel tem uma oliveira antiquíssima datada cientificamente com 1111 anos. Os crentes da simbologia dos números ligam este número ao despertar espiritual e a uma fase de novos começos e de grandes mudanças.

Discretamente, deambula pelo hotel sem que o cliente menos informado se aperceba de que se trata do seu proprietário. Nuno Camacho é o promotor da grande transformação operada no antigo Convento do Espinheiro e tem neste empreendimento a sua marca principal como empresário. Pegou num conjunto em degradação e fez nascer um dos hotéis mais icónicos do Alentejo em contexto patrimonial. Daí que, percorrendo a planície e ao nos aproximarmos do sítio, é manifesta a imagem de um conjunto histórico e paisagístico de grande beleza e porte, onde as artes são sinfonias que nos abalam o espírito e até parece que sentimos os monges ou a realeza subindo e descendo as escadas gastas ou passeando nos jardins e nas calçadas.

A origem do Convento do Espinheiro remonta ao século XV. Através dos tempos recebeu frequentemente a visita de monarcas, sobretudo os da Dinastia de Aviz, que tinham uma grande devoção à Virgem e se hospedavam a convite dos monges da Ordem de São Jerónimo. Tudo começou por uma pequena ermida. Depois, Vasco Perdigão, bispo de Évora, promoveu a construção da igreja, sendo a ermida demolida. Presentemente, a Igreja de Nossa Senhora do Espinheiro é um dos espaços mais marcantes do conjunto, pela sua riqueza artística, servindo as missas em épocas festivas e os casamentos, e com o mais notável órgão que já vi, a necessitar de restauro, como fiquei sabendo que é intenção do proprietário.

Longe vão os tempos em que neste lugar e em 1490 a princesa Isabel, filha dos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela, casou com o príncipe Afonso de Portugal, filho de D. João II. Conquistou-se, assim, a paz entre os dois países desavindos. Durante os dias da minha estada decorreu o casamento de Caroline e Kostia. O hotel transformou-se numa grande casa dos noivos e seus familiares e amigos, que circularam nos espaços em harmonia com os demais hóspedes. Na cerimónia religiosa, ecoava o notável coro Soul Gospel Project, dando uma dimensão mágica ao evento.

A música perpassa, aliás, por todas as áreas do hotel, como a do piano ocasional por parte de quem o queira tocar na antiga sala de jantar dos monges, onde estes comiam de frente para a parede e de costas para o púlpito. Agora é uma sala de estar ao lado do bar. Neste bar assisti à atuação de Pedro Peças, um bancário de profissão que acompanhava a voz segura de Mariana Peças, sua filha e de quem se augura futuro na música pela diversidade de boas interpretações em diferentes géneros musicais. E ao visitarmos a igreja entoa o canto gregoriano sempre como música de fundo.

Ao cliente é dada uma esmerada atenção.

Carlos Matuto é o diretor comercial que apresentou cumprimentos à chegada. João Vicente é o responsável pela receção e de uma simpatia contagiante durante toda a estada. Filipa Oliveira, diretora operacional, dá as boas-vindas, deixando escrito que a equipa envidaria todos os esforços no sentido de proporcionar uma “estada única e memorável” e fazendo não esquecer a visita guiada ao convento, realizada diariamente e durante a qual se partilha a história, as lendas e os segredos deste monumento. Quem a fez, nesse dia, foi Liliana Martins, a simpática “concierge” do hotel. Na ocasião, também se desfruta de uma elegante prova de vinhos na companhia do escanção Cristiano Santos, que decorreu, desta vez, não na nova adega situada na antiga cisterna gótica, mas na sala de pequenos-almoços e jantares, também com notável estrutura e um piso central original.

Os vinhos da casa foram os escolhidos para o jantar de cortesia – um espumante e um branco com a marca Convento do Espinheiro e um tinto Cartuxa de Évora. Precisamente, foi Cristiano Santos que deu o conselho destas preciosidades vinícolas. A sua simpatia foi transposta, também, para Marta Madeira e Filipa Mendes, que deram continuidade à atenção durante o jantar, dirigidas por Raquel Arriaga, chefe de mesa, sempre atenta, tanto nos almoços e jantares, como nos pequenos-almoços.

A carta é extensa, de inspiração alentejana, e os pratos são preparados eminentemente com produtos locais, alguns da própria horta, sob a direção do “chef” Jorge Peças. Dos monges à cozinha alentejana, o Restaurante Divinus cria pratos onde o gosto e o prazer de comer são um ato cultural. Do azeite de galega e cordovil, à carne do montado, do pão de Guadalupe aos aromas que crescem espontaneamente na planície, a mesa que me tocou foi servida com a imaginação e arte. De entrada, foram servidos “aqueles petiscos de sempre”: croquete de novilho e espinafres, taco de dourada e pimento fumado, brioche de polvo e pimento fumado e lombo de porco com abacaxi assado e molho barbecue caseiro. Seguiu-se um carré de borrego alentejano com abóbora e nabo fondant. A concluir o repasto foi servida uma pavlova tropical com mango, maracujá e huacatay.

Além deste jantar de cortesia, no outro dia, terei saboreado, por certo, a mais apetitosa lasagna di vitello, numa fusão entre a cozinha italiana e a boa carne alentejana desfiada, servida no Restaurante Olive, de inspiração italiana. Também se podem comer pizzas feitas em forno de lenha, bruschettas, focaccias, pastas e risottos. A sala é antiga cozinha abobadada com tijolo à vista. A servir, Aldair Oliveira, angolano, estudante de sociologia, mas que pretende continuar a trabalhar em turismo e, também, Jéssica Mendonça, ambos de uma grande simpatia.

O constante crescimento da competitividade no setor, que aumenta sobremodo as expectativas, necessidades e exigências dos clientes, impele os meios de hospedagem a repensarem os seus processos de gestão de pessoas, baseando-os nos conceitos de capital intelectual, pois estes balizam as competências individuais num novo ativo para a organização hoteleira. A amabilidade e a atenção permanente são duas atitudes essenciais por parte de quem acolhe. Se alguém não acompanha a generalidade é porque não merece estar no grupo. A competência, ou a falta dela, vem sempre ao de cima, tal como o azeite que era usado nas talhas de vinho da adega deste hotel, até há bem pouco tempo, para se saber quando o vinho acabava.

À entrada, simpaticamente, foi-me sugerido o quarto com o número 212, mas que teria a faculdade de mudar no caso de preferir outra localização. Este quarto fica na parte conventual, porque o respiro da história é mais intenso. Acede-se pelo piso superior do magnífico claustro, no qual estão cadeiras ergonómicas para sossegar a alma e o corpo, aliás, este é um dos espaços tranquilos para se estar em relaxação, em complemento, por exemplo, com o acesso gratuito ao ginásio, sauna, banho turco, jacuzzi e piscinas, onde também se podem recuperar as forças.

O antigo complexo conventual foi sujeito a um projeto de reabilitação e refuncionalização da autoria do arquiteto João Lucas Dias, que se confrontou com uma arquitetura com heranças de épocas diferentes: gótica, manuelina, mudéjar, renascentista, maneirista e chã. Este foi um mosteiro hieronimita de cuja traça quatrocentista e reforma manuelina restam apenas os dois absidíolos (capelas secundárias) do transepto e vestígios da abside poligonal. O corpo da nave é uma sólida edificação do estilo chão eborense da transição do século XVI para o século XVII. O antigo convento constitui uma massa de volumes assimétricos, fruto das várias intervenções que sofreu ao longo dos tempos. Apesar do estado geral de abandono e falta de manutenção a que esteve votado durante muitos anos, o conjunto mantém as características da construção original, que se ligam com a intervenção moderna de adaptação a unidade hoteleira. No meio do jardim, encontra-se, também, a capela funerária de Garcia de Resende, cujo pavimento é de azulejos sevilhanos e andaluzes do século XVI. Em 1998, deu-se a aquisição da igreja, do convento e da capela funerária pela Sociedade de Promoção de Projetos Turísticos e Hoteleiros, Lda. As obras de reconversão a hotel decorreram entre 2003 e 2005, ano da sua abertura. No seguinte, o hotel foi vencedor europeu do World Travel Awards.

Aqui todos os clientes são premiados com a simpatia de quem nos acolhe, e nós também podemos ser parte da benemerência para com a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Évora, através da doação de 1 euro, num gesto nobre e singular no contexto da hotelaria nacional. Afinal, onde intervém a solidariedade desfazem-se as dificuldades. E a recuperação deste monumento histórico para hotel é a prova disso mesmo. Agora, belíssimas paisagens rurais, um cenário bucólico, rica gastronomia e uma história interminável, desde os tempos em que Portugal vivia uma época dourada, unem-se numa síntese de tradição e contemporaneidade e em retalhos de vistas verdes ou douradas consoante a época do ano. E todas são próprias para visitar o hotel.

Este é um exemplo importante da utilização de bens patrimoniais ao serviço da hotelaria e do turismo. E cada vez mais os hóspedes procuram as ambiências em contexto histórico e a experimentação sensorial das culturas e identidades locais. O Convento do Espinheiro Historic Hotel & Spa situa-se em Canaviais, a apenas dois quilómetros da cidade de Évora, património da humanidade, no meio de uma planície inviolável que com ele dialoga.

*Jorge Mangorrinha é pós-doutorado em Turismo, doutorado em Urbanismo, mestre em História Regional e Local (especialização em Património) e licenciado em Arquitetura. Autor multifacetado recebeu o Prémio José de Figueiredo 2010 da Academia Nacional de Belas-Artes. Com experiência no planeamento turístico, em Portugal e no estrangeiro, exerceu, também, como gestor técnico na Parque Expo’98 e como presidente da Comissão Nacional do Centenário do Turismo em Portugal (1911-2011). Colabora com o TNews, tendo sido o autor da rubrica “A Biblioteca de Jorge Mangorrinha”, a que se segue “Há História no Hotel” durante 12 crónicas.

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