O ano de 2023 foi “bom” para a EC Travel, mas não de “excelência”. A DMC faturou 34,4 milhões e enfrentou uma quebra de receita durante os meses de verão, especialmente no Algarve. Eliseu Correia explica em entrevista, os motivos por trás desse declínio temporário. Além disso, são abordadas as estratégias de promoção adotadas pelo destino Algarve. A entrevista também explora os valores fundamentais que orientam a EC Travel, o seu compromisso com causas sociais e as perspectivas para o futuro, revelando a dedicação contínua da empresa em fornecer serviços de excelência.
Qual foi o balanço do ano de 2023 para a EC Travel e quais foram os grandes marcos da empresa no ano passado?
2023 foi um bom ano. Contudo, não foi um ano de excelência para a EC Travel, como duvido que tenha sido para muita gente. Faturamos 34,4 milhões de euros e tivemos uma quebra de receita de dois milhões, sendo que 90% desta quebra aconteceu entre julho e agosto, onde tivemos preços completamente fora do mercado na hotelaria, especialmente no Algarve. As primeiras três semanas de julho foram um desastre, em que praticamente o Algarve estava deserto. A nível de resultado para a EC, foi um bom ano. Repito, não foi um ano de excelência porque tivemos esse percalço, mas para a empresa significou cimentar a recuperação que iniciamos a seguir à pandemia, sendo que 2022 foi um ano extraordinário, e 2023 só não foi igual ou superior porque houve um aumento de preços.
A que se deve esse aumento de preços?
Acredito que o aumento de preços foi impulsionado pelo deslumbramento. Venderam-nos a ideia de que as pessoas não vieram para o Algarve porque não tinham dinheiro, quando na verdade não vieram devido aos preços que estavam completamente fora dos mercados de proximidade. Houve um fluxo para destinos concorrentes como Espanha, Benidorme, que afastou o mercado das despedidas de solteiro, e compensaram esse negócio com o novo mercado português que viajou em força para o destino.
“Estamos em abril e a Grécia já anunciou que tem o maior crescimento de sempre do mercado alemão, enquanto nós temos 0,8% de quota de mercado alemão”
O que esperam em 2024? Como está a correr o ano?
Sabemos que os dados e as informações deste setor mudam constantemente. A instabilidade em alguns mercados concorrentes poderá favorecer o nosso destino, devido à segurança. Mas não vejo nenhuma estratégia e com uma perspetiva a dois, três anos, ao contrário do que se passa na Grécia. Estamos em abril e a Grécia já anunciou que tem o maior crescimento de sempre do mercado alemão, enquanto nós temos 0,8% de quota de mercado alemão. Em 2024, tudo depende de como esta insegurança relativa aos conflitos entre a Ucrânia e Rússia e em Gaza vão desenvolver-se. Obviamente, que tudo isto irá influenciar a temporada de verão.
“A boa notícia é que agora há uma maior contenção de preços para os meses de julho e agosto, ou seja, houve uma pequena aprendizagem relativamente ao que correu mal em 2023”
À data de hoje, comparativamente com 2023, como estão as reservas?
A boa notícia é que agora há uma maior contenção de preços para os meses de julho e agosto, ou seja, houve uma pequena aprendizagem relativamente ao que correu mal em 2023. A má notícia é que, repito, os outros destinos são muito mais “agressivos” que nós, a forma como se comunica também não ajuda. Foi o caso da Páscoa; algumas entidades foram para a comunicação social dizer que a Páscoa Algarvia estava ao barrote, com três a quatro semanas de antecedência; hoje toda a gente sabe que a nossa Páscoa foi um desastre. Respondendo à questão, sentimos que, neste momento, o mercado não está a reagir e, apesar de haver esta contenção de preço, sinto que países como a Grécia e a Espanha estão a ter mais reservas antecipadas que Portugal, porque “foram ao pote” muito mais cedo. Além disso, enfrentamos dois desafios importantes este ano: o Campeonato Europeu de Futebol, na Alemanha, e os Jogos Olímpicos, em França. Apesar destas competições já serem habituais, encontro aqui um novo fator negativo. Os turistas europeus vinham na mesma porque tinham mau tempo nos seus países. Infelizmente para nós, isso já não é verdade. Ou seja, outro fator a considerar é a mudança no clima dos principais mercados emissores, como Inglaterra, Alemanha e Holanda, que desfrutaram de períodos de bom tempo no ano passado. Isso pode reduzir a procura por destinos que tradicionalmente eram escolhidos devido ao clima mais ameno. Aliando isso ao fato das suas respetivas seleções estarem envolvidas no Europeu de Futebol ou os seus atletas envolvidos nos Jogos Olímpicos, pode haver uma contração natural.
Que resposta deveria haver da parte de quem tem responsabilidade sobre a promoção do destino Algarve?
Gostava de sentir que há um plano e que há uma estratégia. Por exemplo, em termos gerais, qual foi a última campanha que os portugueses viram do Algarve para o mercado nacional? Qual foi a última grande campanha que fizemos na Inglaterra, na Alemanha ou na Holanda com visibilidade e impacto? Havendo tanta incerteza económica e política, é natural que qualquer destino turístico redobre a sua promoção e isso não está a acontecer na região.
Em 2023, a EC Travel apostou em novos mercados?
Mantivemos a nossa estratégia focada nos mercados essenciais para o crescimento da empresa. Optamos por não dispersar recursos em iniciativas que não tenham sido previamente avaliadas quanto ao seu potencial de sucesso e retorno, ou só porque hoje em dia está na moda dizer que estamos a diversificar. Por exemplo, ao analisar a quota de mercado que possuímos na Alemanha ou no Reino Unido, percebemos que um aumento de 0,5% ou 1% nesses mercados equivale a alcançar todo um conjunto de países como a Eslovénia, Eslováquia e Checa, especialmente considerando que muitos desses mercados só operam sazonalmente.
Embora reconheçamos a importância de explorar novas oportunidades, continuamos focados nos mercados alemão, holandês, inglês, irlandês e espanhol. Além disso, desde o surgimento da pandemia, adotámos uma abordagem mais proativa em relação ao mercado nacional. Hoje, a contribuição do mercado nacional para nossa faturação é substancialmente maior do que em 2020, representando aproximadamente 10% do total.
“Não considero errado diversificar seja para onde for, desde que haja uma análise do custo-benefício em comparação com o investimento noutros mercados”
Consideras errado o Algarve querer diversificar-se para outros mercados, como os EUA?
Não considero errado diversificar seja para onde for, desde que haja uma análise do custo-benefício em comparação com o investimento noutros mercados. No entanto, é fundamental que haja transparência e comunicação adequada entre as partes envolvidas. Por exemplo, se havia uma rota estabelecida e ela foi cancelada, seria de se esperar que os responsáveis regionais fossem informados diretamente pela companhia aérea, em vez de descobrir através da imprensa.
E se é verdade que a rota para Faro estava a ser altamente bem sucedida, ainda menos me faz sentido abdicarem de algo que funciona bem e cancelarem, especialmente se os motivos alegados forem relacionados à segurança. A companhia aérea ainda continua a operar normalmente. Isso levanta questões sobre a lógica por trás da decisão e sugere possíveis incongruências. Não tenho nada contra a diversificação, cada um com a sua estratégia.
“se é verdade que a rota para Faro estava a ser altamente bem sucedida, ainda menos me faz sentido abdicarem de algo que funciona bem e cancelarem”
A EC Travel chegou a ter planos para apostar no mercado dos EUA?
Não, para agirmos temos de perceber exatamente em que moldes é que as coisas acontecem, e já estou numa fase de ver para crer. Infelizmente, não me enganei. É importante interpretar estatísticas sobre o mercado americano no Algarve. Embora as informações veiculadas na comunicação social possam sugerir uma presença significativa de turistas americanos, é essencial quantificar precisamente o valor desse mercado para a região. Pessoalmente, não os vejo em lado nenhum, onde eles estão, eu cá não sei.
A EC Travel vai apresentar alguma novidade em 2024?
Em 2024, vamos ter uma parceria com a GIATA, a empresa com maior base de dados de mapeamento de hotéis do mundo. Sempre acreditei em parcerias, e esta será uma mais-valia que ofereceremos aos nossos parceiros, que mais nenhuma outra DMC consegue oferecer, ou seja, isto representa um fator de diferenciação para a empresa e é uma forma também de estreitar laços e criar uma maior ligação com os nossos parceiros.
Qual é a filosofia e os valores fundamentais que orientam a EC Travel?
Os alicerces são os mesmos que me fizeram criar esta empresa. Continuamos com o máximo de proximidade, transparência e honestidade com os nossos parceiros, tanto a quem compramos, como a quem vendemos, ou seja, desde os nossos fornecedores aos nossos clientes, tentando sempre aumentar a velocidade das nossas respostas. Isto faz com que tenhamos o reconhecimento de sermos um parceiro válido, honesto, transparente e financeiramente estável. Ao fim destes anos todos, os alicerces e a filosofia da empresa continuam os mesmos.
Como é que equilibra o sucesso empresarial da EC Travel com o compromisso de apoiar causas sociais?
Quando abri a empresa, fiz um acordo com Deus, na altura prometi que se isto corresse bem, ajudaria em proporção os outros. Temos esta parceria que mantenho até hoje e espero manter durante muitas décadas. Se há coisa que me orgulha e me deixa feliz é ter condições para apoiar tanta gente. Damos destaque a algumas causas também para ampliar o impacto solidário. Posso dizer que muitas empresas viram o que a EC Travel faz e sentiram-se inspiradas.
Como DMC, quais são os grandes desafios que enfrentam?
O espaço que nós ocupamos é cada vez mais difícil de ocupar. Aquilo que se esperava, pós-covid, era que houvesse uma melhoria do espírito de entre-ajuda e parceria que não se vê na sociedade, e também não vemos no negócio. Cada vez mais, sentimos que há uma série de colegas que consideram que o mercado direto é o que interessa e que os intermediários não são necessários, e muitos deles já admitiram que o objetivo é acabar com os parceiros. Para nós, isso é uma situação complicada, depois de termos passado anos a fio a ajudar os parceiros. É uma questão de ética, felizmente não é uma política geral. O grande desafio das DMC’s é continuar a demonstrar aos seus clientes e aos seus parceiros que fazem falta e que são uma mais-valia e julgo que vão existir sempre DMC’s, assim como agências retalhistas, porque tudo dependerá da capacidade de se reinventar e criar soluções para continuarem a fazer parte dessa cadeia.
“Podia ter autocarros, rent-a-car, mas nunca me interessou nada disso, sempre quis que a empresa e as pessoas que cá trabalham estivessem focadas numa única coisa: no melhor serviço e no melhor preço”
Por onde passa o futuro da EC Travel?
O nosso futuro passa por continuarmos a ser fiéis a nós próprios em termos de conduta, porque é isso que nos distingue. Continuarmos a prestar um serviço de excelência, não só aos nossos parceiros, mas também aos nossos clientes. Estarmos atentos às mudanças do mercado, que são diárias. E tentar procurar novas oportunidades. O que eu não quero é ter uma empresa desfocada. Podia ter autocarros, rent-a-car, mas nunca me interessou nada disso, sempre quis que a empresa e as pessoas que cá trabalham estivessem focadas numa única coisa: no melhor serviço e no melhor preço. O futuro passa pelos mesmos princípios que fizeram surgir a EC Travel, mas sempre numa forma diferenciada em termos de comunicação.