A hotelaria em Portugal está a entrar num “efeito de planalto”, com níveis de ocupação idênticos aos de 2022, mas com preços que continuam a subir, avança o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal. Em entrevista, Bernardo Trindade defende que está a chegar o momento do Estado redistribuir melhor o excedente orçamental, aliviando a carga fiscal das famílias e das empresas. No rescaldo da aprovação do pacote “Mais Habitação”, Bernardo Trindade comenta as medidas para o Alojamento Local.
Estamos em pleno verão, já é possível estimar que este ano os números vão superar os valores de 2022?
Os dados compilados até maio indicam que estamos com ocupações e preços melhores do que estávamos em 2022. Mas já estamos a assistir, no verão, um bocadinho ao efeito planalto. No fundo, estamos com níveis de ocupação sensivelmente idênticos aos de 2022, com preços médios melhores. Isto configura um aumento da receita via preço. Isso é bom, porque tivemos, depois da Covid-19, a guerra na Ucrânia e uma inflação generalizada da cadeia de produção do setor hoteleiro. Pudemos passar ao cliente o efeito do aumento de custos que tivemos na nossa cadeia. Portanto, diria que o verão de 2023 será de consolidação relativamente ao que tivemos em 2022, não tanto de ocupação – que se manterá ao mesmo nível – , mas com uma melhoria do preço e, mais importante, é a crescente presença do turismo e da hotelaria na criação de valor na economia portuguesa. Isso é obviamente muito significativo. Em 2022, estivemos entre os três países que mais cresceram na União Europeia. Pensava-se que tal tendência não se repetiria em 2023, e o que está acontecer é que estamos a crescer acima disso e estamos com benefícios indiscutíveis, que são benefícios para a atividade turística, para o alimento de outros setores de atividade que dependem do setor do turismo, e benefícios para o Estado, que arrecada receita. Os números de maio mostram isso, uma situação de excedente orçamental. Está a chegar o momento do Governo passar a redistribuir melhor.
O que é que isso quer dizer?
Basicamente é olhar para famílias e empresas e, de alguma maneira, pensar em desonerar a sua carga fiscal, designadamente com baixas de IRC e IRS. Estando o Estado numa situação excedentária, pode redistribuir melhor e aliviar a carga fiscal sobre famílias e empresas. O World Travel & Tourism Council (WTTC) veio dizer, recentemente, algo muito relevante para os próximos anos: a economia portuguesa vai continuar a crescer com uma impressão digital chamada turismo. Pensar que 23% do nosso PIB em 2033 será direta e indiretamente relacionado com o nosso setor, ou que uma em cada quatro pessoas será empregue no setor do turismo, configura bem a importância que este setor tem.
“Estando o Estado numa situação excedentária, pode redistribuir melhor e aliviar a carga fiscal sobre famílias e empresas”
No ano passado, o pico do verão foi marcado por situações de caos nos aeroportos. Teme que este ano se repita a mesma situação?
Sendo o aeroporto da Portela a primeira e mais importante porta de entrada dos estrangeiros em Portugal, como é evidente uma má experiência tem como consequência uma primeira péssima impressão do nosso país. Por isso, temos estado muito atuantes neste domínio. Percebemos a ação do Governo, nomeadamente do Ministério da Administração Interna com o reforço de meios no aeroporto, designadamente o conjunto de agentes do SEF para dar celeridade ao processo de entrada e saída no país, a reorganização que o próprio concessionário promoveu no sentido de dar um melhor serviço. Mas mantemos os problemas estruturais. Aquele aeroporto está esgotado, quando digo que está esgotado, não há slots disponíveis para as faixas de horários mais requeridas pelas companhias aéreas, em função da localização de Portugal. Ou seja, refiro-me aos horários do início da manhã e do início da tarde. Porque obviamente se quisermos dizer que há slots às quatro da tarde, não rejeito essa opção, mas é a mesma coisa que servir jantares às quatro da tarde no hotel. Podemos chamar jantares e há disponibilidade, mas na verdade estamos a desconversar. De facto, é essencial olhar para esta primeira experiência em Portugal, porque ela é crítica. Há um interesse crescente das companhias aéreas, há um interesse crescente à escala global por Portugal e é fundamental dotar a nossa principal infraestrutura de condições, que hoje tem muitas dificuldades em responder e entregar um serviço aceitável.
Pacote “Mais Habitação”
Que leitura faz das medidas aplicadas ao alojamento local, no pacote “Mais Habitação”, e que são vistas pelos empresários como muito penalizadoras para a atividade?
Começo por uma questão de princípio, o alojamento local foi criado em 2008 quando eu era secretário de Estado do Turismo. Portanto, não rejeito de certa forma alguma paternidade. Foi criado para tratar um determinado tipo de alojamento e ainda bem que foi criado, hoje temos ofertas de alojamento de grande qualidade. A AHP tem associados que têm alojamento local. Não temos nenhuma posição contrária à sobrevivência da atividade. Nada disso. Tivemos aliás oportunidade de ir à Assembleia da República falar sobre isso e transmitir a nossa posição de princípio de defesa do alojamento local, no quadro da sua importância, que resulta de termos um alojamento diversificado para um acréscimo de procura.
Julgo que é um erro arquitetar a política de habitação começando pela questão do alojamento local. O Estado deve dar o primeiro exemplo, nomeadamente na questão da quantidade de imóveis públicos que estão abandonados e que podiam ter um uso diferente do que têm, nomeadamente sendo afetos à habitação. Não defendemos a diabolização do alojamento local. É uma forma alternativa de alojamento para turistas, nomeadamente num tempo em que Portugal é muito procurado. Se tivéssemos, por absurdo, só hotelaria, não tínhamos capacidade de acolher as pessoas. Portanto, o Estado devia começar por outras matérias. Aquilo que defendemos é que o alojamento local coletivo (hostels, apartamentos com serviços e guesthouses) deve, indiscutivelmente, migrar para os empreendimentos turísticos, com regras claras, e muito compatíveis com uma oferta de qualidade.
“Se tivéssemos, por absurdo, só hotelaria, não tínhamos capacidade de acolher as pessoas”
Não teme que se diabolize também a hotelaria?
A presença crescente do turismo na nossa economia vai ser uma realidade nos próximos anos. O que sinto é que esta atividade económica tem a capacidade de se ligar a um conjunto vasto de outros setores de atividade. Sendo um homem de mercado, também acredito na regulação, a regulação deve fazer-se, devem definir-se opções. Se fizermos uma volta pelo país e perguntarmos aos presidentes de câmara qual o seu quadro de prioridades, encontra em todos eles o turismo. Aquilo que devemos fazer sempre, como associação atuante, é procurar ir acompanhando toda esta evolução, propondo medidas, exortando o Governo à dita regulação, para no fundo poder em cada momento fazer a avaliação dos prós e contras. Há uma presença nossa – do setor do turismo – que é inquestionável hoje e nos próximos anos.
No pacote “Mais Habitação”, a AHP propôs a criação de um apoio aos trabalhadores deslocados para habitação, propondo que o valor seja isento de impostos e contribuições para a Segurança Social, como sucede com o subsídio de refeição. O que é que essa medida poderia trazer para minimizar o problema dos recursos humanos?
Perdemos 45 mil ativos durante a pandemia, e segundo números da Segurança Social já teremos recuperado grande parte desses ativos. Só que o que acontece é que a atividade continuou. Hoje temos mais hotéis, mais restaurantes, animação turística, mais atividade e essa atividade exige mão de obra intensiva presencial. Como é evidente, temos de encontrar alternativas e isso está a acontecer. Mas elas têm de ser obviamente apoiadas também pelo programa de apoio à habitação. O que estamos a requerer é tratar a habitação como se trata a alimentação. No fundo, não fazendo incidir nem IRS, nem Segurança Social, sobre este apoio.
Esta medida não foi acolhida pelo Governo.
Vamos insistir, já na preparação para o Orçamento de Estado, porque entendemos que é um apoio importante.
O problema da falta de recursos humanos no setor agravou-se?
Do ponto de vista de grandes números, diria que há uma recuperação muito significativa, os protocolos com os PALOP’s e outros, designadamente países asiáticos, trouxeram pessoas para o nosso país, minimizando a necessidade de recursos humanos, mas defendemos que esta integração deve ser plena. O Estado não deve só procurar responder a estas necessidades com um processo simplificado de acesso a Portugal, como também deve olhar para as questões da habitação. Daí falarmos deste incentivo. Por outro lado, a existência de integração plena das pessoas. Portugal tem um histórico de país de acolhimento, é importante que continue a fazer este percurso.
Como vê esta mudança de ciclo no Turismo de Portugal, com uma nova administração?
O turismo e as suas instituições têm nos habituado a que haja uma grande preocupação de continuidade com o que de bom se fez no passado, e não cortes radicais. Olho para o Turismo de Portugal e para a sua nova equipa e é uma equipa de continuidade. Todos nós nos habituámos a ter um Turismo de Portugal forte, presente, que procura responder a um conjunto de necessidades. Do ponto de vista da AHP, defendemos que não se abandone as coisas boas que se fizeram em prol do turismo, que se dê continuidade a esse trabalho, que se mantenha este ambiente de diálogo permanente com as associações no sentido de, em conjunto, pensarmos, atuarmos e concretizarmos medidas de apoio ao setor.
Considera que deve haver alguma mudança na forma como os órgãos públicos do turismo estão organizados?
Na representação regional do turismo, acho que podíamos pensar na fusão destas realidades (entidades regionais e agências regionais), porque está em causa a promoção de cada um destes destinos e esta promoção tem tanta atualidade, quer no domínio do turismo interno, quer no domínio daqueles que nos visitam vindos do estrangeiro. De alguma maneira a sua atividade se cruza, e exatamente neste quadro de reconhecimento deste cruzamento podemos de alguma maneira fundir e concentrar mais.
Qual é o seu grau de confiança na atividade turística para o próximo ano?
Julgo que estamos no efeito planalto. No fundo, estamos a consolidar a ocupação e a melhorar o preço, ainda bem que o fazemos, porque tivemos o efeito da guerra, que contaminou a nossa exploração hoteleira. É importante perceber que, apesar das perspetivas internacionais apontarem para um crescimento da atividade turística em Portugal, o país não é indiferente à realidade geopolítica, e a realidade geopolítica hoje ainda é muito incerta. Enquanto não tivermos alicerces sólidos, relativamente aquilo que acontece nomeadamente com a guerra na Ucrânia e com as suas implicações, nomeadamente a forma como estão alinhados os interesses à escala global, devemos olhar sempre com muita prudência para a evolução desta atividade. Não quero fazer grandes vaticínios e previsões, porque estamos a viver um ambiente internacional incerto.