Sexta-feira, Abril 18, 2025
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Guias sobreviverão à pandemia? Sim, e talvez ainda mais fortes

Embora os guias intérpretes estejam entre as categorias de profissionais do Turismo mais dizimadas durante a pandemia, podem emergir entre os mais fortes após a crise, escreveu o site Skift, no artigo “The Strong Comeback Case for Hard-Hit Tourist Guides”, publicado em março. Entre as várias mensagens do artigo, estava esta: “Para os guias intérpretes que conseguiram manter-se a trabalhar, e que conseguiram compreender as novas tendências e aprimorar a tecnologia, a hora de brilhar está próxima, quando as viagens retomarem. Infelizmente, esse é um grupo menor”.

Para este artigo, o Skift falou com associações internacionais e receptivos que dão emprego a vários intérpretes. É o caso da Diethelm Travel Group Tailândia, um receptivo da Ásia, cujo CEO, Stephan Roemer, confirmou à publicação que as dificuldades para os guias foram severas em todos os países. Os freelancers, em particular, foram forçados a procurar empregos alternativos, mas em alguns países não havia empregos nem medidas governamentais, disse Roemer.

Em Portugal, onde o crescimento do turismo nos últimos anos criou emprego entre as várias classes do setor, nomeadamente entre os guias, o cenário que trouxe a pandemia não foi diferente. Isabel Correia manteve a profissão de guia intérprete na empresa da qual é proprietária, a Lisbon Your Way, mas o volume de trabalho foi residual. Conseguiu realizar algumas visitas em setembro e outubro do ano passado, mas sabe que é uma exceção: “Embora não possua números exatos, posso dizer que muitos guias estão a trabalhar noutras áreas, como atendimento ao cliente e revisão de conteúdos, tirando partido das suas competências linguísticas e alguns estão inclusive na área da formação ligada ao Turismo. A maioria, no entanto, não está a trabalhar de todo”. Sem praticamente turismo, as contas da atividade dos guias intérpretes são fáceis de fazer, mas difíceis de assimilar: “Os guias que conseguiram trabalhar em 2020 tiveram uma quebra de 85%-90% dos seus rendimentos, mas a maioria dos profissionais teve uma quebra total dos seus rendimentos e não chegou sequer a trabalhar”, acrescenta.

Os apoios do Estado, além de insuficientes para compensar a quebra da atividade, não chegaram da mesma forma a todos os guias: “Os apoios dados pelo Estado à classe foram muito díspares, consoante se tratasse de um guia trabalhador independente ou empresário. Sei de alguns colegas, com empresa criada que, embora tenham a sua situação fiscal regularizada, não conseguiram qualquer apoio através do programa apoiar.pt. Relativamente aos trabalhadores independentes, o apoio mensal variou entre os 200€ e os 600€ no máximo. Claramente insuficientes”, considera Isabel Correia, para quem a atividade só deverá retomar de “de forma consistente” a partir da primavera de 2022. “Os turistas regressarão e continuarão a querer visitar os locais de interesse com guia habilitado que lhes mostre e lhes transmita as tradições, a história e a cultura de cada local. Talvez em grupos mais pequenos ou apenas em família. Essa era já uma tendência do mercado, embora fosse ainda um nicho a explorar”, considera.

Isabel Correia é guia intérprete e proprietária da Lisbon Your Way

Enquanto os turistas estrangeiros não chegam em força, podiam ser criadas medidas para retomar a atividade dos guias intérpretes: “Poderia ser criada uma bolsa de guias certificados que pudessem ser requisitados para guiar grupos de turistas nacionais em cidades, vilas, museus e monumentos do nosso país. Há que promover o turismo interno, com uma forte vertente cultural, e tirar partido das qualificações e conhecimentos destes profissionais. A diminuição ou isenção temporária do IVA sobre os nossos serviços, para turistas nacionais, seria muito importante e benéfica para o consumidor. E se os guias estiverem a trabalhar menos apoios do Estado necessitarão”.

Viagens organizadas com guias


Em 2001, Ângelo Grilo foi convidado pela Nortravel para assumir a operação do Itália Clássica na função de guia. Hoje em dia acumula também a colaboração com o departamento de programação do operador turístico na elaboração e reestruturação de produtos.
Nos mais de 35 anos que já leva de profissão, assistiu a diversas crises. Contrariamente à crise de 2010, que afetou todos por igual, “desta vez há uma franja da sociedade que manteve o poder de compra e esses estão ansiosos por viajar”, afirma. Mas será que vão optar por circuitos com guias? “Haverá certamente uma retração da faturação em toda a indústria de lazer, mas viajar passou a fazer parte do modus vivendi da nossa civilização. E se muitos vão querer apenas descansar num resort de praia, ou esquiar na estância habitual, outros terão vontade de descobrir as tradições dos Incas, entrar nos templos faraónicos, vaguear pelas ruas de uma qualquer cidade Europeia, ou cruzar-se com uma manada de elefantes no Botswana. Tudo diferentes formas de cultura; e quem melhor que um guia sabe aproximar culturas, adaptando-se ao seu público?”, refere Ângelo Grilo.

Ângelo Grilo é guia da Nortravel desde 2001

“O turismo organizado em grupo integra na sua génese a vontade de conhecer outros povos, o seu comportamento, formas de cozinhar, de cumprimentar, de conduzir, os cheiros, sons e tantas coisas mais. Tudo com riscos controlados, e um programa previamente definido, gerido por um guia que faz a ponte, interpretando o que vê, logo, tornando-o legível aos olhos de quem o acompanha”, considera. Por outro lado, “é uma evidência que o interesse por um circuito com guia aumenta à medida que se sobe na pirâmide etária, quando o tempo disponível e a capacidade financeira estabilizada por uma vida de trabalho, permitem a descoberta de outros mundos. É esse cliente que mais procura o que eu chamo a regra dos 3 C’s: Conforto, Confiança e Controlo sobre o produto. Esses três fatores só são possíveis numa viagem gerida passo a passo no terreno, pela figura do guia como garantia de que as regras sanitárias em vigor serão implementadas e seguidas”.

Moscovo, Rússia

Se é verdade que a pandemia e os confinamentos criaram uma invasão da tecnologia nas nossas vidas, através do acesso a conteúdos virtuais a partir de casa, incluindo visitas a museus, Ângelo Grilo considera que não é isso que fará com que as pessoas deixem de viajar e visitar os locais . “São sem dúvida uma forma interessante de distracção. Mas viajar, em bom rigor não é isso, pois uma visita virtual é a antítese do verdadeiro conceito de viagem. Podem servir para preparar, recolher informação útil para a viagem, fazer sonhar, ou até recordar, mas não mais que isso. Servem para ‘’o antes e o depois’’ mas não para ‘’o durante’’. As aplicações informáticas são extremamente úteis para dar autonomia a quem constrói um roteiro, e podem ajudar em algumas situações da viagem, mas nenhuma app resolve o problema de termos de caminhar com malas no meio de obras urbanas para chegar ao hotel que escolhemos, ou da piroga com problemas no meio do Amazonas, ou como conseguir ultrapassar a proibição de entrada de calções na catedral ortodoxa de Moscovo”.

Concluindo, “nada mas absolutamente nada, substitui a mistura de reflexos sensoriais em que a visão, audição, olfacto, tacto e sabor permitem criar a imagem cognitiva de um pôr-do-sol num safari africano, de uma esplanada andaluza rodeada de laranjeiras e jasmim em flor, ou de um passeio de riquexó numa cidade do Rajastão. Só isso permite posteriormente a evocação espontânea na memória de cada um…que dá ‘’aquela saudade’’ de viajar de novo”, considera. 

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