A secretária-geral da AHRESP, Ana Jacinto, defende que o próximo Orçamento do Estado (OE2026) deve marcar “um ponto de viragem” e conter “medidas concretas que valorizem as pessoas que dão vida ao turismo”.
Numa entrevista ao TNews, a responsável sublinha que, sem estas condições, Portugal arrisca perder competitividade enquanto destino turístico e agravar a fragilidade de milhares de micro e pequenas empresas.
A associação apresentou um pacote de 30 propostas para o OE2026 com um foco em três pilares: “empresas capitalizadas, salários a crescer e casa disponível para quem trabalha”.
Empresas ainda em dificuldade apesar do turismo em alta
Para a secretária-geral, apesar dos bons resultados registados no alojamento turístico desde 2023 e da expectativa de novos recordes em 2025, “muitas empresas permanecem em grande dificuldade”, sobretudo na restauração fora dos grandes centros turísticos.
“Às dívidas da pandemia somam-se a inflação, os custos energéticos e alimentares e, recentemente, o impacto dos incêndios de verão, que transformaram agosto – o mês mais importante do ano – numa ‘época baixa’”, assinala Ana Jacinto.
Neste contexto, a AHRESP exige um OE que reveja a “forte carga fiscal” e que garanta condições para reforçar salários: “É urgente que a tributação seja justa e equilibrada, e que os empresários deixem de sentir que trabalham apenas para pagar impostos. Só assim terão condições para reforçar salários de forma consistente, investir na inovação e na sustentabilidade e consolidar as suas empresas, mantendo Portugal competitivo como destino turístico.”
Habitação: travão ao recrutamento
A dificuldade no acesso à habitação é vista como um dos maiores obstáculos ao recrutamento no canal Horeca.
Nas propostas para o OE2026, a AHRESP defende a redução da tributação dos rendimentos prediais, a isenção de IRS e TSU nos apoios que as empresas dão às rendas dos trabalhadores, bem como incentivos fiscais à construção de habitação para colaboradores: “Defendemos uma forte redução da tributação dos rendimentos prediais, a isenção de IRS e TSU nos apoios que as empresas dão às rendas dos trabalhadores quando não são proprietárias dos imóveis, e ainda incentivos fiscais à construção de habitação para trabalhadores. Falamos, por exemplo, de isenção de IVA nos custos de construção e de majoração de custos em IRC.”
As medidas devem ainda “articular-se com uma dotação orçamental para as autarquias, de forma a apoiarem rendas na fase inicial de instalação, incluindo trabalhadores migrantes”, defende.
“Defendemos uma forte redução da tributação dos rendimentos prediais, a isenção de IRS e TSU nos apoios que as empresas dão às rendas dos trabalhadores quando não são proprietárias dos imóveis, e ainda incentivos fiscais à construção de habitação para trabalhadores”
Salários: mais rendimento, menos peso fiscal
No que diz respeito a salários, “o objetivo é simples: mais rendimento no bolso dos trabalhadores sem comprometer a sobrevivência das empresas”, afirma a Secretária-Geral. “Mas este caminho só é possível se o esforço for partilhado com o Governo, que tem beneficiado de excedentes orçamentais, contas equilibradas na Segurança Social e até da melhoria dos ratings de Portugal”, acrescenta.
Entre as propostas apresentadas destaca-se a criação de um Prémio de Valorização Salarial isento de TSU, atribuído aos trabalhadores, exclusivamente na parte que excede a atualização obrigatória (seja por via do aumento do salário mínimo nacional, seja por via das grelhas salariais negociadas em sede de contratação coletiva). A medida permitiria tornar a “progressão salarial uma realidade, sem pôr em causa a tesouraria das empresas, que ainda lidam com dívidas acumuladas da pandemia e com custos crescentes de matérias-primas, aliados a uma forte instabilidade internacional”.
No que diz respeito a salários, “o objetivo é simples: mais rendimento no bolso dos trabalhadores sem comprometer a sobrevivência das empresas”
Para a AHRESP, é tempo de o Governo partilhar os excedentes orçamentais e a melhoria das contas públicas com os trabalhadores e empresas, transformando-os em ganhos reais para a qualidade de vida. “De facto, é fundamental dar liquidez e capacidade de investimento às empresas. Porque Sem empresas viáveis, não há empregos; sem empregos, não há contribuições; e sem contribuições, não haverá excedentes no futuro”, defende.
Contra a subida do IVA na restauração
Sobre a recomendação da U-Tax para aumentar o IVA da restauração para 23%, Ana Jacinto é taxativa: “Reafirmamos a nossa firme oposição a esta recomendação da U-Tax, que evidencia um profundo desconhecimento da realidade económica e social do setor da restauração. Esta medida provocaria o encerramento de milhares de empresas, sobretudo fora dos grandes centros urbanos, e colocaria em risco milhares de postos de trabalho.”
A AHRESP considera essencial manter a taxa de 13% e reintroduzi-la também nas bebidas alcoólicas e refrigerantes, pela importância estratégica da gastronomia e vinhos para o turismo nacional.
Integração dos trabalhadores estrangeiros
Para a AHRESP, a integração de trabalhadores estrangeiros deve ser entendida como “prioridade estratégica de longo prazo”. “O turismo depende muito destes profissionais estrangeiros — sem eles, seria impossível dar resposta às necessidades de uma atividade que continua a crescer e que tem lidado com a escassez estrutural de trabalhadores”, refere Ana Jacinto.
No entender da associação, as medidas passam por habitação digna e acessível, formação em língua portuguesa e processos de regularização mais céleres.
“A atual instabilidade e incerteza em torno do enquadramento legal, com uma Lei de Estrangeiros travada pelo Tribunal Constitucional, representa um dos maiores obstáculos à integração e à atração e fixação de talento. Num país que se pensa, sem grandes certezas, estar a acolher entre 1,5 e 1,7 milhões de imigrantes, esta instabilidade gera insegurança nas empresas e nos trabalhadores”, alerta a dirigente.
Combate à sazonalidade e aposta em novos mercados
Para reduzir os efeitos da sazonalidade, a associação defende o regresso de programas culturais como o “Algarve 365”, eventos gastronómicos e campanhas de promoção que diversifiquem fluxos turísticos ao longo do ano.
“A sazonalidade é uma fragilidade intrínseca a toda a atividade turística, particularmente em destinos turísticos de praia e em regiões de baixa densidade”, aponta.
Entre as prioridades para o OE2026 estão ainda programas de apoio com componente a fundo perdido que ajudem micro e pequenas empresas a investir em eficiência energética, práticas circulares e combate ao desperdício, bem como linhas específicas de apoio à transformação digital, adaptadas à realidade das empresas do Canal HORECA.
Em suma, a Secretária-Geral da AHRESP resume: “Habitação acessível, salários valorizados e empresas capitalizadas. Se o OE2026 alinhar estes três pilares, ganham os trabalhadores, ganham as empresas e ganha Portugal.”