Depois de 18 meses de uma crise sem precedentes no setor do turismo, eis que surgem os primeiros sinais de retoma da atividade um pouco por todo o Mundo, sobretudo impulsionados pelo mercado interno e por mercados de proximidade.
A retoma global das viagens internacionais ainda está longe dos valores de 2019 e a generalidade das organizações do setor apontam para uma recuperação gradual da procura até 2023 ou 2024. De acordo com o UNWTO Recovery Tracker, as viagens internacionais nos primeiros cinco meses do ano são inferiores em 82% aos valores de 2019, embora se registe uma recuperação clara em algumas regiões do Globo, com particular destaque para a região das Caraíbas, que já se aproxima dos resultados pré-pandemia.
Em Portugal, os dados divulgados pelo INE e pelo Banco de Portugal mostram uma clara retoma do setor nos últimos três meses, com crescimentos expressivos dos principais indicadores da atividade turística em Portugal, deixando antever que o período mais negro desta crise já terá ficado para trás.
Ao contrário das últimas crises no setor, o mercado interno tem sido o motor desta recuperação. Nos primeiros sete meses de 2021, o mercado interno cresceu quase 20% em hóspedes e 32% em dormidas, compensando a quebra do mercado internacional, afetado pelas limitações às viagens internacionais. Ainda assim, a procura internacional cresceu em julho mais de 110% face a 2020 e as receitas do turismo cresceram 45% face ao mês homólogo anterior.
Os dados da SIBS para o mês de agosto mostram igualmente uma aceleração dos gastos dos estrangeiros em Portugal, que registam um aumento aproximado de 50% do valor de gastos com cartões estrangeiros face a agosto de 2020. Relativamente ao mês anterior, verificou-se um aumento de gastos de cerca de 85%.
Por outro lado, os dados de recuperação de capacidade aérea internacional são igualmente boas notícias para o processo de recuperação da atividade turística no nosso país.
O cenário é, ainda, de bastante incerteza quanto às mudanças de mercado que esta crise trará, seja em termos do sucesso no combate à pandemia e da reposição da mobilidade internacional, seja em termos da alteração de preferências dos consumidores de viagens e turismo.
Na verdade, a pandemia Covid-19 funcionou como um acelerador de processos de transformação que já se adivinhavam, trazendo consigo desafios importantes para os líderes do setor e para as suas equipas.
Em primeiro lugar, a inevitabilidade da utilização da tecnologia como parceiro indispensável na relação e no contacto com o cliente e mesmo na prestação do próprio serviço, enquanto condições necessárias para que o negócio se pudesse efetivar. Os últimos 18 meses mostraram claramente a utilidade da tecnologia e a urgência da sua adoção na plenitude.
A transformação digital é hoje um imperativo para as empresas, exigindo a integração da tecnologia em todos os aspetos do processo produtivo, potenciando ajustamentos de modelos de negócio, transformando processos internos e melhorando a relação com o cliente. Um caminho de transformação que se impõe como urgente e como condição para continuar a ser competitivo no mercado.
Num contexto de redução abrupta do tempo de tomada de decisão, a capacidade de utilizar de forma eficiente os dados na gestão e na criação de valor será, na verdade, um fator de competitividade poderoso, de que as empresas não poderão prescindir no futuro próximo.
Numa segunda dimensão, o imperativo da sustentabilidade. Pela primeira vez, uma crise com esta magnitude no plano económico e social, não retirou da agenda as preocupações ambientais, muito pelo contrário.
Um excelente sinal para a sociedade que pretendemos construir, mas também um sinal evidente de transformação que se exige aos destinos turísticos e às empresas do setor, no sentido de incorporar os princípios e práticas de sustentabilidade nos modos de produção e nos comportamentos dos turistas.
Finalmente, o comportamento do consumidor. Desde que me lembro, “a alteração do comportamento do consumidor” é uma constante na atividade turística. O turismo é uma indústria de pessoas para pessoas, e as pessoas foram, como nunca, impactadas pela pandemia, alterando hábitos de comportamento e descobrindo novas centralidades nas suas vidas.
Esta é, do meu ponto de vista, uma grande oportunidade para o setor do turismo em Portugal.
A começar pelo mercado interno, que respondeu de forma muito positiva neste último ano e que “redescobriu” Portugal e as suas regiões mais escondidas, colocando o lazer, a natureza e o interior entre as suas principais preferências de consumo.
Portugal sempre teve um modelo de desenvolvimento turístico com dois terços de procura externa e um terço de procura interna. É, a meu ver, um modelo virtuoso e que tem garantindo um importante contributo para o equilíbrio das contas externas da nossa economia e que, retomadas as condições de viagens internacionais, o natural será que volte a esse padrão.
Contudo, o mercado interno pode e deve ter um papel fundamental para responder aos desafios da sazonalidade e da valorização turística do interior do nosso país. É preciso continuar a investir no desenvolvimento de oferta turística capaz de captar este mercado, de o interessar e de o fazer preferir experiências turísticas em detrimento de outras opções de consumo.
Por Sérgio Guerreiro
É professor Universitário. Diretor Executivo da Nova SBE Westmont Institute of Tourism and Hospitality.