Em entrevista ao TNews, Catarina Santos Cunha, vereadora do turismo da Câmara Municipal do Porto, partilha a estratégia da autarquia para o desenvolvimento turístico da cidade. Durante a conversa, abordou a importância da internacionalização e da dispersão dos fluxos turísticos, bem como de atrair mercados emissores de maior valor acrescentado. Relativamente às verbas da taxa turística, a vereadora defende que são essenciais para a manutenção do património do Porto.
Quais é que são as principais linhas da estratégia da Câmara do Porto para o desenvolvimento do turismo?
Este pelouro nasce independente em 2022, quando assumo estas funções com o intuito essencialmente de organização do território para a visita de internacionais. Falamos de uma cidade para visitar, para viver, para estudar, para investir e, portanto, a internacionalização também é isso tudo. Não é efetivamente a nossa preocupação a promoção turística e a captação de turismo que é feita habitualmente pelas entidades regionais e as agências, mas sim passarmos a estratégia da cidade que queremos que seja comunicada internacionalmente.
Em 2022, ainda em setembro, lançámos o plano para a sustentabilidade do destino Porto, onde analisamos, em função daquilo que era a cidade em si e daquilo que eram as tendências internacionais da procura em termos do turismo, como é queremos posicionar dada a nossa dimensão. Somos uma midsize city e queremos sê-la de referência. Sentimos uma grande pressão na zona do centro histórico e sabemos que o Porto tem muito mais para mostrar. Sentimos também que a promoção era muito feita à volta do centro histórico, da Ponte Luís I, da Baixa, dos Clérigos; portanto, estava muito concentrada naquela zona de território que, já não sendo uma cidade muito grande, ainda se torna mais pequena.
Além do constrangimento das obras, estávamos com uma situação relevante para gerir, para continuarmos a receber as pessoas que acima de tudo são absolutamente fundamentais para a economia da cidade. Sabemos que o turismo tem algumas disponibilidades negativas, mas para a nossa cidade e para o país têm sido de facto muito relevantes para a nossa economia. Portanto, temos essa preocupação de expressão, qualificação, dispersão de fluxos, de relevar e dar destaque aos ativos que caracterizam a nossa identidade como cidade.
Recentemente, apresentámos o Yours Truly, um mapa onde colocamos tudo o que estamos a fazer pela cidade. Chamamos-lhe de Yours Truly porque é algo que é aberto e transparente. Temos vários pontos, mas centralmente a dispersão dos fluxos e a qualificação da oferta, para que pudéssemos atrair mercados de maior valor acrescentado. Para isso também conta a conectividade aérea. Estamos a trabalhar claramente em tentar atrair outras companhias aéreas – já que a TAP, através do Porto, não é de facto a companhia que nos traz esses viajantes de longo curso. Estamos a trabalhar com outras companhias internacionais: Brasil, Estados Unidos, a SATA também e algumas dos Emirados Árabes, sendo que também tínhamos a Emirates programada para voltar a voar para o Porto este ano e não aconteceu. Mas estamos a falar com entidades relacionadas com o turismo nesse território para atrair outras como a Etihad e por aí fora.
Internacionalização
Referiu a importância da internacionalização. Como é que a autarquia está a posicionar o Porto no mercado turístico internacional?
Somos uma cidade absolutamente preocupada com a cultura, com o património, com tudo o que se faz aqui em termos culturais, desde o Rivoli, o cinema Batalha, a Feira do Livro do Porto, que cada vez tem crescido mais o número de visitantes. E depois aquilo a que chamamos a cultura imaterial; estamos a falar da nossa gastronomia, de posicionarmo-nos como a cidade de vinho, porque somos membros das Great Wine Capitals e reunimos duas regiões, o Douro e os Vinhos Verdes. Quando falamos de dispersão de fluxos, nós falamos de dispersar pelos outros municípios e território à volta do Porto, onde se encontra o mesmo nível de qualificação, e sem dúvida que o enoturismo hoje está com níveis de reputação internacional incríveis.
Toda esta ligação posiciona o Porto como uma cidade de cultura e também de turismo criativo, com o nosso Curated Porto, em que estamos a fazer um mapeamento dos artesãos da cidade. O nosso programa de lojas de tradição, que chamamos Porto de Tradição, é uma plataforma que ajuda que se mantenham nos seus locais habituais, damos apoio jurídico porque sabemos o problema de manter uma loja centenária e isso faz parte da identidade da nossa cidade.
Por isso, é uma cidade sofisticada, cosmopolita, identitária, acolhedora. Queremos que as pessoas que nos visitam venham com esse propósito, que partilhem este nosso espaço, esta nossa cidade, de uma forma responsável, integrada com os residentes na cidade. Tentamos cada vez mais integrar os residentes na cidade porque só com este tipo de diálogo é que nós conseguimos que o turismo prevaleça e seja sentido como benéfico para todos.
“Não é a nossa preocupação a promoção turística e a captação de turismo, mas passarmos a estratégia da cidade que queremos que seja comunicada internacionalmente”
E quais é que são as prioridades da vereação em termos da atração de novos mercados emissores de turistas?
Os Estados Unidos é o nosso segundo mercado na cidade, a seguir a Espanha. Muitos dos visitantes dos Estados Unidos já não vêm só para visitar; sabemos que há investidores, que há pessoas a fixar-se no Porto para viver. Encontramos a qualidade de vida como também um ativo muito interessante para quem nos visita de fora e que pretende ficar na cidade.
Sentimos a falta – que foi muito abandonado também pela TAP antes da pandemia – do mercado Brasil. Temos recebido algumas comitivas e estive recentemente em Belo Horizonte. Portanto, [relativamente ao] sul do Brasil, Santa Catarina, Belo Horizonte, estamos a tentar trabalhar com eles e com a Azul, estamos em negociações para conseguir que estas ligações retomem à cidade do Porto. Sabemos que a partida de Lisboa já acontece e sabemos que [os turistas] vêm na mesma, porque somos um país pequeno, mas estamos sim a promover-nos lá. Estivemos recentemente um festival em Tiradentes, o Festival Cultura e Gastronomia, a convite do Governo de Minas Gerais e do próprio festival, onde levámos chefes portugueses e restaurantes tradicionais, porque queremos passar a identidade da cidade.
O mesmo com os Emirados Árabes. Neste momento, só temos a Turkish Airlines que faz a ponte com o Oriente e com a Ásia, mas era importante termos uma ligação como a que tínhamos com o Dubai.
Estamos inseridos também num grupo criado pela CCDR-N para a conectividade aérea, para fazer essa gestão e atração, como existe em Espanha um organismo financiado pelo Estado para ajudar nessa atratividade e na promoção dos destinos. Passámos por dois governos, estamos no segundo governo e tivemos as coisas ligeiramente adiadas.
Apresentámos ao Sr. Ministro das Infraestruturas, na semana passada, e julgo que somos compreendidos. Precisamos de apoio porque não temos de facto o apoio da TAP. Não nos vamos lamentar mais, vamos olhar para uma solução e foi essa que encontrámos. Estamos juntos com o Turismo do Porto e Norte, com a Associação Comercial, com a Direção Regional. Portanto, estamos a trabalhar nesse sentido, porque são mercados que nos aportam mais valor, sem dúvida, e que nos aumentam a estadia média.
Regulação do alojamento
Em relação à hotelaria tradicional, qual é o papel desta no atual contexto turístico da cidade do Porto?
Esse foi um tema que hoje [dia 9 de setembro] foi falado na reunião de executivo, porque tivemos a discussão da abertura da consulta pública para o aumento da taxa turística. De facto, as pessoas não têm muito a noção de que os municípios não têm ainda muita autonomia na gestão do seu território. Em termos de alojamento local, o nosso regulamento teve de ser suspenso com o Mais Habitação e retornou a gestão para a administração central, por isso nós vamos retomar.
Relativamente aos hotéis que são criados na cidade, com o Simplex, podemos analisar e licenciar a obra em si consoante as características, mas não podemos dizer que naquele prédio não vai ser um hotel. Portanto, não temos qualquer responsabilidade no número de hotéis que abrem na cidade porque não passa por nós.
O mesmo sucede com o comércio. Falam das lojas de souvenirs que abrem por todo lado e nós também não podemos controlar, não temos instrumentos e não temos autonomia para isso. Há aqui muitos desafios e muitas questões que nos são atribuídas como erro do presidente da Câmara do Porto, que, de facto, o próprio não pode de alguma forma proibir a abertura desses negócios porque isso não nos compete a nós.
Na minha opinião mais pessoal em termos de pelouro, havendo aqui um regulamento de alojamento local, deveria havê-lo também para todas as outras áreas, como os hotéis, o comércio e os TVDEs. Estamos agora na parte da regulação dos [transportes] turísticos, para que possamos, de facto, manter a cidade ativa, confortável e sem termos a reclamação dos residentes porque ela não está regulada.
E existem planos para regular ou limitar o crescimento dos alojamentos locais?
Só temos em mãos ainda poder retomar o regulamento do alojamento local, que já tinha sido aprovado e tivemos de o retirar. Nesse regulamento, definimos zonas de contenção, em que evitamos que se construa algo de novo, mas onde a reabilitação será sempre bem-vinda. Se o proprietário do alojamento local quiser reabilitar um edifício, aí será concedido com mais facilidade a licença de alojamento. Se for o contrário, temos que avaliar e, portanto, dessa forma conseguiríamos que o alojamento local se dispersasse um pouco para outras áreas da cidade.
Esse era o nosso regulamento e esperamos voltar a tê-lo em mãos. Quanto ao resto, apenas fazemos uma pressão política e o presidente tem essa voz ativa, de passar ao governo central quais são as preocupações do município na área da gestão do território para a área do turismo também.
“Havendo um regulamento de alojamento local, deveria havê-lo também para todas as outras áreas, como os hotéis, o comércio e os TVDEs”
Ligado ao aumento do número de alojamentos locais, a massificação do turismo tem sido um tema muito debatido em várias cidades europeias. Como é que a Câmara do Porto vê este fenómeno?
Confesso que ainda não estamos preocupados. Há uma agenda internacional e uma pressão grande. Há cidades que realmente chegaram a extremos grandes. Estamos numa altura excelente para podermos trabalhar sobre isto, compreendendo os erros que aconteceram nos outros [países].
Já tive a oportunidade de participar ainda este ano num encontro da Organização Mundial do Turismo com várias cidades, em que cada um explicou quais as políticas que estavam a utilizar. Isto para mostrar que o Porto está constantemente atento a esta situação e como gerir para que o extremo não aconteça.
Está, de facto, a acontecer em algumas cidades. Julgo que no Porto ainda estamos de alguma forma numa fase tranquila, apesar das imensas obras a acontecer na cidade o que é um constrangimento muito grande. Quando as linhas de metro estiverem prontas, vamos ter uma cidade muito melhor porque a mobilidade é uma questão que também queremos passar para quem se movimenta nela. Temos o Porto Card, que tem tido um sucesso enorme e que inclui visitas e descontos a vários equipamentos e ativos turísticos, mas também inclui mobilidade. É dessa forma que queremos que os nossos visitantes se desloquem, de transportes públicos e a pé.
Essa era precisamente uma questão que lhe queria colocar. Como é que as infraestruturas do município e a mobilidade urbana estão a ser adaptadas para atender ao aumento do fluxo turístico?
Neste momento, estamos a trabalhar essencialmente nos transportes turísticos e na restrição do centro histórico. Foi criada uma zona, na qual queremos diminuir o número de tuk-tuks e de transportes turísticos, também de transportes turísticos de passageiros aos hotéis, e criar pontos de paragem para que a cidade flua.
Os transportes turísticos são licenciados pelo Turismo Portugal e nós podemos regular a sua circulação e estacionamento na cidade, mas depois esbarramos aqui em algumas questões. Falarei em breve com o presidente do Turismo Portugal sobre esta questão, porque sei que também Lisboa já está a falar com o Turismo de Portugal sobre estas licenças. É um momento de refletir e de envolver todos, porque, como as coisas foram crescendo de uma forma orgânica, o poder está muito disperso.
Relativamente à ocupação de espaço público, tivemos já duas consultas públicas para o regulamento dos animadores de rua. Tínhamos uma série de conflitos para gerir entre a quantidade de animadores que existiam, que perturbavam as pessoas que trabalhavam no comércio e, portanto, vamos regulá-los. Vão continuar a existir e são absolutamente fundamentais; gostamos de ver as ruas animadas, mas de uma forma ordeira sem criar conflitos com as pessoas que vivem e trabalham na cidade.
Taxa Turística
Passando para um outro tema que também é muito atual no turismo, qual é o uso dado às verbas da taxa turística do Porto?
Temos um património altamente qualificado – somos património da UNESCO – e somos obrigados a manter os equipamentos históricos e o património em ótimas condições. Imagine, com a pegada e o desgaste com as visitas que temos, a sobrecarga que temos aí, a sobrecarga que temos na limpeza. Temos uma série de usos para a taxa turística que foram crescendo e que, de facto, não podemos ter a mesma cidade se não tivermos a utilização dessa verba sempre disponível nesse sentido, para manter a sustentabilidade da cidade.
À semelhança de todas as outras cidades, a taxa turística é incorporada no nosso orçamento. É uma taxa que não pode ser consignada, mas sabemos que é utilizada no município com esse propósito.
“Essa é a nossa estratégia: é realmente manter e crescer em valor e não necessariamente em números, na massificação”
Tocou aqui brevemente na sustentabilidade. Como é que a autarquia está a trabalhar ativamente para promover um turismo mais sustentável no Porto?
O Porto tem um Pacto para o Clima até 2030 e, em conjunto com o pelouro do ambiente, trabalhamos também essa parte da circularidade e da sustentabilidade junto essencialmente dos hotéis e alojamentos turísticos.
O programa Confiança Porto é um programa que vai reconhecer os alojamentos
de qualidade, onde essa cláusula está perfeitamente clara. A utilização de produtos locais, a forma como reciclam os desperdícios, a forma como fazem algum tipo de circularidade são fatores muito relevantes para a pontuação desses alojamentos e, a partir daí, nós podemos então aplicar o selo de confiança do Porto, o Trust Porto.
Também criámos no ano passado o Manifesto do Turista, que é passar um bocadinho a responsabilidade para o lado dos turistas que nos visitam, ou seja, de forma a preservarem o que estão a visitar, tocando áreas como preservar, limpar, não estragar, não sujar, não fazer barulho, ter cuidado nos alojamentos onde estão alojados.
Há incentivos da autarquia para a criação de novos negócios ligados ao turismo?
Ainda não, mas estamos em conversações com alguns programas do Turismo Portugal, como o NEST, para ver se conseguimos criar também aqui a sua incubadora ligada aos negócios do turismo, mais para colmatar estas questões e também questões ligadas à inteligência artificial. Neste momento, quase que lhe posso garantir que não, a não ser que no Departamento de Economia e de Empreendedorismo já possam existir alguns negócios a surgir e apoiados pelo município.
Por exemplo, estaremos presentes novamente no Web Summit e abrimos uma call para empresas que queiram vir connosco da área da economia e do turismo. Portanto, é um apoio em termos de presença no evento, onde podem interagir com outros empreendedores e com outros investidores.
Impacto económico do turismo na cidade
De uma forma mais abrangente, qual é que é o impacto económico direto e indireto do turismo na economia local do Porto?
Em 2023, tivemos 434 milhões de euros em alojamento turístico, mas temos também os números que nos foram dados pela InvestPorto: sobre os consumos feitos através de cartões estrangeiros, estamos a falar em 650 milhões de euros. Imagine a importância que isto tem para uma cidade de 225 mil habitantes, com 42 quilómetros quadrados.
Isto aporta aqui um cosmopolismo à cidade extremamente relevante. É absolutamente fundamental regular o turismo, mas não podemos perder a importância que tem. As pessoas muitas vezes têm memória curta, mas na altura da covid percebemos a dificuldade que todos passaram. Não podemos pensar só nos alojamentos, mas na quantidade de empregos que gera, na quantidade de negócios que cria. Temos uma infinidade de negócios e atividades que estão à volta do turismo que fazem esta grande diferença.
Julgo que haverá com certeza ainda mais números aqui escondidos, porque estamos a falar de transações de consumo e de alojamento, e já vamos aqui perto dos mil milhões. Imagine se conseguíssemos rastrear todo o outro impacto económico que tem o turismo na cidade.
Por fim, quais é que são as suas expectativas para o futuro do turismo no Porto?
Se houver um trabalho constante de qualificação e um total diálogo com o turismo de Portugal e com os governantes que têm esta pasta da economia e do turismo – e neste momento temos uma excelente relação –, penso que todos estamos empenhados em manter esta atividade económica tão relevante para o país e para as cidades. O caminho será se calhar haver um ajuste, podemos perder em número, mas ganhar em valor. E essa é a nossa estratégia: manter e crescer em valor e não necessariamente em números, na massificação.