O mundo ocidental tem sido assolado por um choque inflacionário significativo, coisa a que há muito não estava habituado.
Mário Candeias
Fatores como (1) retorno pós-Covid da procura até então latente, (2) aumento agressivo de tarifas na China, que provocou disrupções e aumentos significativos de custos e preços a nível global, (3) excessivas injeções de capital nas economias por parte dos bancos centrais, que estavam necessitadas mas já muito endividadas, (4) Brexit, que impôs custos e disrupções logísticas tanto ao Reino Unido como à União Europeia e (5) invasão da Ucrânia, que entre outras coisas induziu um choque energético na economia global, vieram selar o destino económico desta geração.
Políticos e economistas não se aperceberam a tempo que este evitável cocktail não era uma luz ao fundo do túnel, mas sim a própria locomotiva que se deslocava na nossa direção e que acabou por nos colher.
Depois de terem injetado liquidez em abundância, os bancos centrais estão agora numa tendência inversa de aumento sustentado das taxas de juro, leia-se do custo de capital numa economia, da rendibilidade dos seus fatores produtivos, do nosso custo de vida individual e coletivo. Recessão ou desaceleração induzidas, são o cenário agora predominante.
Portugal tem sido dos países com a inflação mais alta na Europa. Em geral, cotamos razoavelmente bem nos rankings errados.
Capitalizando na minha experiência de gestão numa economia hiperinflacionária (o Irão, que passa por uma grave crise económica, com inflação anual nos 45% e mensal nos 4%, taxas de juro acima de 20%, e desvalorização da moeda em 49% nos primeiros 10 meses do corrente ano persa), a principal ilação é a de que em qualquer cenário de adversidade ou oportunidade, há sempre vencedores e vencidos.
Primeiro, há que analisar minuciosamente a dinâmica de preços numa economia, em termos de medição estatística.
Inflação, deflação, estagflação, reflação, hiperinflação. Quais as suas principais métricas e sub-métricas, porque evolui como evolui, qual o padrão histórico e a tendência atual, qual a inflação em termos de agregados geográficos?
O fenómeno inflacionário relaciona-se com a medição da evolução dos preços de vários bens e serviços num cabaz médio (cabaz esse desenhado em função do perfil de consumo numa determinada economia).
Esses preços (leia-se preços para uns, custos para outros) são importantes, porque adicionam ou retiram valor ao poder de compra proveniente dos salários e, por essa via, ao nível de produtividade e ao nível de vida numa economia ou sociedade.
Economia e sociedade não são, como muitas vezes se pensa, duas faces da mesma moeda, mas sim a mesma coisa. São uma identidade. Uma equação. Uma é a outra.
Por tal, numa economia há inflation takers e inflation setters, consoante produzamos ou consumamos um bem ou serviço, mediante determinada proporção. Depois, convém perceber a escalada gradual das suas causas, como as indicadas acima.
Ilusoriamente, nem todas as inflações são iguais, apesar de terem sempre o mesmo nome. Inflação pelo lado da procura ou da oferta. Ou uma combinação de ambas. Nem todas têm a mesma duração ou profundidade.
A inflação é maior em determinados itens do cabaz, menor noutros. O mix no cabaz também pesa de maneira diferente. Ela afeta cada um dos agentes económicos, de maneira exclusiva e individual, em função do cabaz de consumo de cada um.
A inflação é, assim, diferente para cada um dos 10 milhões de portugueses ou dos 85 milhões de iranianos.
Como a inflação é um indicador médio, existem elementos que ficam acima da média, outros abaixo. Uns que sofrem mais do que outros. E ainda outros que, sim, beneficiam.
O posicionamento individual de cada ator económico, a sua educação económico-financeira e o seu perfil dinâmico de consumo podem e devem ser otimizados para beneficiar da inflação ou minimizar o impacto nefasto da mesma. O mesmo é válido para empresas e setores da economia.
Ganhar mais do que os outros, ou perder menos do que os demais.
Em termos práticos, em contexto inflacionário há que rapidamente ajustar o perfil de consumo para bens menos inflacionados, ou deixar de consumir bens e serviços supérfluos, ajustando dinamicamente o mix de ativos detidos.
Há que deter menos cash, pois perde poder de compra rapidamente, ou obter divisas de economias mais estáveis. O numerário pode ser investido em ativos de refúgio, como ouro e outros metais, ou em commodities essenciais, como energias.
Outra alternativa, será a de investir em empresas com bens essenciais (com fosso económico amplo e vantagens competitivas duradouras, que lhes permitam subir preços rapidamente e sem perder volume de vendas).
Ativos mobiliários financeiros são também, em geral, bons refúgios, dependendo dos mercados em que são transacionados.
Isto traz-nos ao setor imobiliário e ao mundo do turismo e hotéis. A imobiliária, no seu todo, e a hotelaria, em particular com o seu perfil de ajuste diário de preços, são com frequência muito bons veículos para utilizar como hedge inflacionário.
O setor hoteleiro global, e mesmo o macro-agregado de commercial e residential real estate, tem mais de inflation setter que de inflation taker.
E se esses ativos tiverem dívida fixa ou não indexada totalmente a inflação, tanto melhor. Os ativos valorizam por incremento de free cash-flows enquanto a sua dívida desvaloriza.
Como diria Stephen Rushmore (o decano da Hotel Valuation Services) na sua mais recente newsletter, “inflation is the best thing to happen to hotel valuations”.
Portugal e o seu parque hoteleiro são assim uma das potenciais defesas contra a inflação.
No grande esquema das coisas, Portugal tem um ativo tangível que pode capitanear melhor no sentido de minimizar os impactos inflacionistas negativos e até lucrar com os mesmos.
Dentre muitas maneiras, pode também induzir inflação a mercados internacionais (oferta mais cara, para procura que paga mais). Os proveitos subirão em maior proporção do que os custos de exploração. Os rácios de rendibilidade e solvabilidade podem inclusivamente ser otimizados.
Este perfil dinâmico de gestão de ativos pessoais e empresarias, pode permitir-nos alcançar mais ganhos do que aqueles que a inflação nos faz perder.
A ignorância sai sempre cara (ainda mais neste contexto). Estudar o padrão dos números e antecipá-lo ou contorná-lo. Sangue frio. Foco no objetivo. Obter crescimento nominal acima da inflação média ou do seu setor específico. Por outras palavras, gerar crescimento real, por comparação com o seu benchmark estatístico direto e mais próximo.
Ao dominar e pilotar todas estas variáveis, a ideia é a de que o leitor, se ainda não o é, se torne num dos (infelizmente não muitos…) vencedores.
Também em contexto económico e inflacionário, Orwell acerta: todos os animais são iguais, mas uns podem ser mais iguais do que outros.
Mário Candeias
Managing Director Espinas Hotel Group
Caro amigo Mário
Excelente pensamento e grande artigo para muitos opinadores neste País que falam todos os dias e pouco dizem….forte abraço.