Durante décadas, o planeamento de uma viagem começava num balcão de agência. Hoje, começa num ecrã. O que mudou? Bem, na verdade quase tudo! O setor do turismo está a atravessar uma revolução silenciosa, mas profunda e a origem desta transformação está nas novas tecnologias, mas acima de tudo na mudança de comportamento dos consumidores.
Em Portugal, existem atualmente mais de 3.600 agências de viagens registadas, de acordo com o Registo Nacional de Turismo (RNT), do Turismo de Portugal. Contudo, desde a pandemia que se tem verificado uma forte tendência para os viajantes procurarem respostas diretas e em cima da hora (last minute). Os hotéis e operadores começaram também a investir nos seus próprios canais de venda, oferecendo melhores preços, promoções exclusivas e vantagens para quem reserva online — sem necessidade de intermediários. Muitas vezes, os próprios agentes de viagens confrontam-se com uma realidade frustrante: os preços nos sites oficiais são mais baixos do que os que conseguem oferecer aos seus clientes, mesmo com tarifas negociadas e acordos assinados.
Esta mudança não é nova, mas levou um grande embalo nos últimos dois anos, uma vez que a grande mudança chegou com a Inteligência Artificial (IA), e em especial com o lançamento em novembro de 2022 do Chat GPT e democratização do acesso à IA Generativa, que tem vindo a transformar o comportamento dos consumidores e a dinâmica do setor.
Será a IA Generativa o novo agente de viagens mundial? Ferramentas como o ChatGPT, Google Gemini ou Microsoft Copilot são hoje utilizadas para criar itinerários completos em segundos. Um simples pedido como “quero visitar o Douro durante 3 dias com um orçamento de 500 euros” devolve sugestões personalizadas de alojamento, atividades e refeições — muitas vezes com links diretos para reserva e até sugestões de programação que não constava na “prompt”* original.
De acordo com o estudo da consultora Oliver Wyman, no final de 2024 determina que 41% dos consumidores já utilizam IA generativa para planear as suas viagens de lazer. E mais impressionante ainda: 82% dos que já o fizeram afirmam que o voltariam a fazer, satisfeitos com a rapidez, personalização e qualidade das recomendações. O estudo revela ainda que esta prática é particularmente comum entre os mais jovens (59% dos menores de 45 anos), mas também entre membros de programas de fidelização e viajantes frequentes de cruzeiros, onde a adoção ultrapassa os 80%.
Este fenómeno tem implicações profundas, uma vez que os consumidores não só utilizam estas ferramentas para planear, como também seguem as recomendações: 44% acabam por reservar as atividades recomendadas, e 43% seguem sugestões de restaurantes e outras propostas adicionais. Estamos a falar de um novo tipo de comportamento que antecipa um risco claro para os operadores tradicionais: quem não acompanhar esta mudança corre o risco de perder relevância e, receitas.
Segundo as projeções da Oliver Wyman, as agências de viagens online (OTA´s) podem aumentar a sua quota de mercado nos EUA de 50% para 67% até 2029, representando mais de 2 mil milhões de dólares adicionais em comissões. Um aviso sério para os operadores que ainda não adotaram esta nova realidade.
Neste momento impera colocar uma questão, como é que as empresas de turismo estão a agir? Do lado das empresas do setor, a resposta está a emergir. Segundo o relatório Ascendant da Minsait (Indra), “IA: radiografia de uma revolução em curso”, que pesquisou o grau de adoção em empresas privadas e instituições públicas à IA, em 2024, 80% das empresas do setor do turismo já utilizam IA em pelo menos numa área do seu negócio. Adicionalmente, 40% afirmam que o principal motivo da adoção é melhorar o conhecimento, o relacionamento e a experiência do cliente.
As aplicações da IA são diversas:
- 33% das empresas usam-na para personalizar a oferta e otimizar a venda de serviços turísticos;
- Cerca de um terço recorre à IA para gerir operações logísticas e de hospedagem, bem como para a promoção turística;
- 22% aplicam-na à melhoria da experiência no destino, gestão de inventários, frotas e até controlo de carga e descarga de aeronaves.
A grande vantagem? A otimização de processos, que permite ganhar tempo, melhorar a eficiência e aumentar a produtividade, mas também oferecer experiências mais personalizadas e diferenciadoras aos viajantes — o que resulta numa maior conversão e fidelização, duas palavras-chave no turismo do futuro.
Há, contudo, desafios a vencer: a escassez de talento qualificado e a necessidade de criar mecanismos de governação e segurança tecnológica são apontados como barreiras à adoção plena desta revolução.
Com todo este panorama, a grande pergunta impõe-se: qual é hoje o papel de uma agência de viagens? A resposta não está em resistir à tecnologia, mas em abraçá-la. O papel das agências deve evoluir de vendedor de pacotes para curador de experiências. O que os viajantes mais valorizam hoje, e que a IA ainda não consegue replicar, é o conhecimento local, o toque humano, a emoção, o contexto e a relação de confiança.
Um agente experiente pode sugerir aquele restaurante de bairro em Coimbra que ainda não aparece nos blogs ou oferecer uma visita exclusiva a um produtor local, com histórias que nenhum algoritmo conhece. Pode combinar tecnologia com criatividade, rapidez com profundidade.
As agências e operadores que prosperarem nos próximos anos serão os que:
- Integrarem IA nos seus processos (não para substituir pessoas, mas para libertar tempo e criar valor);
- Mudarem o foco: menos transacional e mais relacional;
- Mudarem a sua proposta de valor, ao venderem conhecimento, exclusividade, storytelling e comunidade;
- Serem parceiros e não apenas fornecedores de serviços.
O turismo do futuro pertence a quem souber desenhar experiências que marcam, que emocionam e que fazem o cliente sentir-se único. A Inteligência Artificial veio levantar a fasquia, não para nos substituir, mas para nos desafiar a sermos melhores.
O cliente já não precisa de ti… a não ser que sejas absolutamente imprescindível.
A pergunta final é simples: estás preparado para isso?
*As prompts em IA são as instruções fornecidas a um modelo de IA que lhe permitem gerar um resultado.
Por Hugo Teixeira Francisco
Co-fundador e Chief Marketing Officer da Portugal Green Travel DMC & Consulting, DNA Travel & Events e Foge Comigo por Portugal. Formador na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra e na Academia Digital do Turismo de Portugal.