Este verão, estima-se que as ligações aéreas para o Algarve estejam ao mesmo nível de 2019. Embora o número de passageiros ainda não seja o mesmo, há dois indicadores que se destacam: um maior número de dormidas e a subida dos preços. Em entrevista ao TNews, o presidente da Turismo do Algarve, João Fernandes, afirma que a conjugação da procura com um aumento de receita, faz a região ambicionar chegar ao fim do ano com mais receitas do que em 2019. “Isso é o caminho ideal, em que não privilegiamos o volume da procura, privilegiamos o valor dessa procura”, defende.
Os problemas que se têm verificado na aviação e nos aeroportos, nomeadamente cancelamentos de voos e atrasos, podem afetar o turismo Algarve este verão?
A falta de recursos humanos que se faz sentir em toda a Europa, e também cá, é notória, sobretudo ao nível das infraestruturas aeroportuárias e da aviação. Foram setores muito afetados pela pandemia, reduziram recursos humanos e estão com dificuldades em recuperá-los, no caso do Reino Unido isso foi agravado pela questão do Brexit e, obviamente, que isso tem impacto depois na capacidade das companhias aéreas e das infraestruturas aéreas darem resposta a uma procura súbita. Felizmente, não temos tido cancelamentos regulares, a não ser situações pontuais, e ainda não fomos afetados de forma significativa em termos de procura. Fomos, sim, já afetados com constrangimentos resultantes dessa falta de recursos humanos nos mercados emissores. Dou um exemplo prático, no Aeroporto de Amesterdão Schiphol há um problema grande com expedição das bagagens, portanto os passageiros que chegam a Faro andam a resolver o problema já no destino que foi criado na origem. Ou, outro exemplo, nos voos de Londres tem havido uma reiterada falha no comprimento de horários de chegada, o que faz que muitas vezes se concentrem voos no período do fecho do horário do espaço aéreo. Isso cria constrangimentos no processamento da fronteira, porque hoje os britânicos são considerados de país terceiro. Mas, felizmente, Portugal não tem sido tão afetado com o cancelamento de voos oriundos do Reino Unido, Holanda, Alemanha, porque eventualmente as companhias aéreas estão a privilegiar os destinos cujos load fators são mais elevados, que é o caso de Portugal, e o caso do Algarve. Se me perguntar se os poucos cancelamentos que têm existido têm dado origem a cancelamentos de reservas nos hotéis? Não, isso também não tem acontecido. Quando o voo é cancelado, o hóspede reitera a sua vontade para manter a reserva, informando que vai chegar no dia seguinte, o que é um bom sinal, apesar deste constrangimento. Agora não estamos isentos de virmos a ter problemas lá e cá porque também temos falta de recursos humanos.
No entanto, a operação no aeroporto de Faro está a correr bem?
No aeroporto está a correr bastante bem, face à realidade que vemos em Lisboa, porque os tempos médios de passagem na fronteira – e temos de nos lembrar que mais de 50% dos passageiros são de países terceiros, em grande parte o Reino Unido – têm sido de 15 a 30 minutos, o que é razoável face à enorme concentração de voos que temos tido. Tivemos pontualmente alguns problemas que levaram a tempos superiores de pico até 50 minutos e que tiveram a ver exatamente com esta questão dos problemas dos aeroportos e das companhias aéreas dos mercados emissores. Até agora, fruto de um bom trabalho das estruturas locais do SEF do aeroporto, que temos acompanhado de forma muito próxima, mas também do reforço de efetivos que foi possível fazer com um plano de contingência com a PSP, está a correr bem. À saída do aeroporto já se revelam novas dificuldades, como aliás noutros aeroportos pelo país, ou seja, a mobilidade torna-se mais exigente, porque não há viaturas a serem entregues às rent-a-car. Por isso, há várias dificuldades com rent-a-car e transfers por falta de viaturas no tempo de disponibilidade de transporte, mas felizmente ainda não é uma situação excessiva, embora seja uma situação a que estamos muito atentos.
Qual o nível de ligações aéreas já repostas para o verão de 2022 face a 2019?
Estamos ainda a recuperar de um conjunto muito vasto de rotas perdidas. A nossa expetativa é recuperarmos a totalidade das ligações até ao verão, entre julho e agosto. Até agora, ao nível dos movimentos, estamos muito próximos de 2019, mas ainda não em termos de passageiros. Temos beneficiado de um aumento do número de dormidas no destino. Acabamos por ter níveis próximos de 2019 em termos de procura turística, com níveis de preço médio e consumo mais elevados do que 2019. Portugal já estava a proceder a um caminho de 2014 a 2019 de criar mais valor por turista. É bom perceber que, pela primeira vez, logo a seguir a uma crise, não baixamos todos preço e não tornamos mais difícil a recuperação.
“As reservas para depois do verão estão a um ótimo nível”
Os resultados deste ano serão superiores a 2019?
Todos nós vaticinámos que em 2023 estaríamos aos níveis de 2019. Hoje, todas as regiões portuguesas ambicionam chegar a esses números em 2022, e há fundamentos para isso. É lógico que temos de ter sempre muito presente que a incerteza ainda é um fator bastante presente. Falámos da falta de recursos humanos do lado da procura, mas também do lado da oferta, faltam os recursos humanos necessários para vários serviços, que estão limitados, sejam os rent-a-car, os autocarros, hotéis, as agências de viagens, as empresas de animação. Muitas vezes, as empresas deixam de prestar serviços, porque não têm recursos humanos suficientes. Mas a verdade é que esta conjugação da procura com um aumento de receita, faz-nos ambicionar chegar ao fim do ano, eventualmente, até com mais receitas do que em 2019. Isso é o caminho ideal, em que não privilegiamos o volume da procura, privilegiamos o valor dessa procura.
“O que tenho recolhido dos hoteleiros é que, no pico do verão, temos aumentos de ADR’s no alojamento turístico, em alguns casos, superiores a 20%, o que é muito interessante”.
Preços mais elevados não significa que as empresas estejam a ganhar mais dinheiro, porque os custos estão mais elevados?
É verdade, desde os recursos humanos, onde há um ajuste claro nas remunerações, que também é justo. Isto é, é justo acompanharmos a necessidade de pagar melhor aos trabalhadores, é pena é a falta desses mesmos trabalhadores. Os custos com os recursos humanos subiram em média cerca de 15%. Mas temos, por exemplo, matérias primas para a restauração, que subiram substancialmente mais. Tudo o que são produtos alimentares, em geral, estão a subir acima desses 15%. Quando estamos a falar do custo dos combustíveis para atividades que têm um peso considerável dessa matéria-prima, os aumentos são, muitas vezes, superiores a este valor. Ou quando falamos de uma unidade de negócio que está agora a renegociar o contrato de eletricidade, podemos estar a falar de aumentos muitíssimos superiores em termos de fornecimento de energia a este valor. Este aumento de preços vem numa altura que permite pagar estes aumento de consumos, mas, como referiu e bem, o que nos interessa é o aumento do EBITA, não é propriamente ter muita receita para depois pagar custos e impostos.
Qual é, em média, o aumento de preços da oferta turística?
É muito difícil ter um apuramento atualizado do preço, não é igual nos 5 estrelas quando comparamos com um aumento nas 3 estrelas, porque a procura também não é identidade e a elasticidade de preço também não. Não é idêntica no restaurante ou numa empresa de animação turística, porque o consumo também privilegia determinadas opções. O que tenho recolhido dos hoteleiros é que, no pico do verão, temos aumentos de ADR’s no alojamento turístico, em alguns casos, superiores a 20%, o que é muito interessante.
Como estão as reservas para os meses a seguir ao verão? Também estão a crescer?
Temos, sobretudo, dois indicadores. As reservas para setembro, outubro e até novembro estão a um ótimo nível, ao nível de 2019. Por outro lado, muitas destas reservas são não reembolsáveis, ou seja, já têm características que garantem a receita para a atividade económica. E, depois, temos também outro indicador muito positivo: os produtos de inverno e de época intermédia, como o golfe. Na primeira grande época alta (até maio) tivemos mais voltas de golfe que alguma vez tivemos até hoje. Portanto, de janeiro a maio, comparando os períodos homólogos das várias séries de anos em que temos registo, nunca tivemos tantas voltas de golfe e os green fees também estão mais elevados. O que leva a crer que a segunda época alta do ano, que começa em setembro e vai até novembro, também vai acompanhar essa procura. Por outro lado, o MICE, que até foi tardio nas várias regiões, com uma procura pouco habitual de grupos e incentivos em junho, está a dar bons sinais também para esse período. O turismo de natureza teve um comportamento excecional neste primeiro semestre, o que também indicia que no último quadrimestre do ano teremos bons resultados.
“nunca tivemos tantas voltas de golfe”
Alguma surpresa nos mercados, além do regresso dos britânicos e dos irlandeses?
Nesse dois há uma curiosidade, a retoma tem sido rápida, mas com estadas mais prolongadas. Os britânicos e os alemães são os que estão a recuperar menos rápido. Os irlandeses que costumam assumir um comportamento muito semelhante aos britânicos estão a recuperar de forma vertiginosa. Depois temos os mercados francófonos (franceses, belgas, luxemburgueses, suíços) que estão claramente a tomar a dianteira da recuperação, isso é um sinal muito interessante. Já temos sinais também muito claros dos mercados emergentes, nomeadamente dos EUA, Canadá e Brasil.
Há alguma explicação para que os mercados francófonos estarem a crescer? Tem a ver com as ligações aéreas?
Tem a ver também com um esforço que desenvolvemos antes das próprias ligações aéreas. Obviamente que tivemos operações da Suíça, do Luxemburgo, da Bélgica que não tínhamos antes. Reforçamos logo em 2018 e 2019. Durante a pandemia estes também foram os mercados mais resilientes, aliás para Portugal, não foi só para o Algarve, e devem ter gostado, houve claramente também um passa a palavra de quem nos visitou durante a pandemia, além da promoção. Eram mercados ainda pouco explorados, nomeadamente o Luxemburgo e algumas áreas da Suíça francófona. Se formos ver de 2014 a 2019, a Bélgica também cresceu, acompanha uma subida que já vinha de trás.
O mercado nacional, apesar desta subida de preços, vai continuar a ir de férias para o Algarve?
Há mais de 40 anos que o Algarve se destaca no número de dormidas de portugueses. Isso não vai mudar. Agora vamos perder em relação ao ano passado, porque no ano passado foi um recorde de todos os tempos, porque os portugueses não podiam sair. Este ano, já percebemos que há muitos portugueses que vão naturalmente procurar outros destinos. Uma curiosidade é que os portugueses estão cada vez mais a procurar o Algarve em época baixa e intermédia. Em janeiro e fevereiro de 2020 estávamos a crescer 15,3 % em hóspedes e o mercado português era o mais relevante. Os portugueses passaram a fazer turismo de natureza e a fazer fins de semana de descanso no Algarve durante o período de época baixa.
“Vamos nas próximas semanas a Cabo Verde e a Marrocos para agilizar processos, aproveitando os acordos bilaterais”
Falta de recursos humanos
O verão já começou, o que havia para recrutar de recursos humanos já foi recrutado? Teme que se preste um mau serviço, por falta de trabalhadores?
Vou começar pela primeira pergunta. Se já recrutámos tudo o que havia disponível em termos de população ativa? O número de inscritos no IEFP do Algarve maio era 12 mil. Portanto, ainda há margem para trabalharmos nesse sentido. Aliás, fizemos um trabalho conjunto entre Turismo do Algarve, AHETA, AHISA e IEFP para perceber as ineficiências do sistema que permitiam que houvesse desempregados com propostas de emprego que recusassem sistematicamente oportunidades de emprego. E não estou a falar de oportunidade de emprego com ordenado mínimo, estou a falar de oportunidades de emprego com uma remuneração justa. A verdade é que esse trabalho tem franco espaço de melhoria. Vamos continuar a insistir nesse trabalho, aliás agora a própria CTP juntou-se a este projeto piloto, contactou o IEFP nacional e vamos continuar a trabalhar para que haja maior eficiência e saudamos a disponibilidade do IEFP.
Por outro lado, vamos nas próximas semanas, também com a AHETA e a AHISA, a Cabo Verde e a Marrocos para uma migração controlada, regrada e condigna de trabalhadores para suprir necessidades do turismo do Algarve. Um trabalho que já vinha de 2018, e que junta o SEF, a IEFP, nós, a AHETA e a AHISA. Vamos tentar, no fundo, aproveitar já os acordos bilaterais com Cabo Verde e Marrocos para agilizar processos. Esta semana, estaremos em Marrocos e na próxima em Cabo Verde. Os acordos bilaterais estão estabelecidos, mas depois é preciso haver regulamentação e é preciso que, do lado de lá, haja também agilidade por parte dos governos, das instituições homólogas ao IEFP e do SEF destes países. Por outro lado, também é necessário que os nossos serviços consulares e o SEF estejam mais disponíveis para uma via verde – que aliás o governo tem tentado trabalhar do ponto de vista do enquadramento legal – para que se consubstancie em concreto em vinda de trabalhadores para o Algarve.
Entretanto, a falta de trabalhadores pode beliscar o serviço prestado?
As empresas muitas vezes reduzem a sua própria capacidade, para permitir, por um lado, alojar os trabalhadores, isso acontece muitas vezes no alojamento turístico e, por outro lado, reduzem alguns serviços, o período de horário do bar, do restaurante, de alguns serviços que podem ser encontrados nas imediações noutra oferta, tentando não penalizar o turista. Também porque todos tirámos aqui uma lição. Nas outras crises, baixámos os preços e esquecemos a sustentabilidade. Esta é a primeira crise em que isso não acontece. A sustentabilidade está no top of mind até por uma questão de custos, da energia aos resíduos e à água. Olhamos para a sustentabilidade já com uma perspetiva de não apenas porque é uma tendência do cliente, mas porque é importante do ponto de vista do nosso presente, na gestão da unidade de negócio. Não preconizo vendermos um destino de ouro como Portugal, e em concreto o Algarve, por tudo e meia. As lições que tirámos da crise fazem-nos hoje sermos melhores gestores.
TAP
Relativamente à TAP e as ligações para o Algarve, têm estabelecido contacto?
Reunimos com o senhor ministro e com o senhor secretário de Estado da tutela, e depois com a administração da TAP, ainda no período pré-pandemia, para a necessidade do reforço de ligações Faro-Lisboa e ainda considerando a possibilidade de ligações ponto a ponto. O objetivo primeiro é reforçar as ligações Faro-Lisboa, para que os contribuintes da região, que também pagaram este equilíbrio da TAP, possam beneficiar do modelo hub and spoke. Ou seja, reduzir tempos de espera em Lisboa, que chegavam a quatro horas para ligações para os EUA, Canadá, e Brasil, mas até para outros pontos do Médio Oriente. Também para melhorar a conectividade para esses mercados emissores reduzindo o tempo de viagem na sua totalidade e aumentando as oportunidades, porque também são mercados emergentes. Para termos uma ideia, Brasil, EUA e Canadá, entre 2014 e 2019, cresceram acima de 200% para o Algarve em dormidas de hotelaria. Depois, reunimos com a anterior administração da TAP e já com a atual, considerando a necessidade do acordo com Bruxelas rever a frota da TAP, para perceber qual a frota que restava e que permitiria as ligações Faro-Lisboa. Tínhamos uma proposta para aumentar de 4 para 5 ligações diárias Faro-Lisboa no verão, reduzindo até a dimensão das aeronaves para reduzir custos com tripulação e taxas aeroportuárias. A anterior duração achou essa proposta bastante razoável, a atual direção manteve inclusive o mesmo número de ligações no inverno e no verão. A TAP só tem três ligações este verão, alegando que não tem aeronaves para esse efeito, mas que poderá rever no próximo ano esta situação. Devo dizer que é uma resposta francamente insuficiente para uma companhia que se diz de bandeira nacional. Além disso – e aí a companhia melhorou a sua proposta – havia preços incomportáveis na ligação ponto a ponto que excediam os 200 euros de Faro para Lisboa, portanto o passageiro conseguia ir por um quarto do preço para Londres. Felizmente, a TAP lançou uma campanha para reduzir esse valor substancialmente, vamos ver depois os resultados dessa campanha, porque é preciso que ela chegou obviamente ao consumidor.
“A TAP só tem três ligações este verão, alegando que não tem aeronaves para esse efeito, mas que poderá rever no próximo ano esta situação. Devo dizer que é uma resposta francamente insuficiente para uma companhia que se diz de bandeira nacional”