A Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em Carcavelos, recebeu esta segunda-feira, 3 de novembro, o segundo Action Tank sobre Liderança Feminina no Turismo e Hospitalidade. A iniciativa, promovida pelo Westmont Institute of Tourism and Hospitality, contou com o apoio do TNews e reuniu académicos, líderes e profissionais do setor, num espaço de reflexão e ação em torno da igualdade de género, da comunicação autêntica e de uma liderança mais consciente e sistémica.
O encontro abriu com intervenções de Jenny Hoobler, diretora académica do Leadership for Impact Knowledge Center da Nova SBE, e de Ricardo Zózimo, diretor académico da Scaling Systemic Impact Initiative, que revisitaram as conclusões do primeiro Action Tank e apresentaram os principais avanços da investigação científica em curso.

“Se consegues ver, consegues ser”: a importância da representatividade
Na sua intervenção, Jenny Hoobler destacou três temas centrais debatidos na primeira edição – a falta de modelos femininos, o poder do apoio masculino e o mito do trabalhador ideal –, reforçando a importância de compreender como estes fatores continuam a afetar o percurso profissional das mulheres.
“Um dos temas que discutimos bastante na última sessão foi a falta de modelos femininos neste setor e como isso afeta as pessoas. Provavelmente já ouviram a expressão “if you can see it, you can be it” (“se consegues ver, consegues ser” em português). E é provavelmente este o problema que enfrentamos neste setor: as pessoas não se veem representadas em cargos de liderança”, afirmou.
Explicou que, na investigação académica, a liderança é frequentemente descrita como “um equilíbrio delicado, ou até mesmo uma dança, entre autonomia e comunalidade”. A autonomia, disse, está associada à assertividade e à direção individual; a comunalidade, por sua vez, refere-se à capacidade de unir pessoas e criar ligações. “Tradicionalmente, associamos a autonomia aos homens e à liderança. A capacidade de partilha, mais associada às mulheres, não tem sido vista como uma característica de liderança”, afirmou, sublinhando a necessidade de, “num ambiente de trabalho moderno”, existirem “modelos que mostrem como as mulheres equilibram autonomia e partilha”.
“Quando as mulheres tentam agir como homens na liderança, isso não funciona. São vistas como demasiado agressivas. Confiar apenas em arquétipos de líderes masculinos não funciona. Precisamos de ver o que as mulheres estão a fazer para promover a eficácia e a perceção de uma boa liderança”, sublinhou.
Jenny Hoobler destacou ainda a importância dos homens como aliados nesta jornada. “Sabemos que as investigações são muito claras sobre o poder do apoio masculino. Precisamos de vocês como aliados. Precisamos de garantir que não vemos a procura da paridade de género na liderança como um jogo de soma zero; que se as mulheres ganharem, os homens perdem. Precisamos de pensar nisto como uma procura pelos melhor talento”, referiu a académica.
Por fim, abordou o chamado “mito do trabalhador ideal”, que assenta na ideia de “alguém total e exclusivamente dedicado à carreira”, explicou. “Querem trabalhadores sem vida familiar, sem passatempos, sem interesses fora do trabalho. Essa pessoa, na verdade, não existe e, se existir, está a caminho do burnout. Esta ideia de que, para se ser um bom trabalhador, é necessário estar 110% comprometido com a carreira é, na verdade, o oposto do que mostram os estudos. Pessoas interessantes, com múltiplas identidades, são extremamente valiosas para as organizações na criação de vantagem competitiva”.
Licenças de maternidade e justiça organizacional
Ricardo Zózimo, diretor académico da Scaling Systemic Impact Initiative, apresentou o projeto de investigação científica em curso sobre licenças de maternidade, sublinhando que “este desafio existe, mas ninguém sabe muito bem o que há de fazer com ele, porque é um problema complexo”.
“Se eu aumento a licença de maternidade para as mulheres no escritório, o que é que acontece à ideia de justiça dentro do escritório? Se eu não faço nada, as minhas trabalhadoras vão-se embora”, frisou, defendendo que qualquer mudança neste domínio tem impacto sistémico. “Quando aumento a licença de maternidade, estou a mexer no sistema da empresa. Não estou só a mexer naquelas pessoas que vão ser mães; estou a mexer em todo o sistema, estou a permitir que outras coisas sejam benefícios da empresa”.
O investigador explicou que o objetivo do estudo é identificar pontos de alavancagem dentro das organizações. “O nosso desafio é tornar uma coisa que é boa, com a qual claramente toda a gente concorda, numa linguagem que todos compreendam. Queremos descobrir quais são os leverage points, os pontos do sistema que eu tenho de mudar se quero realmente” fazer a diferença.

Desafios de comunicação: “não é o que dizemos, é a maneira como dizemos”
Seguiu-se a apresentação “Entre Palavras e Ações: Os Desafios da Comunicação”, por Laurinda Alves, autora, cronista e professora de Comunicação, Liderança e Ética. A oradora abordou a importância da comunicação autêntica como competência essencial de liderança, identificando “três grandes armadilhas” que comprometem a colaboração e a eficácia dentro das organizações.
“A primeira tem a ver com a questão do “não é o que dizemos, é a maneira como dizemos”. Se não tenho consciência da maneira como digo as coisas, o impacto não é o das palavras, é o do body language. O turismo é uma indústria de acolhimento, de fazer sentir em casa, mas, mesmo assim, muitas vezes as coisas não são ditas da forma certa”, disse.
Já a segunda armadilha, explicou, é a absolutização dos pontos de vista. “Temos tendência a achar que as pessoas que concordam connosco são inteligentes, e os outros não são tão bons”, algo que considera “perigoso para os sistemas colaborativos”. Laurinda Alves sublinhou que “as organizações são sistemas de colaboração e entrega” e, neste sentido, “quanto melhor colaborarmos, melhor entregamos e mais evoluímos”.
Por fim, alertou para a “distância crítica” e os julgamentos precipitados. “Somos máquinas de reagir e de julgar. Julgamos por aquilo que vemos e ouvimos, confiando nos nossos sentidos. O problema é que muitas vezes não vemos o contexto ou a história. Nas organizações e na nossa vida pessoal, passamos a vida a julgar à primeira impressão”, sublinhou a oradora.

Liderar de forma autêntica
Maria Gorjão Henriques, psicóloga, terapeuta e facilitadora de Consciência Sistémica, propôs uma reflexão sobre a autenticidade e a integração pessoal na liderança, com a palestra “Liderança Feminina: Reconciliação e Integração Sistémica”.
“A autenticidade e a pessoa que nós somos depende muito das personas, das máscaras que vamos vestindo. Tenho que ser mulher, mãe, filha, irmã, profissional. Quanto mais máscaras nós tivermos e as pusermos e tirarmos de forma saudável, mais autênticas podemos ser no lugar onde estamos”, começou por afirmar.
A psicóloga falou ainda das “dores antigas” que permanecem no inconsciente coletivo feminino. “Há máscaras que todos nós temos, que são comuns. Têm a ver com dores da nossa ancestralidade, injustiças, sentimentos de impossibilidade acumulados ao longo de séculos”.
“Hoje queremos compensar tudo aquilo que as mulheres antigamente não puderam fazer. A questão é: a partir de que lugar é que eu ocupo o lugar da empresa onde estou? É uma postura de realização ou de compensação? De provar e mostrar alguma coisa, ou de uma parte feminina que quer ser criativa e manifestar-se no mundo?”, acrescentou.
Neste contexto, sublinhou que liderar passa também por um exercício emocional. “Liderar é lidar com expectativas, emoções, traumas, dificuldades, alegrias, sonhos, vontades dos outros. Como é que eu, sendo um universo celular, vou lidar com outro universo celular à minha frente?”.
Maria Gorjão Henriques deixou um alerta sobre o desequilíbrio entre o “fazer” e o “ser”: “Quando nos perdemos de nós, começamos a sentir cansaço, burnout, ausência, tristeza, apatia porque já não estamos em contacto connosco. O plano do fazer tornou-se mais importante do que o plano do ser. E nós não estamos nesta vida para fazer, estamos nesta vida para ser”.
Próximos passos: da reflexão à ação
Após o primeiro Action Tank, realizado em maio de 2025, foi conduzido um questionário que identificou quatro prioridades: promover e divulgar investigação científica sobre liderança feminina; implementar um programa de mentoria mista em dois níveis, com diversidade a nível de género, idade e experiências; criar conteúdos educativos que apoiem a superação de obstáculos à ascensão de mulheres a posições de topo; e explorar o papel das políticas públicas para acelerar a transformação.
Durante esta sessão, foi ainda apresentado um plano claro para os próximos passos do grupo de trabalho:
- Após a sessão: partilha de questionário de feedback;
- Até ao final de novembro: apresentação dos resultados e definição dos próximos passos;
- Dezembro a janeiro: validação da jornada de mentoria e abertura de inscrições;
- Fevereiro: lançamento oficial do programa e início das sessões de mentoria.
Com estas metas, o Action Tank reafirma o seu propósito: unir investigação, prática e impacto real, rumo a um futuro em que a liderança feminina no turismo e hospitalidade seja não apenas reconhecida, mas também estruturante para o desenvolvimento do setor.






