Quarta-feira, Janeiro 22, 2025
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Inteligência Turística, Big Data e Dataísmo

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“Esta crónica é sobre destinos turísticos e a sua relação com a informação”.

Por Sofia Almeida

Os dados são elementos dispersos, enquanto a informação são dados tratados, interpretados e analisados. Depois do processo de captação, tratamento e análise, os dados transformam-se em informação. Segundo, o Cambridge Dictionary: “data is information, especially facts or numbers, collected to be examined and considered and used to help decision-making (…)”.

Vivemos uma nova religião chamada Dataísmo (um neologismo que carateriza a obsessão pela procura desenfreada de dados). Informação é poder, diz-se… todos querem reunir dados, interpretá-los, transformá-los em informação para que os gestores e os decisores tomem as melhores decisões. Mas além da informação, esta crónica é também sobre o marketing aplicado aos destinos turísticos ou a falta dele. Mas antes de falar sobre as dificuldades em reunir dados locais para a promoção dos destinos, é justo começar esta reflexão, tecendo elogios rasgados ao trabalho desenvolvido pelo Turismo de Portugal (TP) nos últimos anos.

O TP tem feito um trabalho criativo na produção e realização de filmes que vendem o ‘nosso’ destino. Este esforço é aliás compensado pela quantidade de prémios que temos ganho ao longo dos anos, entre as várias categorias, ‘melhor destino’. Campanhas icónicas como #TuPodes, #Can´tSkypPortugal, cujo filme começa com a seguinte frase: ‘este filme foi inteiramente rodado em dezembro, durante o inverno’. Seguem-se paisagens maravilhosas que mostram um sol glorioso e nas quais somos invadidos por uma sensação de escape que ao mesmo tempo nos instiga a valorar aquilo que é nosso. Sendo que acredito que a frase inicial pretende apenas fazer inveja da boa, a quem assiste ao filme. Confesso que além das paisagens fiquem rendida ao copy e ao timbre das vozes. Brilhante escolha. #TimetoBe é outra campanha bem pensada que nos mostra as valências deste nosso Portugal. Claro que existem outros bons exemplos nacionais, e as Regiões de Turismo têm feito um esforço para dar visibilidade aos seus destinos, quer pelas parcerias desenvolvidas, quer pela realização de filmes. Mas desenganem-se aqueles que acreditam que é suficiente realizar filmes para garantir uns prémios. Além, da complexidade do processo de realização, o filme é apenas uma das imensas ferramentas disponíveis no marketing de destinos. É fundamental que exista uma estratégia integrada para o seu sucesso, sobretudo no longo prazo. Uma verdadeira estratégia de destino de marketing, inclui a complexidade de conceitos como place brand, equity brand, personalidade da marca, top of mind…. a par da simplicidade dos dados sobre a região. E se repararmos com atenção o problema começa antes da definição da estratégia de marketing. Eu diria que começa mesmo na relação (ou na falta dela) do destino com a informação. É que dados há muitos, mas estão espalhados e dispersos. E se não forem reunidos, analisados e interpretados, os dados sobre o destino servem de muito pouco para a tomada de decisão e a isto se chama Inteligência Turística.

O problema é o desconhecimento. E o conhecimento é a base do crescimento.

Existem regiões, locais, lugares em que não existem dados sobre a gestão dos destinos turísticos. Nalguns casos não tem a ver com a falta de recursos, tem a ver com simples desconhecimento e, portanto, não há uma aposta no desenvolvimento do conhecimento e, consequentemente, não há investidores interessados e a região, o local e o lugar não se desenvolvem…. e o progresso não vai ao seu encontro.

Chegados aqui, creio que é importante refletirmos sobre a importância dos dados e da informação para os destinos turísticos. Existem muitos problemas, não tenho a pretensão de os conhecer e de os identificar, mas a sua enumeração genérica, porque alguns são comuns, pode levar à reflexão e à tentativa de os ultrapassar. Algumas generalidades que poderão ter interesse para a discussão:

i) Faltam equipas técnicas e especializadas. Salvo algumas exceções, simplesmente não exigem equipas técnicas especializadas em inteligência turística nos destinos turísticos. As razões são várias, não há informação, não há dinheiro para contratar recursos, a estratégia é deficitária porque não se conseguem contratar bons estrategas e, portanto, não há investidores. Os residentes conformam-se e os turistas por desconhecimento não visitam.

ii) Existe desatenção para quem está na região. A quem está no terreno e conhece bem aquela realidade. Nalguns casos, as decisões chegam de secretárias longínquas através de um email ou de um ofício, em que o remetente da mensagem desconhece aquele lugar. Existe um desinteresse aparente sobre o que pensam os locais. Se calhar, o problema é dos locais que não sabem comunicar os seus os problemas e expressar as suas vontades, e por isso não conseguem gerir melhor o património.

iii) Ainda se pensa na campanha do ano passado, ou mesmo naquela que foi um sucesso no verão de 1988! O mês passado pertence à pré-história. Tem que haver uma aposta nos relatórios preditivos e naqueles que analisam as tendências. Claro que é importante ter acesso aos comportamentos do passado para compreender o presente e nalguns casos prever o futuro. Mas temos que deter e usar a informação para a ação. A par do desconhecimento, também a inação é um problema. O desafio é identificar a localização dos referidos relatórios.

iv) Pregar no deserto. É importante ter um bom sistema de Inteligência Turística – e o famoso Big Data, mas mais importante é promover todos os cantos do destino, o que pressupõe esforços na produção. E parece-me que é aqui que falhamos enquanto Nação!

(Desculpem o dramatismo, mas foi a forma mais fácil de captar a vossa atenção…). Conhecemos o esforço hercúleo da Secretaria de Estado do Turismo, do Turismo de Portugal, das várias Associações do sector, do Instituto Nacional de Estatística, das Regiões de Turismo, das Camaras Municipais, das Autarquias, dos Barómetros e tantas outras ferramentas de análise de informação e afins. E todos fazem o seu trabalho, produzem informação turística. Mas onde se concentra essa informação para produzir relatórios para o mercado? Em que circunstâncias é realizado o cruzamento dessa informação e são analisadas as relações entre variáveis?  Como é que conseguimos fazer estudos longitudinais para antecipar comportamentos? De que forma alimentamos a curiosidade dos investidores dando respostas rápidas na comparação da nossa performance enquanto destino turístico? Em que nos devemos basear para fazer benchmarking? Como é que usamos a informação e a experiência para gerir os riscos e responder de forma eficaz às crises?

Em tempos, a solução encontrada foi criar um Observatório Nacional do Turismo. Não vingou. Mas devemos ser resilientes a mostrar a necessidade de produzir boa informação e partilhá-la. Agora reparem, se existem tantas dificuldades na proeza de criar Inteligência Turística a nível nacional, como podemos exigir competitividade aos organismos e aos empresários locais?

É, portanto, fundamental a promoção dos destinos turísticos numa escala local, e para tal devemos diagnosticar os problemas que variam consoante o lugar e decidir, no melhor interesse dos stakeholders e claro das regiões, dos locais e dos lugares! E viva a Inteligência Turística, porque o destino Portugal é feito de muitos e pequenos locais.

Sofia Almeida

Professora auxiliar na Universidade Europeia e investigadora no CEG/Territur, Universidade de Lisboa.

salmeida@universidadeeuropeia.pt

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