Domingo, Novembro 16, 2025
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Entrevista: “Não acredito em destinos que sejam apenas bons para visitar”

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Em entrevista ao TNews, Carlos Abade, presidente do Turismo de Portugal, reflete sobre os principais desafios e prioridades do setor num momento em que o país consolida a recuperação e projeta o futuro com a Estratégia 2035. O responsável sublinha que o turismo deve continuar a crescer em valor e de forma sustentável, reforçando o seu papel como motor de coesão económica e social. A estratégia, diz, passa por promover um crescimento inteligente, equilibrado em todo o território e centrado na valorização dos profissionais do setor.

Nesta primeira parte da entrevista, Carlos Abade aborda temas que impactam diretamente a perceção do país enquanto destino turístico, desde a gestão dos incêndios e a recuperação dos territórios afetados, à pressão turística nas grandes cidades e à necessidade de evolução das infraestruturas e da mobilidade.

Leia a 2.ª parte da entrevista a Carlos Abade — Expansão da rede de Escolas para a CPLP: “Esperamos que aconteça ainda em 2025”

Assumiu o cargo em 2023 e, recentemente, foi novamente nomeado no contexto da CreSap. Como avalia estes dois anos à frente do Turismo de Portugal? Quais os principais desafios e conquistas neste período?

É um mandato que ocorre numa altura de crescimento do setor do turismo, mas também numa altura em que o setor começava já a dar sinais muito expressivos de recuperação face aos dados de 2019. Houve uma preocupação grande em começar a preparar o futuro do setor, percebendo que o forte crescimento registado desde 2019, e a rápida recuperação pós-pandemia, originaram a necessidade de evoluirmos e de percebermos qual o melhor caminho que o turismo deve seguir neste processo de crescimento para o futuro.

Portanto, é sobretudo um mandato virado para desafios diferentes daqueles que tínhamos em 2016 e 2017, quando, aliás, foi lançada a Estratégia 2027. É um mandato, no fundo, de preparação do futuro do setor do turismo, tendo presente a responsabilidade de um setor que representa 12% do PIB nacional e que tem um papel muito importante, nomeadamente do ponto de vista da coesão económica do país.

Há também uma preocupação grande em afirmar que o setor do turismo deve ser, no final do dia, um setor que procura constantemente contribuir para a prosperidade e o bem-estar das populações. Esse é o fim último e, portanto, o objetivo diário: que o turismo seja visto dessa perspetiva, como um ator principal — ou, pelo menos, um ator importante — no crescimento dos rendimentos dos portugueses e de quem vive em Portugal, e na melhoria do seu bem-estar.

Isso pressupõe, claro, crescimento económico, por um lado, e coesão económica, por outro — ou seja, o crescimento tem de ser para todos. E implica também uma preocupação em garantir que esse crescimento seja o mais inteligente e sustentável possível, o mais eficiente na utilização dos recursos necessários para o tornar realidade. Queremos ter um turismo que corresponda exatamente àquilo que ambicionamos.

Diria, portanto, que é um mandato muito focado no futuro, mas também em criar as condições para que o turismo possa ser, cada vez mais, uma ferramenta expressiva no contributo para o aumento do rendimento dos portugueses, de quem vive em Portugal e da melhoria do seu bem-estar.

Este verão foi marcado por incêndios significativos em várias regiões do país. Quais são as prioridades do Turismo de Portugal na recuperação do território afetado? De que forma estes incêndios impactam o turismo?

Antes de mais, estes incêndios têm de ser vistos, naturalmente, como uma tragédia para o país, mas não resultou numa degradação da imagem de Portugal, nem numa redução do fluxo de turismo para o país.

Do ponto de vista do fluxo turístico, podemos, de certa forma, afirmar isso. Mas, a verdade é que os incêndios se traduziram também em perdas significativas de recursos naturais e em prejuízos nos espaços e áreas afetadas, o que gerou a necessidade de aprovação de instrumentos de apoio financeiro pelo Governo, de modo a colmatar essas perdas e os impactos, nomeadamente as quebras de faturação durante aquele período.

Este é, naturalmente, um tema que nos preocupa, não só pela perda de recursos naturais em si, mas também porque o turismo vive do território. Sendo assim, fenómenos deste tipo acabam por impactar, no mínimo, os territórios afetados, tornando o turismo nessas áreas mais pobre.

Por outro lado, é importante ter em conta que o nível de competitividade do país depende também da capacidade de cuidar dos seus recursos naturais. Todos nós temos a responsabilidade de os proteger, de modo a que possamos aproveitá-los e garantir que a competitividade do turismo continue a ser uma realidade. Estes incêndios têm, justamente, a particularidade de poder colocar em causa essa dimensão.

O Governo, nesse contexto, aprovou três linhas de apoio financeiro para fazer face aos impactos nos territórios afetados e, além disso, implementou uma medida de suspensão dos reembolsos ao Turismo de Portugal por parte de empresas localizadas nos concelhos atingidos e que tivessem serviços de dívida com a instituição.

Essa medida já está implementada e beneficiou quase 900 empresas nesses concelhos, representando cerca de 1,7 milhões de euros que não serão cobrados durante seis meses. Isso permite que as empresas possam, nesse período, recuperar dos impactos causados pelos incêndios nos respetivos territórios.

Portanto, é uma preocupação evidente, enquanto cidadão, com a dimensão destes incêndios, e também do Turismo de Portugal relativamente à integridade dos nossos recursos naturais. Paralelamente, existe uma atuação forte no sentido de criar condições, nomeadamente através de instrumentos de apoio financeiro — incluindo a suspensão de reembolso — que permitem às empresas recuperar de facto nas áreas afetadas.

Incêndios: “Este é, naturalmente, um tema que nos preocupa, não só pela perda de recursos naturais em si, mas também porque o turismo vive do território. Sendo assim, fenómenos deste tipo acabam por impactar, no mínimo, os territórios afetados, tornando o turismo nessas áreas mais pobre”

Estes incêndios, que são recorrentes, não desencorajam o investimento privado no interior do país?

Não podem desencorajar, não podem desencorajar, porque o crescimento do setor do turismo far-se-á a três níveis. Um primeiro nível tem a ver com crescer ao longo de todo o ano; um segundo nível é crescer progredindo na cadeia de valor, permitindo que possamos ter ofertas de qualidade, cada vez mais estruturadas e sofisticadas, que vão ao encontro de mercados de maior valor acrescentado; e, obviamente, um turismo que se desenvolva ao longo de todo o território.

É claro que tudo o que possa acontecer no território, seja do lado negativo ou do lado positivo, impacta o grande objetivo do setor do turismo: crescer e gerar coesão económica e social no país. E isto não é apenas uma questão do turismo; é importante para o país que o setor possa ser um motor de transformação dos territórios e gerador de valor e riqueza. O que queremos é incrementar o rendimento das pessoas em todos os pontos do país.

Portanto, é por isso que este tipo de questões, que afetam a integridade dos nossos recursos naturais, nos preocupa particularmente. Queremos, inclusivamente, que a estratégia a lançar procure, na dimensão do território e na transformação dos territórios em lugares mais competitivos, contribuir para criar melhores condições de resiliência e eficácia face a fenómenos como este.

Isto para dizer o quê? Para dizer que estamos atentos ao tema, percebemos a importância de um território o mais resiliente possível relativamente a estes fenómenos. Os empresários, por isso, não devem desencorajar-se. Estamos aqui para os apoiar, criar as melhores condições para que desenvolvam as suas empresas, gerar emprego e estar ao lado deles nos momentos menos bons, como é o caso agora, apoiando todo o processo de recuperação.

O acidente no Elevador da Glória levantou questões sobre destinos sobrelotados e segurança. Como encara a pressão sobre os equipamentos e a qualidade de vida dos residentes nos destinos mais procurados?

O que temos de ter em atenção é que os territórios têm de ser dinâmicos, têm de evoluir e criar cada vez mais condições para aquilo que são as dinâmicas territoriais, seja de fluxos relacionados com o turismo, seja de outro tipo de dimensões. As cidades não são dimensões estáticas; elas devem evoluir.

Naturalmente, a cidade de Lisboa, por exemplo, hoje não é igual à cidade que era há 15 anos atrás. Felizmente, não é igual. Hoje, ela está muito mais capacitada e tem muito mais condições para receber pessoas do que tinha há 15 anos. Lembramo-nos bem do que era o espaço fruível da cidade de Lisboa nessa altura e, se compararmos com a cidade que temos hoje, vemos a diferença. Isso implica mexer nas infraestruturas, nos equipamentos, ter uma visão global da cidade e perceber que, do ponto de vista dos fluxos turísticos, uma cidade tem de dispersar ao máximo esses fluxos.

Significa que o desenvolvimento de determinados equipamentos turísticos deve obedecer a uma lógica de diversificação dentro da cidade e também a uma lógica de gestão urbana: gestão de fluxos, gestão de pressão, para que haja territórios cada vez mais sustentáveis.

Ou seja, a capacidade de carga dos territórios não é um dado fixo. Depende da nossa capacidade de fazer o que é necessário: evoluir o território, as cidades e as aldeias. Quanto melhores forem as condições — infraestruturas, mobilidade, diversidade e dispersão dos equipamentos, gestão urbana —, melhor capacidade terão de oferecer um bom serviço e uma boa experiência, tanto a quem visita como a quem vive e trabalha nos territórios.

Eu não acredito em destinos que sejam apenas bons para visitar. Destinos que sejam bons para visitar têm de ser bons para viver e para trabalhar. Nesse sentido, quando olhamos para uma cidade ou território, olhamos para criar condições em que quem vive lá viva com melhores condições, quem trabalha tenha melhores condições e, ao mesmo tempo, quem visita tenha as melhores condições.

Isso implica evolução, desenvolvimento e a capacidade de olhar para os territórios, encontrar soluções para uma gestão mais sustentável e mais inteligente dos mesmos.

A Câmara de Lisboa está a fazer essa boa gestão?

A gestão inteligente dos territórios é sempre um desafio e, muitas vezes, é um desafio diário. Tem temas, tem muitos temas associados. Hoje, já ouvimos quase todos os dias falar desses temas nos jornais, e eles têm evoluído. Vamos lá ver: comparemos a cidade de Lisboa ou a cidade do Porto com a Lisboa e o Porto de há 15 ou 20 anos. Não tem comparação.

O turismo foi, aliás, um elemento que contribuiu para que estas cidades, nomeadamente, recuperassem a autenticidade que tinham perdido durante anos a fio.

Agora, temos de ter consciência de que não podemos achar que os desafios estão ganhos. Os desafios relacionados com a sustentabilidade nos territórios são diários e exigem uma visão sobre os territórios, bem como a capacidade de intervir, melhorar as infraestruturas, os equipamentos e a gestão do território e dos seus fluxos, de modo a que, de facto, quer para quem vive, quer para quem trabalha, quer para quem visita, as experiências sejam positivas.

Este acontecimento desencadeou um alerta no Turismo de Portugal para o que pode estar em causa na gestão de equipamentos, sobretudo nas grandes cidades?

Aquilo que digo, e aquilo que já dizíamos antes do incidente, é que as cidades têm constantemente de se preparar para o futuro. Não podem achar que o que está feito está feito e que não é preciso fazer mais nada. Portanto, isto é o que Lisboa tem feito, mas é um desafio que tem de continuar para o futuro.

Tem que se investir ainda mais nas infraestruturas, ainda mais nos equipamentos e ainda mais na gestão, seja na cidade de Lisboa, seja na cidade do Porto, seja nas outras cidades. E claro que as exigências são diferentes em função da pressão que cada cidade enfrenta, mas isto é verdadeiro para todas as cidades.

“Tem que se investir ainda mais nas infraestruturas, ainda mais nos equipamentos e ainda mais na gestão, seja na cidade de Lisboa, seja na cidade do Porto, seja nas outras cidades”

Há outras dimensões, como a questão da limpeza da cidade, que também têm de ser analisadas e geridas?

Sim, tudo isso tem de ser analisado e gerido. Mas são todas questões que têm de ser geridas, encontrando as melhores soluções, porque as soluções existem. Não é algo impossível.

O que temos de fazer é, sobretudo, coordenar e gerir o território em parceria — com entidades públicas e privadas — para perceber as melhores soluções e verificar, inclusive do ponto de vista da mobilidade, o que podemos introduzir para que a fruição dos espaços seja cada vez melhor.

Os aeroportos têm registado filas e congestionamentos, afetando a experiência do turista. Há risco de Portugal perder competitividade como destino turístico devido a estas falhas logísticas?

Isto também é um foco não só para o turismo, mas para quem cá vive e para quem cá trabalha. Nós temos de ser cada vez melhores ao nível das infraestruturas que temos.

Claro que o tema dos aeroportos está dentro do tema das infraestruturas. Obviamente, ninguém gosta de ver — particularmente entidades com a responsabilidade que o Turismo de Portugal tem — as situações que se viveram nos aeroportos ainda muito recentemente.

É bom dar nota de que se tratou de uma situação em que foi necessário fazer alterações relativamente ao registo, inclusive por motivos de segurança. É algo que não é exclusivo de Portugal; é, de facto, uma questão a nível europeu. Mas, de facto, todas as imagens que vimos e toda a experiência vivida por muitos turistas que entraram em Lisboa levaram a que estejam a ser feitos investimentos, alterações, reforços e ajustamentos nos procedimentos, para que as situações sejam rapidamente regularizadas e possamos voltar a uma situação normal.

É isso que vai acontecer. É bom dar nota também de que todos os dias o Turismo de Portugal faz a promoção de Portugal ao nível internacional e, portanto, continua a comunicar a nossa enorme capacidade de hospitalidade e de abraçar quem visita o país.

Temos de ser coerentes e consequentes, e, ao nível das infraestruturas, as regiões têm de estar adequadas para que isso possa acontecer.

“não conseguimos progredir ao nível da cadeia de valor se não cuidarmos de todas as dimensões que impactam a experiência do turista, desde o momento em que aterra no aeroporto até ao momento em que volta para sair”

Como se consegue atrair turistas com maior poder de compra se a experiência não corresponde à sua expectativa?

É esse o trabalho que tem vindo a ser feito, muito nessa linha. É bom ver que o crescimento que tem acontecido tem, sobretudo, sido um crescimento mais em valor do que em número de dormidas. Ou seja, o crescimento em valor — nomeadamente ao nível das receitas turísticas que têm vindo para Portugal — tem sido superior ao crescimento das dormidas.

E isso é resultado de um trabalho desenvolvido pelas empresas, com o apoio das entidades públicas, nomeadamente pelo Turismo de Portugal, pelas entidades regionais de turismo e por todo o conjunto de entidades que atuam no setor, no sentido de criar um turismo cada vez mais adequado, preparado, sofisticado e de maior qualidade, que permita atrair mercados de cada vez maior valor acrescentado.

Essa abordagem tem, de facto, o reverso: os turistas tornam-se mais exigentes relativamente à preparação da oferta, à mobilidade, às infraestruturas e à qualidade dos equipamentos onde vão. Portanto, não conseguimos progredir ao nível da cadeia de valor se não cuidarmos de todas as dimensões que impactam a experiência do turista, desde o momento em que aterra no aeroporto até ao momento em que volta para sair. 

Nesse sentido, a conectividade aérea e as infraestruturas associadas são particularmente importantes. A propósito do tema das infraestruturas, olhar para o futuro implica também olhar para as infraestruturas ferroviárias. O tempo que se perdeu por não termos considerado a ferrovia como algo estratégico para o país foi, naturalmente, uma perda de competitividade.

Quando olhamos para a frente e percebemos os planos infraestruturais, o país estará bastante melhor quando esses investimentos forem realizados. Mas isto significa — como falámos há pouco — um desenvolvimento e evolução constantes ao nível das infraestruturas, neste caso, da mobilidade.

Se queremos um território coeso e pretendemos que o turismo contribua para essa coesão, levando fluxos turísticos e poder de compra a todos os lados do país, temos de melhorar a mobilidade dentro do território.

Investimentos infraestruturais, nomeadamente ao nível da ferrovia, são particularmente relevantes para esse efeito. Mas é preciso perceber que, quando não tomamos decisões no tempo devido, naturalmente perdemos competitividade. Felizmente, hoje temos um plano ferroviário avançado, bem como um plano condicionado aos aeroportos. Do ponto de vista infraestrutural, portanto, está-se a fazer o que tem de ser feito.

“O tempo que se perdeu por não termos considerado a ferrovia como algo estratégico para o país foi, naturalmente, uma perda de competitividade”

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