Porque o prometido é devido, venho então melhor explicar porque, caso tivesse o poder de legislar sobre o turismo em Portugal (não se preocupem, isso nunca irá acontecer), iria prioritariamente intervir na regulação, ao nível nacional, das Taxas Turísticas.
Esta minha intenção foi publicada em Abril, num divertimento proposto pela Tnews para celebrar os seus 4 anos de existência. Escrevi então que era necessário intervir porque as Taxas Turísticas têm sido criadas, fixadas e geridas pelos diferentes municípios sem rei nem roque, isto é, sem qualquer harmonização e justificação quanto às diferenças relativas aos sujeitos passivos (quem paga), quanto, quando e a que fim se destinam estas taxas municipais.
E mais disse que o tema tem importância crescente porque tem havido um apetite crescente das Câmaras Municipais em criá-las, dando exemplos concretos (mas ainda assim aquém da realidade nacional. Tão portuguesa que dói).
Sendo assim, sumarizo e fundamento agora a minha proposta. Antes, porém, deixem que dê nota de que esta é uma opinião estritamente pessoal e que se trata de um exercício sem pretensões, posto que está longe de mim ter quaisquer pretensões a ser especialista em direito fiscal! E que referencie aqui 3 nomes de referência que se têm manifestado contra as Taxas Turísticas (há muitos outros, claro, mas aqui deixo estes, pela sua relevância). Sem esquecer que, longe vai o tempo em que o então Ministro da Economia, num congresso da AHP em Braga nos idos de 2014, se manifestou, contra “taxas e taxinhas”, a propósito da então recém-criada (e por pouco tempo única) taxa turística em Lisboa.
Estão abertamente contra este tributo o Presidente da CM de Aveiro, Ribau Esteves, e a Secretária Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas dos Açores, Berta Cabral. E um dos pais da Constituição da República Portuguesa, eminente professor de direito e constitucionalista, Vital Moreira (este, por razões de Direito, defendendo que a taxa turística, não é taxa, não é turística e é inconstitucional. Note-se, porém, que dificilmente se encontrarão académicos e/ou práticos do Direito que defendam a constitucionalidade deste tributo. Eu não conheço nenhum).
E deixo também um desabafo. Esta é, tudo o indica, uma causa perdida. As taxas vão continuar a proliferar, sem qualquer regulação legal centralizada, posto que são populares, fáceis e dão milhões. E eu, que não sou de desistir, mas já dei muito à causa, confesso-me já saturada dela.
Posto isto:
Não é necessário criar lei específica para regular esta matéria. Na verdade, a Lei n.º 73/2013, de 3/9, “Lei das Finanças Locais”, entre outras matérias define os termos e condições do exercício pelas autarquias locais do exercício do seu poder tributário, estabelecendo no seu artigo 20º que os municípios podem criar taxas, de acordo com o disposto no “Regime geral das taxas das autarquias locais”. Define também quais os princípios a que a sua criação está subordinada.
Não vos vou maçar com as especificidades jurídicas desta temática, apenas considero que poderia ser neste último diploma – Lei n.º 53-E/2006, de 29/12- que seriam previstas as taxas turísticas, consagrando-se os termos e condições em que os municípios as poderiam criar e definidos os fins a que as mesmas se destinam. Isto, precisamente para garantir que a sua criação e regime seriam harmonizados em todo o território nacional. De resto esta mesma lei, no artigo 3º determina que “as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (…)”.
Dito isto, no diploma seria então introduzido o capítulo “Taxas Turísticas” e ai estabelecidos os 7 princípios que se seguem:
- Apenas poderão criar taxas turísticas os Municípios que demonstrem clara e inequivocamente que o Turismo gera uma pressão excessiva sobre as suas infraestruturas urbanas e por isso uma de três: (i) pretendam desincentivá-lo, ou (ii) se vêm compelidos a reforçar as infraestruturas e serviços prestados aos visitantes e sobretudo aos residentes, ou (iii) pretendam alocar as receitas provenientes deste tributo a criar, melhorar, reabilitar ou manter património e equipamentos culturais, experiências de gestão de fluxos turísticos pela bilhética, digitalização, alargamentos de horários de visitação, renovação de exposições, fazendo investimentos que aproveitam a toda a comunidade ;
- Porque se há pressão ela não vem apenas dos hóspedes que pernoitam, mas também dos visitantes passantes, os municípios serão obrigados a estabelecer um modelo de repartição da carga tributária e não apenas uma taxa de dormida (tipo o que se passa hoje com os cruzeiristas, ou com o que Sevilha quer criar);
- As taxas turísticas serão tendencialmente uniformes em todo o território nacional, isto é o montante, a idade do sujeito passivo, o número de noites (na modalidade taxa de dormida), as isenções e diferenciação (Ex residentes em Portugal vs não residentes; doentes e acompanhantes; situações académicas; visitas ou estadas oferecidas). Estas situações seriam fixadas legalmente e, apenas e só quanto ao montante, os municípios que demonstrassem que a sua carga turística está para lá do valor calculado em razão de uma fórmula prevista na lei poderiam fixar diferente valor (não pensem que isto seria impossível ou uma bizarria! Hoje existem várias fórmulas para calcular a capacidade de carga e a intensidade de uso de um destino ou cidade);
- A cobrança e entrega da taxa às câmaras municipais pelos operadores económicos será sempre remunerada;
- O produto das taxas turísticas é consignado a um Fundo e não pode servir para quaisquer despesas dos Municípios, mas apenas para as que se enumerarão na Lei, em razão do determinado na alínea a);
- O Fundo é gerido profissionalmente e tem um órgão de acompanhamento a quem cabe aprovar as despesas e onde participam os operadores turísticos cobradores;
- Qualquer aumento ao montante das taxas deve, além de fundamentado, obedecer aos princípios da necessidade e proporcionalidade.
Naturalmente, a pretender intervir-se neste tema- como disse, não creio que haja vontade política nesse sentido- haveria ainda que fazer estudos e ensaios para garantir a justiça e equidade do sistema.
Já vai bem longo este exercício, mas eu estava vinculada ao cumprimento da promessa. E assim deixo também público testemunho. Na verdade, apenas para memória futura, porque nada me parece que vá mudar, nos tempos que correm.
Por Cristina Siza Vieira
É Vice-Presidente Executiva da Associação da Hotelaria de Portugal e uma das vozes mais influentes no setor turístico nacional. Todas as primeiras sextas-feiras de cada mês, Cristina Siza Vieira assina a coluna de opinião ‘Casual Friday’, trazendo a sua visão sobre os principais temas do setor do turismo e da hotelaria