Quinta-feira, Janeiro 23, 2025
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Revogação das medidas restritivas ao Alojamento Local — desafios e oportunidades

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Em Portugal, o alojamento local (AL) representa cerca de 42% das dormidas turísticas no país, com um impacto significativo nas áreas urbanas. Na Área Metropolitana de Lisboa, o AL representa 48% das dormidas, com um peso ainda maior em freguesias centrais da cidade como Santa Maria Maior (52%) e Santo António (26%). Lisboa, como um dos maiores mercados, mantém áreas de contenção para novas licenças de AL, especialmente no centro da cidade, devido a preocupações relacionadas com a habitação e o impacto turístico​.

Recentemente, o Governo português decidiu revogar várias medidas restritivas previamente impostas ao regime do AL, num esforço para encontrar um equilíbrio entre os interesses dos proprietários, das comunidades locais e do setor turístico. Esta reavaliação surge num contexto em que o turismo, fortemente impactado pela pandemia, procura recuperar e consolidar o seu papel como motor da economia nacional. As alterações têm gerado debate, com opiniões polarizadas sobre os seus potenciais impactos. Por um lado, existe quem acredite que a flexibilização destas restrições traz benefícios claros ao setor do turismo e aos proprietários de AL. Por outro, comunidades locais manifestam preocupações sobre a capacidade destas medidas responderem adequadamente às questões relacionadas com o aumento do custo de vida e a pressão imobiliária nas áreas mais turísticas do país. O que tem originado a gentrificação dos bairros, processo de transformação urbana que se caracteriza pela requalificação de áreas urbanas degradadas ou subvalorizadas e que resulta na mudança do perfil socioeconómico da região e consequentemente na descaraterização destes espaços.

Portugal é reconhecido internacionalmente pela sua hospitalidade e diversidade de ofertas turísticas, mas precisa de se tornar mais competitivo face aos mercados concorrentes, nomeadamente Espanha e Itália, onde o AL tem uma regulamentação mais flexível. O AL representa uma fatia significativa do setor do turismo, contribuindo não só para o aumento das receitas fiscais, mas também para a criação de empregos e a dinamização de áreas urbanas menos centrais. Regiões que, antes, não faziam parte do circuito turístico tradicional tornaram-se destinos populares graças à presença de alojamentos locais. Este impacto positivo na descentralização do turismo é um dos principais argumentos a favor de uma regulamentação mais aberta. Além disso, as novas condições permitem aos pequenos proprietários manterem os seus imóveis no mercado de AL, garantindo-lhes uma fonte de rendimento extra.

Apesar dos benefícios económicos, as comunidades locais continuam a expressar preocupações legítimas sobre os impactos sociais e culturais do AL. Em cidades como Lisboa e Porto, o crescimento do AL tem sido associado ao aumento das rendas e à diminuição da oferta habitacional para residentes permanentes, problemas que, segundo os críticos, não foram suficientemente mitigados pelas políticas de regulação anteriores. A revogação das medidas restritivas pode agravar a perceção de que os interesses dos turistas e dos proprietários têm prioridade sobre os das comunidades locais. Por isso, é essencial que sejam implementem medidas complementares para abordar as preocupações de habitação e garantir um equilíbrio saudável entre as diferentes partes envolvidas. A base de um entendimento desta polémica questão passa por uma comunicação clara e transparente, algo que nem sempre é bem conseguido.

A necessidade de gestão e fiscalização eficazes

O sucesso das mudanças no regime do AL dependerá, em grande parte, da capacidade de implementação de políticas de gestão e fiscalização eficazes. Uma estratégia que inclua limites claros para as novas licenças em áreas urbanas densamente povoadas, identifique os incentivos ao AL em regiões menos exploradas e explicitação dos mecanismos de monitorização para garantir a sua conformidade com as normas fiscais e ambientais. Um exemplo prático seria estabelecer zonas específicas para o AL, restringindo o número de licenças emitidas em áreas sobrecarregadas e incentivando a atividade em zonas menos desenvolvidas. Este modelo, já implementado com sucesso em algumas cidades europeias, poderia reduzir os potenciais conflitos entre os turistas e os residentes.

Sustentabilidade como prioridade

O turismo global enfrenta uma transição para um modelo mais sustentável, e aqui Portugal tem uma oportunidade de desempenhar um papel de destaque ao alinhar o AL com as práticas ecológicas e inclusivas. A implementação de medidas que promovam a eficiência energética em propriedades de AL e que incentivem interações positivas entre os visitantes e as comunidades locais podem fortalecer a reputação do país como destino sustentável. A tecnologia também deve desempenhar um papel importante nesta transição. Soluções baseadas em dados, como plataformas digitais para monitorizar o impacto do AL em tempo real, podem ajudar a criar políticas mais informadas e adaptáveis. Uma das soluções aqui sugeridas é a criação de um observatório do alojamento local que monitorize a atividade e ajude a criar modelos preditivos que auxiliem a tomada de decisão.

Desafios e oportunidades para o Futuro

Embora a flexibilização das medidas represente uma vitória para os defensores do AL, também coloca desafios significativos que não podem ser ignorados. Se bem geridas, as alterações podem estimular a economia e contribuir para a recuperação do turismo, especialmente em regiões menos exploradas. No entanto, é essencial que seja demonstrada sensibilidade às preocupações das comunidades locais, investindo em políticas que combinem os interesses de proprietários, turistas e residentes. Em última análise, o sucesso destas mudanças dependerá da capacidade de criar um ambiente onde o AL seja visto como uma força positiva para o desenvolvimento económico e social, ao invés de um fator de tensão nas comunidades. Portugal tem agora a oportunidade de estabelecer um modelo inovador e equilibrado, que sirva de exemplo para outros países enfrentando desafios semelhantes no setor turístico.

Se conseguirmos alinhar os interesses de todas as partes envolvidas, o futuro do AL poderá ser não apenas promissor, mas também sustentável e inclusivo. Este é o momento de agir com visão e responsabilidade.

Por Sofia Almeida

Docente e coordenadora da área de Turismo & Hospitalidade da Universidade Europeia

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