A AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal vai juntar os setores do alojamento turístico e da restauração para debater o tema “Sustentabilidade: Utopia ou Sobrevivência”, no seu congresso, que se realiza nos próximos dias 14 e 15 de outubro, em Coimbra. Será uma oportunidade para reunir a massa associativa e expor as preocupações do setor, numa altura em que se prepara o debate do próximo Orçamento de Estado. A AHRESP já se adiantou e apresentou 25 medidas ao Governo divididas em cinco eixos: fiscalidade, capitalização das empresas, incentivo ao consumo, apoio ao investimento e qualificação e dignificação do emprego. Em entrevista ao TNews, a poucos dias do congresso, a secretária geral da associação, Ana Jacinto, insiste na importância de algumas destas medidas, como a redução da taxa do IVA da restauração e bebidas, e adianta algumas conclusões do mais recente inquérito da AHRESP sobre os impactos do novo contexto inflacionista e de crise energética na atividade das empresas.
A AHRESP apresentou 25 medidas para o Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), incluindo uma taxa reduzida do IVA na restauração e bebidas. Esta é uma medida já reivindicada em 2022. Têm expetativas que possa ser efetivada neste OE?
Algumas destas medidas são medidas-bandeira para a AHRESP e que nunca viram a luz do dia. O nosso congresso será um momento importante, porque quando se realizar [14 e 15 de outubro], a proposta do OE já foi entregue. Estamos num momento crucial e, é por isso, que temos apelado a que nossos empresários se inscrevam em massa, porque quanto mais força derem à AHRESP, mais capacidade temos para podermos insistir com o Governo. A nossa missão é insistir, porque acreditamos que estas medidas são necessárias e urgentes para as empresas. Compete depois ao Governo saber se as acomoda ou não. Só temos capacidade de propor, influenciar e explicar o porquê que consideramos que estas medidas são urgentes e importantes. É nosso dever continuar a insistir nelas, algumas são novas, que advém deste quadro complicado que estamos a atravessar de cenário inflacionista e de graves custos de contexto para as empresas. Muitas delas são já medidas com alguns anos e que temos insistido e que vamos continuar a insistir.
“A medida que as empresas continuam a sinalizar como a mais relevante é a redução do IVA nos serviços de alimentação e bebidas”.
Quais são as medidas-bandeira?
A redução do IVA. Estamos absolutamente convictos, e não somos só nós, a Confederação Europeia de Hotéis, Restaurantes e Cafés tem sinalizado este tema variadíssimas vezes, no sentido de sensibilizar os Governos do Estados-membros a reduzir o IVA dos produtos de Alimentação e Bebidas. Muitos dos países, durante a pandemia, fizeram-no de forma temporária, com efeitos positivos nas empresas, nos postos de trabalho e na economia. Estamos absolutamente convictos que seria uma boa medida. Posso adiantar, em primeira mão, porque ainda não divulgámos os dados que estamos a recolher do último inquérito que fizemos às nossas empresas, que a medida que as empresas continuam a sinalizar como a mais relevante é a redução do IVA nos serviços de alimentação e bebidas. Temos duas medidas diferentes: uma delas é a descida do IVA nas bebidas. A 1 de julho de 2016, a reposição parcial da taxa de IVA aplicada aos serviços de alimentação não se aplicou a todas as bebidas deixando na taxa máxima, nomeadamente todas as bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.
No OE para 2017, foi consagrado uma autorização legislativa que permitia ao Governo ampliar a lista de bebidas tributadas à taxa intermédia, caminhando no sentido da reposição Integral do IVA nos Serviços de Alimentação de Bebidas, conforme se encontrava a 31 de dezembro de 2012.
Esta autorização legislativa foi sendo sucessivamente consagrada nos Orçamentos de Estado de 2018, 2019 e 2020.
De forma surpreendente, no Orçamento de Estado para 2021 esta Autorização Legislativa não foi prevista, situação que se manteve em 2022.
Depois pedimos a baixa para a taxa reduzida para a Restauração e Bebidas, aí assim de forma temporária, que permitiria às empresas aumentar as suas tesourarias, numa altura em estão muito fragilizadas, ainda por causa da pandemia e desta esta inflação galopante, que não permite às empresas aumentar os preços na mesma proporção, o que significa que estamos a acomodar esses aumentos e precisávamos de criar tesouraria nas empresas. Esta redução, mesmo que fosse temporária, era muito bem-vinda.
Uma das medidas propostas pela AHRESP é também a dedução, em sede de IRS, de despesas de restauração e alojamento por um período de dois anos. Não defendem, no entanto, que o limite de 250 euros seja aumentado?
É mais uma medida que cruza também com o incentivo ao consumo, para permitir que as famílias optem por consumir nos nossos estabelecimentos.
Mas optaram por não propor que este teto máximo fosse aumentado?
Procuramos sempre ter algum equilíbrio, porque pedir não custa. Mas AHRESP, pela responsabilidade que tem, tem de tentar fazer propostas que sejam equilibradas e que sejam possíveis de serem concretizadas, não podemos pedir tudo, pedimos aquilo que achamos que é equilibrado. É evidente que gostaríamos de alargar, mas tentamos fazer um equilíbrio entre aquilo que consideramos ser o mais justo.
“A diferença entre aquilo que a empresa paga a um trabalhador e depois aquilo que o trabalhador leva para casa é abismal”
Defendem também a redução do IRS e da TSU. A redução dos impostos sobre os rendimentos do trabalho seria uma forma dos trabalhadores terem mais rendimento disponível?
Essa é outra questão que para nós é verdadeiramente crucial. Temos um problema gravíssimo de pessoas para trabalhar nos nossos setores, não é só o turismo, é transversal a todas as áreas. Apesar deste tema já ter sido muito discutido, uma das questões tem a ver com a remuneração, não é a única questão que faz com que não haja muita gente a querer trabalhar no setor. Há outras questões, igualmente importantes, até diria que esta questão, hoje em dia, não é a questão principal. Há outras questões muito mais preocupantes, que temos de resolver, que tem a ver com a dureza, e a carga horária das nossas atividades Para nós, AHRESP, este é o ponto crucial, e não tanto a remuneração, mas voltando à remuneração, consideramos que também é importante. Quanto mais bem remuneradas estas posições forem, mais atratividade vamos ter. Só que as empresas não podem fazer aumentos salariais porque decretamos que esse aumento salarial tem de se fazer, é preciso dar condições financeiras às empresas.
Isso significa baixar impostos?
Algumas dessas condições pressupõem que os impostos sobre os custos laborais possam ser diminuídos, porque a diferença entre aquilo que a empresa paga a um trabalhador e depois aquilo que o trabalhador leva para casa é abismal. Uma parte do valor que a empresa tem como custo é imposto, não vai para o trabalhador.
A AHRESP defende que os instrumentos para apoio à capitalização das empresas, promovidas pelo Banco de Fomento, “infelizmente não estão a chegar às micro e pequenas empresas, derivado da sua enorme complexidade de acesso e desajuste face à realidade do tecido empresarial português”. Qual a solução?
Há muito tempo que temos sinalizado esta dificuldade. Temos um problema geral nas nossas empresas, que tem a ver com a falta de capacitação das lideranças, dos empresários, isto depois dificulta tudo o que tem que ver com a comunicação com a Banca e com os instrumentos financeiros. Existe uma grande iliteracia financeira, por parte de quem está à frente das nossas empresas. Se adicionarmos a isto, o facto do acesso a determinadas medidas ser complexo, então é dizer que estas micro e pequenas empresas não vão aceder a nada, porque não conseguem aceder a nada. Isto é recorrente. O que nós precisamos no eixo da capitalização das empresas, e está sinalizado nas nossas medidas, são mecanismos ágeis, rápidos, muito simples, com vista à redução do endividamento das empresas, porque as empresas estão completamente descapitalizadas. Ainda há pouco tempo, o senhor ministro da Economia anunciou medidas para minimizar estes impactos que estamos a sofrer, mas se olharmos para as medidas que foram divulgadas, no que diz respeito às empresas turísticas, as únicas medidas apresentadas são mais endividamento. Para empresas completamente descapitalizadas e com muita dificuldade em falar e comunicar com a banca, esta medida é a mesma coisa do que dizer que não temos medidas.
Dignificação e Qualificação do Emprego Recursos Humanos
“Queremos trazer trabalhadores estrangeiros, mas de forma organizada, controlada. Isto significa que não podemos trazer trabalhadores estrangeiros e depois deixá-los sem acompanhamento”.
A AHRESP diz que “é urgente a criação de mecanismos/plataformas que apoiem e facilitem a contratação de recursos humanos, nomeadamente a contratação organizada de imigrantes e defende a criação de um programa de inserção das famílias imigrantes, bem como de habitação. O país tem condições para receber os imigrantes?
Esse é um tema muito difícil, temos vindo a sinalizar a necessidade de contratarmos mão de obra estrangeira. Não temos outra alternativa, temos de facto uma população muito envelhecida, depois temos um número enorme de trabalhadores que se tornaram “desencorajados”, ou seja, são aqueles que não estão a entrar para a estatística no desemprego, mas também não estão à procura de emprego. Depois, temos a questão de muitos dos nossos trabalhadores terem fugido para outras atividades durante a pandemia e agora não querem voltar. Tudo isto faz com que não tenhamos outra alternativa, senão irmos buscar mão de obra estrangeira e aqui o Governo tem estado atento e bem. Já formalizou alguns acordos com os países PALOPs, já alterou as regras da entrada e permanência de trabalhadores estrangeiros, mas é preciso fazer mais. Queremos trazer trabalhadores estrangeiros, mas de forma organizada, controlada. Isto significa que não podemos trazer trabalhadores estrangeiros e depois deixá-los sem acompanhamento. Aquelas empresas que têm mais músculo e são mais estruturadas ainda fazem algum esforço, no sentido de encontrarem acomodações para estes trabalhadores, mas a maioria das nossas empresas não têm essa capacidade. Precisamos de envolver outras entidades, ter uma política pública estruturada que permita que, estes estrangeiros quando cheguem a território nacional, tenham condições de habitação, de inclusão, de possam trazer as as suas famílias, porque não os queremos aqui durante dois meses e depois irem embora.
“Foi um verão interessante? Foi, mas não deixou às empresas uma margem financeira robusta para aguentaros próximos meses”
A associação afirma que “não obstante o pico da atividade nos meses de verão, as margens de negócio estão completamente esmagadas”. Qual é atualmente o cenário das empresas. Os preços inevitavelmente vão subir na restauração e alojamento?
Nunca quisemos ser arautos do pessimismo, nem criar uma onda de pessimismo maior que aquela que já se vive em algumas empresas, mas a verdade é que fomos alertando, já há muito tempo, para a necessidade de termos os pés no chão. Os meses de verão, de facto, foram muito interessantes. É evidente que não foi igual em todo o território nacional, mas, de uma forma global, podemos dizer que superámos todas as expetativas. Isso é uma coisa, outra coisa é aquilo que as empresas têm como margem. Em agosto, segundo o INE, a variação do índice de preços ao consumidor situou-se, no que diz respeito à inflação dos produtos energéticos, em 24%. No que diz respeito aos produtos alimentares, tivemos um aumento de 15,4%, mas se olharmos para classe da restauração, cafés, pastelarias verificamos que a inflação situou-se em 4,5%. Portanto, sabendo nós que os custos energéticos e os produtos alimentares têm um grande peso nas nossas atividades, significa que as empresas andaram a acomodar todos estes impactos, porque não fizeram o aumento do preço ao consumidor na mesma proporção. Isto significa que, à medida que o tempo vai passando, as margens estão esmagadas, além de todos os outros custos que têm. Foi um verão interessante? Foi, mas não deixou às empresas uma margem financeira robusta para aguentar os próximos meses, em que o poder de compra vai diminuir, as taxas de juro estão a aumentar e, como como sabemos, o nível de vida dos portugueses também se vai complicar, e não temos tantos turistas, porque, tradicionalmente, os próximos meses são de época baixa. Por isso mesmo, o cenário não é nada interessante. Insistimos na necessidade de haver medidas que possam mitigar estes efeitos. O que fica nas empresas é muito pouco.
Está a decorrer um um novo inquérito sobre os impactos do novo contexto inflacionista e de crise energética na atividade das empresas. Quais as conclusões preliminares?
Verificamos uma grande preocupação das empresas relativamente aos próximos tempos. Isso é notório no inquérito. Por outro lado, temos uma maioria considerável a sinalizar a questão do IVA como fundamental para as empresas no próximo ano. Por outro lado, temos uma grande maioria das empresas quer da restauração, quer do alojamento, a sentirem já uma quebra no consumo acentuada, estamos a falar de quebras que já andam à volta dos 20 a 30%, quer na restauração, quer no alojamento, alguns dizem que já chega aos 40%.
A maioria das empresas, mais de 60%, já considera aumentar preço, porque não vê da parte do Governo medidas que possam compensar e mitigar estes custos, mas estão conscientes que aumentando o preço, vai aumentar a quebra no consumo. Este equilíbrio tem de andar sempre a ser procurado: aumentam preços, diminui o consumo
Quais são as expectativas para o congresso da AHRESP?
No fundo, o que queremos comunicar tudo isto que descrevi: as nossas necessidades e as nossas preocupações. Neste momento temos mais de 600 inscrições, o nosso objetivo é chegar aos 1000 participantes. É muito importante que os empresários estejam presentes e possam partilhar, de viva voz, estas preocupações, porque uma coisa é a AHRESP dizer, outra coisa é a sua massa associativa – nós valemos o que os nossos associados quiserem. É importante a presença dos empresários para que o Governo perceba que há aqui um setor unido nestas preocupações e nas soluções. Não é hábito da AHRESP andar a apresentar problemas sem apresentar caminhos, temos caminhos, podem não ser acolhidos por quem tem de decidir, mas é nosso dever apresentá-los, porque estamos convencidos que são importantes para um setor de atividade que, como sabemos, é o motor da economia. Ultimamente não ouvimos outra coisa, da parte dos nossos governantes, se não que estas atividades são o motor da economia, então vamos ajudar a que continuem a ser. A nossa expetativa é que este congresso seja muito participado. Também temos aqui um dado importante que é a realização do congresso em parceria com a Ordem dos Contabilistas certificados, que são uma peça muito importante das nossas empresas, especialmente das micro e pequenas empresas.