Quarta-feira, Fevereiro 19, 2025
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Há história no Palácio Estoril Hotel, Golf & Wellness | Por Jorge Mangorrinha


O mais nobre lugar de segredos

Por Jorge Mangorrinha

Junto às águas atlânticas e com outras terapêuticas emergentes no território, a que se associa um bom clima, a zona do Estoril já apresentava condições de veraneio excelentes mesmo antes da reforma promovida na segunda década do século XX. Os empresários Fausto Figueiredo e Augusto Carreira de Sousa adquiriram a Quinta do Viana, em 1913, e projetaram um “resort” internacional, com padrões de elegância europeus (mar, clima, nascentes termais e área verde). No folheto-álbum do empreendimento, apresenta-se um complexo cenográfico e eclético de equipamentos organizados em torno de uma zona ajardinada central, com casino, estabelecimento termal, hotéis, galerias comerciais, estabelecimento de banhos de mar, palácio desportivo, campos de golfe, de ténis, de croquet, de cricket e de futebol e, ainda, para corridas de cavalos. O Estoril correspondeu a um ato urbanístico para a construção de um centro turístico internacional, que foi a primeira grande experiência portuguesa de uma estância integral de turismo. A sua história conta com uma longa lista de hóspedes e convidados ilustres, incluindo chefes de Estado, imperadores, reis, príncipes, escritores, campeões desportivos, cineastas, atores e músicos.

Inicio a escrita no Bar Estoril. Este é o local onde o piloto e espião francês Antoine de Saint-Exupéry começou “O Principezinho” e o escritor britânico Ian Fleming escreveu a saga de “James Bond” e a novela inspirada no Estoril intitulada “Casino Royale”. O primeiro esteve em hospedado em 1940 e o segundo no ano seguinte, de acordo com os respetivos boletins de inscrição.

Nesta estada, coube-me a suíte executiva número 312, onde o presidente francês François Mitterrand se hospedou, daí a placa dourada na porta de entrada com o seu nome. Sobre a mesa da sala de estar desta suíte, um cartão dá as boas-vindas em cinco idiomas prevê o clima na região de Lisboa/Estoril (céu pouco nublado e temperatura entre os 18º e os 12º).

A rececionista Carolina Gonçalves mostrou o primeiro sorriso deste hotel e o “concierge” Diogo Vieira acompanhou-me desde a receção, com uma simpatia marcante. Aliás, este foi o mesmo gesto com que fui obsequiado no jantar de cortesia, numa sala que é distinta pela ambiência de luz suave e cores em preto, branco, castanho, beije e laranja. O “chef” Hugo Silva convida-nos a “uma viagem pelos sabores da gastronomia local e internacional, dando sempre especial destaque à sazonalidade e à origem dos alimentos”, lê-se no cardápio. Na mesa 11, passaram as iguarias da noite, regadas por um tinto Meandro do Douro, sugerido por Ricardo Santos, o prestimoso chefe de sala do Restaurante-Grill Four Seasons. O repasto foi o seguinte: ostras, com clamato, rábano preto e perfume de Sichuan; “Bife Palácio”, com mil folhas de batata confitada em banha, katsuobushi de pata negra, espuma de ovo estrelado e jus de bife à portuguesa; e, para finalizar, bolo de pera, com gel de gengibre e pera, granizado de amêndoa amarga e crocante de gengibre.

Os pormenores desta unidade hoteleira são dignos de nota, como a escolha da Molton Brown para a coleção de cosméticos disponibilizados nos quartos, elevando a qualidade da oferta, pelos mestres da melhor experiência de banho, digno de uma atmosfera palaciana. Não foi por acaso, certamente, que eles eram os preferidos da rainha Elizabeth II de Inglaterra.

Este foi o primeiro hotel a designar-se como “Palácio” e não “Palace”, desenhado ao estilo francês da modernidade do início do século XX, pelo autor do plano do Estoril, o urbanista e arquiteto paisagista Henri Martinet, sendo o plano continuado pelo condutor de obras públicas e projetista português, nascido em Paris, António Rodrigues da Silva Júnior, durante um período de grande instabilidade política e económica, marcado pela rotatividade dos governos republicanos e pelo eclodir da Grande Guerra.

Sonhava-se trazer de Biarritz a clientela chique através do Sud-Express. A iniciativa de cariz privado para concretizar a “estação marítima, climatérica, termal e desportiva” não conseguiu, porém, o apoio pretendido do recém-criado Conselho Nacional de Turismo. As diversas providências legislativas publicadas pela administração portuguesa para a concessão de incentivos à construção e ampliação de hotéis (Decreto n.º 1121, de 28 de novembro de 1914), não puderam ser aproveitadas em toda a sua potencialidade, por retração de investimento.

Mais tarde do que o previsto, o Estoril tornar-se-ia na estância da moda. Já depois da I República alcançou maior projeção com a regulamentação das Zonas de Jogo, em 1927, e a integração do complexo turístico numa operação mais vasta de valorização da capital e sua região, através do Plano de Urbanização da Costa do Sol, elaborado, entre 1933 e 1936, pelo arquiteto-urbanista francês Alfred Agache e retomado, em 1948, por Etiènne de Gröer, arquiteto-urbanista de origem polaco-russa, professor no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris. Oliveira Salazar assinaria a legislação (Lei n.º 1909, de 22 de maio de 1935) que delimitou a região da Costa do Sol, criando o Gabinete do Plano de Urbanização da Costa do Sol e dividindo a região em zonas especialmente destinadas a habitações, instalações comerciais e industriais, explorações agrícolas, parques, matas, campos de jogos desportivos e outros fins que se determinasse. O Estoril afirmava-se como unidade turística. A ligação internacional era assegurada, além da via marítima, pelo comboio eletrificado, que permitia, via Sud-Express até Paris, as relações com o centro da Europa.

O Hotel Palácio do Estoril constitui o núcleo inicial do complexo do Parque do Estoril. Nasceu por iniciativa da Sociedade Estoril-Plage, mas ficou inacabado por não se ter construído a torre Norte, situação que se manteve até à atualidade. Em 30 de agosto de 1930, foi inaugurado já sob o traço do arquiteto francês Raoul Jourde, que adaptou os projetos de Martinet e de Silva Júnior, contando com a participação de Fitté, decorador francês. Raoul Jourde trazia experiência de outros projetos turísticos, como o novo Grand-Hôtel e a ampliação do Hotel Westminster, ambos em Touquet-Paris-Plage, o novo Casino de Dieppe, o Hôtel Océanic de Saint-Georges-de-Didonne e o Hotel Eden-Roc de Cap-d’Antibes na Riviera.

No mesmo ano da inauguração do Hotel Palácio, o príncipe Takamatsu, irmão do Imperador Hirohito do Japão, fez a sua lua de mel, iniciando o vasto leque de personalidades famosas que se alojaram. Não foi por acaso que, em 1943, esta unidade hoteleira passou para a categoria de Luxo. Foi nessa categoria que recebeu Lucien Donnat, o cenógrafo e figurinista francês contratado para imprimir uma revolução decorativa nos ambientes interiores, tal como se observa na imagem anexa capturada pelo estúdio do fotógrafo Mário Novais. Nesse cenário, em mutação, recebeu o momento mais alto da vida social, a 12 de fevereiro de 1955, quando foi escolhido para servir o banquete de casamento do príncipe Alexandre da Jugoslávia e da princesa Maria Pia de Saboia, filha do rei Humberto de Itália, exilado em Cascais: 2500 convidados, um enxoval com 16 malas e baús e 150 criados para servirem 400 lagostas, 50 faisões, 15 mil bolos e um bolo de noiva com 150 quilos e dois metros.

No ano seguinte, a Lei n.º 2082, de 4 de junho de 1956, previu o auxílio à iniciativa privada, com vista à expansão das suas atividades e instalações turísticas. Um projeto da autoria dos arquitetos Henrique Figueiredo, Alberto Cruz e José Mantero permitiu fazer obras de remodelação, que dotaram a unidade de um quinto andar e de uma nova ala, construída de raiz, com cozinha e sala de refeições. A 8 de julho de 1964, alcançou o reconhecimento oficial da sua “utilidade turística”, quando dois anos antes já atingira a categoria de Luxo A. Na época, era o único grande hotel de luxo da Costa do Sol, embora acompanhado de perto pelo Hotel Estoril-Sol (1965). Conjuntamente com o Hotel Ritz de Lisboa (1959), passou a ser um dos dois únicos grandes hotéis de luxo da zona da capital e seus arredores. Em 1967, foi pedida a extensão de “utilidade turística” para as obras de ampliação do hotel e de construção de uma piscina, com projeto assinado pelo arquiteto Fernando A. Casaca, o que foi aceite. Em 1970, o hotel foi reclassificado para hotel de 5 estrelas. Em 1972, foi aprovado o projeto de ampliação para acesso às salas de reuniões localizadas no anexo Norte, da autoria do arquiteto Alberto Cruz. Em 1974, foi confirmada a extensão de declaração de “utilidade pública”, dada, anteriormente, a título prévio (1967).

O edifício desenvolve-se em comprimento e apresenta dois corpos salientes a sul e ao centro. Evidentes são as suas características horizontais, acentuadas pela demarcação do piso térreo com uma sucessão de vãos de volta perfeita e pelas janelas de sacada com varandas em ferro forjado. A ampliação efetuada nos anos 60 alterou-lhe a silhueta original, mas não o carácter glamoroso e neoclássico, sendo construída uma nova ala perpendicular ao corpo do edifício, rematando em U o espaço do jardim e da piscina. O acesso ficou a fazer-se pelo arruamento particular a nascente. Em 1999, foi declarado de Relevante Valor Arquitetónico, justificado “em razão da sua antiguidade, traça e dos materiais utilizados”, bem como por traduzir “significativamente a arquitetura de lazer do início do século”, por ser “uma manifestação singular de um projeto global de urbanismo, absolutamente pioneiro em Portugal, de grande qualidade” e por ter “elementos decorativos, de relevante valor estético e artístico através das coleções que dispõe e de decoração requintada que profissionais de grande prestígio souberam criar para este espaço”. Em simultâneo, foi declarado de Relevante Valor Histórico-Cultural, por ser “testemunho de importantes eventos históricos, culturais e sociais de que aliás foi parte integrante”, assim como “um símbolo de arte de bem receber, projetando o nome do Estoril e de Portugal além-fronteiras.”

O hotel oferece todo o conforto e as comodidades modernas de um 5 estrelas de luxo, preservando o encanto do passado. Atravessou momentos conturbados no mundo e em Portugal. Chamou as “Europas” e as “Américas” para desfrutarem da “Biarritz Portuguesa” na “Riviera Portuguesa”.

Como referido, durante a Segunda Guerra Mundial e devido à suposta neutralidade de Portugal, algumas famílias reais exilaram-se em Cascais e Estoril, transformando a imagem da região. Este hotel foi a casa escolhida para a estada de membros da realeza europeia e a segunda casa das famílias reais espanhola, italiana, francesa, búlgara e romena, pelo que a zona foi apelidada de “Costa dos Reis”. Em homenagem a estes hóspedes nobres, foi criada, em fevereiro de 2011, a Galeria Real, onde é possível apreciar as grandes personalidades da realeza europeia. Neste hotel de sonho, também se hospedaram políticos e artistas, imortalizados na Galeria do Fundador, com fotos antigas. Muitos destes nomes constam de uma lista extensa que me foi fornecida, simpaticamente, pelo “concierge” Marco Ramos.

As várias histórias de intriga e espionagem inspiraram famosos romancistas e cineastas. O hotel atraiu espiões britânicos, alemães e franceses, que frequentavam o Bar Estoril, e todo esse ambiente contribuiu para que Ian Fleming se tivesse inspirado para a criação de James Bond, o espião da ficção cinematográfica mais famoso. Uma parte do filme “007 – Ao Serviço de Sua Majestade” foi rodada no hotel, em 1968, por Peter R. Hunter. Protagonizado por George Lazenby, James Bond usou o atual quarto 520 e recebeu as chaves das mãos do então jovem “concierge” José Diogo Vieira, que ainda colabora com esta unidade hoteleira, sendo pai de Diogo Vieira.

Lazenby foi o primeiro ator da série a dizer a frase: “O meu nome é Bond, James Bond”. Nos filmes anteriores, Sean Connery apenas havia dito: “Bond, James Bond”. Antes do seu falecimento, Fleming admitiu que o seu personagem James Bond fora criado à imagem de Dušan “Duško” Popov, reconhecido como o mais extraordinário agente duplo da II Guerra Mundial. Sempre que Popov tinha um problema ou uma dúvida na sua vida, ligava para o seu tio Milivoj Popov para pedir conselhos. De acordo com a lista telefónica de 1934 para o território de Belgrado, na página 154, consta o número de Milivoj Popov. O telefone é 26-007. É mais do que óbvio que Ian Fleming fez história com o número 007 para seu herói. No ano de 1941 em que Fleming esteve, comprovadamente, no Hotel Palácio, também Popov se alojou, ainda jugoslavo, repetindo a estada em 1946, desta vez com passaporte britânico.

A este hotel, as visitas privadas ou de Estado, os festivais e as grandes conferências têm propiciado uma vasta lista de hóspedes ilustres, que se misturam nos salões e corredores com todos os outros utentes. Ele é mundialmente conhecido como um dos mais emblemáticos hotéis europeus. Além da qualidade da sua estrutura, uma grande parte do seu sucesso é garantida pelo profissionalismo, pela simpatia e pela atenção de quem nele trabalha, realidade que se estende ao Spa Banyan Tree Estoril, com pessoal de sorriso aberto e tratamentos exclusivos e inspirados em várias culturas asiáticas.

O Palácio Estoril Hotel, Golf & Wellness é, absolutamente, o “endereço de prestígio em Portugal”, tal como lemos no pequeno folheto que acompanha a chave. A chave de um sonho que se tornou realidade.

2. Fausto de Figueiredo
3. Boletim de Alojamento - Saint-Exupéry
4. Boletim de Alojamemto - Ian Fleming

*Jorge Mangorrinha é pós-doutorado em Turismo, doutorado em Urbanismo, mestre em História Regional e Local (especialização em Património) e licenciado em Arquitetura. Autor multifacetado recebeu o Prémio José de Figueiredo 2010 da Academia Nacional de Belas-Artes. Com experiência no planeamento turístico, em Portugal e no estrangeiro, exerceu, também, como gestor técnico na Parque Expo’98 e como presidente da Comissão Nacional do Centenário do Turismo em Portugal (1911-2011). Colabora com o TNews, tendo sido o autor da rubrica “A Biblioteca de Jorge Mangorrinha”, a que se segue “Há História no Hotel” durante 12 crónicas.

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