Em 2024, Portugal consolidou-se como um dos destinos turísticos mais procurados da Europa, superando os níveis pré-pandemia. Foram registados 31,6 milhões de hóspedes, dos quais 19,4 milhões eram estrangeiros, representando um aumento de 6,3% face ao ano anterior. Este número é notável para um país com cerca de 10,5 milhões de habitantes, equivalendo a aproximadamente dois turistas por residente, ao longo do ano.
As receitas do turismo atingiram cerca de 28 mil milhões de euros em 2024, um crescimento de 8,8% em relação a 2023, consolidando-se como uma das principais fontes de riqueza nacional. Este “boom” turístico impulsiona o emprego e o investimento, com o setor hoteleiro a destacar-se como um dos maiores investidores imobiliários no país. Diante deste crescimento, multiplicam-se os projetos de novos hotéis. No entanto, surgem questões sobre a necessidade de mais unidades hoteleiras e a sustentabilidade deste modelo, considerando o risco de cidades saturadas e oferta excessiva.
Expansão hoteleira: novos projetos até 2026
Os números recentes mostram uma autêntica explosão de novos hotéis em Portugal, especialmente concentrados em Lisboa e Porto, mas também noutras regiões. Segundo a consultora Lodging Econometrics, até 2026, prevê-se a abertura de 114 novos hotéis em Portugal, adicionando mais de 14.000 novos quartos à oferta atual. Este pipeline coloca Portugal no top 5 europeu em novos projetos hoteleiros (apenas atrás de Reino Unido, Alemanha, França e Turquia).
Alguns destaques da expansão:
· Lisboa: Lidera o crescimento nacional, com 36 novos hotéis previstos até 2026, totalizando mais 4.425 quartos. A capital é a 3.ª cidade europeia com mais hotéis em desenvolvimento, apenas superada por Londres e Istambul. Só na cidade de Lisboa, estão projetadas mais de 50 novas unidades nos próximos anos (um aumento de 16% sobre as cerca de 330 já existentes). Considerando toda a Área Metropolitana de Lisboa, o número sobe para 82 novos hotéis, evidenciando a forte concentração de investimento na região da capital.
· Porto: A nossa Invicta enfrenta uma expansão ainda mais rápida em termos percentuais. Estão em curso 122 projetos de novos hotéis no município do Porto, o que representa um crescimento potencial de 64% face aos 190 hotéis atuais. Destes, mais de 60 já se encontram em construção. Se todos forem concluídos, a cidade ganhará 6.300 novos quartos, elevando a capacidade para cerca de 34.500 camas.
· Outras regiões: Fora dos grandes centros, também há um aumento significativo de oferta. O Algarve, por exemplo, continua a atrair projetos de cadeias internacionais. Também no centro e norte interior surgem unidades focadas no turismo em espaço rural, enoturismo e natureza, e, no Alentejo e ilhas, cresce o investimento em resorts e hotéis boutique. Em suma, são dezenas de novos hotéis espalhados pelo resto do país, indicando que o investimento não se limita às duas maiores cidades – embora estas concentrem a fatia principal da expansão.
Impacto económico vs. impacto urbano: o dilema do crescimento
Do ponto de vista económico, a abertura de mais hotéis traz vantagens óbvias. Cada novo hotel representa investimento (muitas vezes estrangeiro), criação de empregos diretos e indiretos (na construção, serviços, restauração, etc.) e o aumento da capacidade de alojamento permite receber mais visitantes, impulsionando o comércio local e as correspondentes receitas fiscais. Não surpreende que, para muitos decisores, o turismo seja visto como um pilar crucial do crescimento: em 2023 o turismo representou quase 50% das exportações de serviços do país e empregava (direta ou indiretamente) centenas de milhares de pessoas. A continuidade deste crescimento pode ajudar Portugal a manter-se competitivo internacionalmente e a desenvolver regiões menos favorecidas, caso o investimento seja bem distribuído. Há também o argumento de revitalização urbana: muitos hotéis novos surgem da reabilitação de edifícios históricos degradados, devolvendo-lhes uso e vida; zonas antes abandonadas ganham dinamismo económico e comercial com a chegada destas unidades hoteleiras.
No entanto, o impacto urbano e social de uma expansão hoteleira desenfreada levanta preocupações. Em cidades como Lisboa e Porto, já se faz sentir a pressão do turismo massificado no cotidiano dos residentes: aumento do tráfego, lotação de espaços públicos, descaracterização de bairros tradicionais e, sobretudo, pressão imobiliária. A verdade é que vários prédios residenciais foram convertidos em hotéis ou alojamentos turísticos, diminuindo a oferta de habitação e inflacionando preços e rendas nas zonas centrais. Este fenómeno já motivou protestos e iniciativas para limitar a expansão do alojamento turístico em várias cidades europeias. Preocupa-me, sobretudo, a capacidade de carga urbana. Quantos turistas podem Lisboa ou Porto comportar sem comprometer a qualidade de vida e a identidade local? A construção de novos hotéis deve ser acompanhada de planeamento com conhecimento da real capacidade de acolhimento e absorção de novos alojamentos. Lisboa, por exemplo, enfrenta, além da reconhecida crise de habitação, problemas de transportes e limpeza urbana, agravados pela sazonalidade turística.
Riscos sobre oferta e sustentabilidade do turismo
Do ponto de vista da indústria hoteleira em si, há um risco empresarial em jogo: o de excesso de oferta. Esta intensa aposta em novos hotéis, desregulada e sem uma estratégia clara, pode levar-nos a um cenário de sobre-oferta. Em termos simples, se o número de camas crescer muito acima da procura turística, as consequências sentir-se-ão na quebra das taxas de ocupação, guerra de preços e erosão das margens de rentabilidade – especialmente fora da época alta, quando a procura é menor – fragilizando a rentabilidade dos negócios e comprometendo a qualidade dos serviços oferecidos. Por outro lado, a já desafiante situação em termos de recursos humanos tende a agravar-se. O ritmo de crescimento do setor não está a ser acompanhado pela formação adequada, em número e qualidade, dos profissionais necessários, o que acentua as dificuldades em recrutar mão de obra qualificada e reter talento. Ou seja, não basta construir e abrir portas, é preciso assegurar capital humano para manter os padrões de serviço. Se tal não acontecer, a experiência do visitante irá degradar-se, afetando a reputação do destino. A possibilidade de que o serviço nos novos hotéis caia para níveis medíocres por falta de pessoal treinado e qualificado é muito real e muito próxima.
Todos estes fatores convergem numa preocupação maior: a sustentabilidade do turismo. Nos últimos anos popularizou-se o termo “turismo sustentável”, que implica um equilíbrio entre crescimento económico, preservação ambiental e respeito pelas comunidades locais. No contexto da hotelaria, sustentabilidade significa crescer sem destruir o que torna Portugal apelativo.
Veja-se que algumas cidades europeias já reagiram aos perigos do turismo desequilibrado. Amesterdão impôs um travão à construção de novos hotéis no centro, reconhecendo que o alegado turismo em excesso estava a afetar o equilíbrio urbano. Barcelona adotou medidas semelhantes, banindo novos hotéis no centro e restringindo alojamentos locais para conter a “turistificação” descontrolada. Em Portugal, discute-se se devemos seguir caminho parecido. Num debate público recente, o meu colega (geógrafo) Luís Mendes defendeu que talvez seja hora de “restringir o licenciamento de mais hotéis” em certas áreas para prevenir a saturação turística, inspirando-se nesses exemplos internacionais. Por outro lado, há, no nosso setor, quem contraponha argumentando que o crescimento deve continuar, embora de forma qualificada (e lembrando a importância do setor para a economia). Este duelo de visões resume bem a encruzilhada atual: de um lado, a preocupação em não matar a galinha dos ovos de ouro do turismo; do outro, o receio de que, ao não impormos limites, possamos matar a galinha por excesso de ovos – ou seja, pela saturação do destino.
É importante notar que “sustentabilidade” não significa impedir todo o crescimento, mas sim orientá-lo. As entidades competentes preparam atualmente a Estratégia Turismo 2035, precisamente com a premissa de crescimento sustentável. Algumas linhas já apontadas incluem um Plano de Sustentabilidade e Economia Circular 2024-2030 para o setor, e o incentivo à descentralização turística – levando uma parte do fluxo de visitantes para regiões de menor procura, mas alto potencial, atenuando a pressão nas cidades mais turisticamente congestionadas. Várias empresas e projetos já abraçam práticas sustentáveis, seja na eficiência energética dos hotéis, seja na integração com comunidades locais (vários hotéis rurais, enoturismos e projetos que envolvem produtores regionais têm sido premiados pelo seu contributo para um turismo mais autêntico). Existe, de facto, uma consciência crescente de que o futuro do turismo português deve passar por qualidade em detrimento da quantidade, apostando num viajante que permanece mais tempo e gasta mais por visita, em vez de apostarmos apenas em bater recordes de chegadas.
Conclusão: para um turismo com conta, peso e medida
Aqui chegados, Portugal precisa (ou não) de mais hotéis? A resposta, como vimos, não é linear. Por um lado, há espaço – e necessidade – para crescer onde a procura está a suplantar a oferta existente, sob pena de perdermos oportunidades económicas. Por outro lado, crescer sem critério pode trazer mais malefícios que vantagens a médio prazo. A estratégia desejável para o nosso turismo não deve passar simplesmente por construir hotéis, de forma indiferenciada , até saturar o mercado, mas sim a de um crescimento orientado e sustentável. Em vez de nos perguntarmos quantos hotéis mais podemos abrir, deveríamos, antes, perguntar-nos que tipo de hotéis queremos, para que turistas, e onde fazem sentido.
Em termos construtivos, devemos defender um modelo turístico tendente aos seguintes princípios:
- Planeamento urbano estratégico – integrar os novos empreendimentos num plano de cidade, protegendo zonas residenciais e património da invasão desenfreada de empreendimentos descaracterizadores;
- Desconcentração geográfica – canalizar novos projetos para destinos emergentes no interior, Alentejo, Centro, de forma a distribuir os benefícios do turismo e descongestionar Lisboa e Porto na época alta;
- Qualificação em vez de quantificação – privilegiar projetos que elevem a qualidade da oferta (hotéis sustentáveis, de charme, resorts ecológicos e mais comprometidos com a autenticidade local) em vez de meros números para estatística;
- Respeito pela capacidade de carga – estabelecer limites razoáveis nos locais já próximos do ponto de saturação, complementando com investimento sério em infraestruturas e serviços capazes de suportar os picos de turismo;
- Envolvimento da comunidade e sustentabilidade – incentivar iniciativas em que o turismo impacte direta e positivamente nas populações locais, em detrimento de (e restringindo) projetos com efeitos nocivos ao ecossistema envolvente
Portugal não precisa de mais hotéis se “mais” significar exceder irresponsavelmente a procura ou sacrificar a identidade do destino. O que Portugal precisa é de melhores hotéis e um melhor turismo. Precisa de uma visão de longo prazo que equilibre o entusiasmo pelos recordes com a prudência de preservar o que nos tornou atrativos em primeiro lugar. Em vez do paradigma do crescimento pelo crescimento, o país deve ambicionar um turismo que seja, ao mesmo tempo, próspero, equilibrado e humano – onde os visitantes sejam bem-vindos e bem servidos, as empresas lucrativas, e os residentes orgulhosos da sua terra. Isso pode significar abrandar um pouco o ritmo (ou repensar os critérios) de novas aberturas nos polos já bem fornecidos, ao mesmo tempo que se investe em inovação e sustentabilidade nos projetos que avancem. Paralelamente, deve reforçar-se a integração e envolvimento dos projetos com a comunidades, lembrando que um hotel não pode ser um elemento dissociado da rua e das pessoas que nela vivem, trabalham ou lá fazem as suas compras. Em última análise, “mais hotéis” só fará sentido se vierem acompanhado de mais valor – para a economia e para a sociedade. Esse é o desafio e a oportunidade para o turismo português nos anos que se avizinham. E já agora, em momento movimentações nas administrações central e local, mais conhecimento, envolvimento e visão de futuro para o turismo seriam bem-vindos.
Por Fernando Assis Coelho
É licenciado em Geografia pela Universidade Nova de Lisboa e pós-graduado em Turismo, com formações executivas na Porto Business School, SDA Bocconi, AESE Business School e Universidade de Londres. Estreou-se como assistente de direção no grupo hoteleiro escocês Brudolff, tendo exercido funções como diretor de hotel no grupo Pestana, Royal Óbidos Spa & Golf Resort e Hotel Cidnay. Desempenhou funções com responsabilidade no turismo do grupo Symington e atualmente é Director de Area para Portugal e algumas unidades de Madrid do grupo espanhol Hotelatelier.