Domingo, Janeiro 19, 2025
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A retenção de talento na Hotelaria

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“Portugal enfrenta atualmente um dos maiores desafios para o seu crescimento sustentável: a retenção de recursos humanos qualificados”

O setor do turismo não é exceção e, ao atingir recordes de crescimento nos últimos anos, a escassez de mão-de-obra torna-se um entrave significativa para a continuidade do sucesso do setor.

Em 2023, o turismo teve um peso de 12,7% no PIB nacional e gerou 33,8 mil milhões de euros. Recebemos 30M de turistas (+13,3% vs 2022) e atingiu-se o valor recorde de 77,1M de dormidas, um aumento de 200% em relação a 2020 (dados INE e Turismo de Portugal). No entanto, esta rápida expansão não tem um crescimento equivalente na força de trabalho, o que evidencia a dificuldade de manter e desenvolver equipas qualificadas e motivadas.

A verdade é que o tema da dificuldade na retenção de talento na Hotelaria não é de agora. Desde 2017 que este desafio vem sendo apontado pelos vários players do setor e, em 2021, a Associação da Hotelaria de Portugal alertou para a falta de 15.000 colaboradores na Hotelaria. Em 2022, de acordo com dados da AHRESP relativos à Hotelaria e à Restauração, faltavam mais de 40.000 trabalhadores. Ana Jacinto, secretária-geral da Associação, revelou este ano que o valor aumentou ainda mais.

O porquê de tantos “check-outs”

O elevado turnover na Hotelaria tem diversas raízes, algumas delas bem profundas no setor. Já abordei este tema diversas vezes com gestores de Hotéis das mais variadas tipologias e a principal causa que apontam para a elevada rotatividade no setor é a falta de condições laborais atrativas: longas jornadas de trabalho, horários muito exigentes e pouco compatíveis com a vida pessoal, salários relativamente baixos, poucos ou nenhuns incentivos e uma ausência de perspetivas claras de progressão na carreira.

Relativamente aos salários, segundo dados do Turismo de Portugal, em 2023 a remuneração bruta média na área do alojamento foi de 1.240,33€, um valor 23% inferior ao da economia portuguesa (1.523€).

“A pandemia levou muitos trabalhadores a fazer “check-out” da Hotelaria, atraídos por outros setores que ofereciam maior estabilidade e segurança profissional”

De 2019 para 2021, o número médio de trabalhadores no setor da Hotelaria caiu cerca de 15% (fonte: Turismo de Portugal). Em 2022, esta métrica recuperou e ultrapassou os valores pré-pandemia, muito à conta de trabalhadores estrangeiros, atingindo depois em 2023 um valor 35% superior a 2017.

A sazonalidade do setor também é um fator preponderante para a dificuldade na contratação e retenção da força de trabalho, obrigando muitas vezes os hotéis a dispensar colaboradores ou a contratar apenas para os meses de época alta. Um problema sistémico do setor é recorrer constantemente a empresas de trabalho temporário, o que resolve o desafio no curto prazo, mas não é sustentável no longo prazo. Esta realidade é muito frequente em zonas do país onde o turismo se resume aos meses de verão pois, no resto do ano, muitos hotéis fecham a sua operação ou reduzem as suas equipas ao mínimo.

Por outro lado, há outro desafio que diz respeito à captação de talento para o setor da hotelaria. Nos últimos anos muitos alunos formados nas escolas de Hotelaria em Portugal estão a optar por trabalhar no estrangeiro, onde encontram remunerações muito superiores e mais possibilidades de progressão na carreira.

A título de exemplo, este ano o diretor da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril deu conta dos vários protocolos estabelecidos com hotéis fora de Portugal, nomeadamente na Grécia, no Dubai e nos EUA, que oferecem condições superiores às que há em Portugal e que são um chamariz para os alunos formados nesta área.

Na minha opinião, há duas questões que se impõem: como é que se consegue reduzir o elevado turnover na hotelaria? Como é que se consegue cativar os alunos formados nas escolas de hotelaria para trabalharem em Portugal, em vez de saírem para o estrangeiro?

Prolongar a “estadia”

Uma das soluções para resolver o desafio da retenção e captação de talento é o reconhecimento do desempenho dos funcionários através de prémios. Os prémios têm um impacto significativo na moral da equipa e, além disso, tenho observado que são também um ótimo estímulo ao aumento da produtividade e à procura pela excelência.

Um exemplo é a implementação de um programa de “colaborador do mês”, em que o esforço dos funcionários é publicamente reconhecido e recompensado, oferecendo benefícios noutros hotéis do grupo ou outro tipo de compensação. Sei que algumas cadeias de hotéis já implementaram esta medida, mas ainda é algo pouco generalizado no setor.

Outra forma de motivar os colaboradores e fidelizá-los é dar-lhes voz e fazê-los tomar parte ativa na melhoria do serviço. Tenho aplicado isto nos últimos anos e os resultados são fantásticos, tanto em termos de retenção de colaboradores como também de melhorias efetivas na qualidade do serviço prestado. Fazer com que os colaboradores tenham um papel ativo na melhoria do serviço é algo que valoriza a sua função e o seu conhecimento, fidelizando-os à empresa e aumentando o seu compromisso.

Uma solução diretamente relacionada com a sazonalidade da hotelaria é a implementação do banco de horas, que oferece maior flexibilidade aos colaboradores e uma compensação mais justa. Esta solução permite aos colaboradores transformar horas extra em dias de férias adicionais, o que lhes possibilita depois prolongarem o período de férias na época baixa. Para os hotéis isto também é uma vantagem pois alivia os custos com pessoal numa altura em que têm menos ocupação.

Ainda neste tema da flexibilidade, e tendo em conta a realidade de uma área que opera 24/7, uma boa forma de contornar a rigidez de horários e reduzir a burocracia é permitir aos colaboradores trocarem de turnos entre eles de forma autónoma. Atualmente, há já vários softwares que o permitem fazer de forma simples.

Outra solução passa pelas políticas de compensação e de benefícios. Não falo apenas da remuneração só por si, que é um fator muito relevante na retenção dos colaboradores, mas também prémios de produtividade e benefícios adicionais, como seguro de saúde, descontos em serviços parceiros ou soluções como a Paynest, que permitem o adiantamento salarial.

Por último, mas não menos importante: o investimento na formação e desenvolvimento profissional, através de um programa de gestão de talento. Muitos colaboradores veem o setor da hotelaria como uma solução temporária, sem perspetiva de crescimento a longo prazo. Oferecer planos para desenvolvimento de competências, tanto técnicas como de liderança, e criar oportunidades de progressão interna, pode transformar empregos de curta duração em carreiras de longo prazo.

Uma solução de braço dado

“Não é só aos gestores hoteleiros que compete encontrar soluções para este desafio. O Estado também deve dar o seu contributo para um setor que representa quase 13% do PIB nacional”

Dou um exemplo do que se fez em Espanha há cerca de três anos. Para mitigar o efeito da sazonalidade no setor da hotelaria e ajudar a combater a rotatividade, o Governo Espanhol implementou uma medida que envolve o pagamento dos salários dos trabalhadores durante os meses em que os hotéis estão fechados ou têm baixa ocupação. O Governo cobre até quatro meses de salário dos trabalhadores efetivos neste setor, com o objetivo de garantir uma maior estabilidade para a força de trabalho e incentivar as empresas a manter os seus quadros permanentes, mesmo quando o volume de negócios diminui.

O plano “Acelerar a Economia” apresentado pelo Governo Português em julho deste ano promete 2,5 milhões de euros para formar refugiados e migrantes no turismo. Ainda não há calendarização do programa nem explicação de como é que as verbas vão ser aplicadas, mas é certo que esta deve ser uma estratégia concertada entre a Hotelaria e o Estado. Não só é preciso dar condições para manter o talento, como também é necessário formar mais pessoas para este setor. Nisso, os imigrantes têm contribuído cada vez mais para suprimir as enormes necessidades de trabalhadores na Hotelaria.

Já é notório também o aumento de alunos estrangeiros nas escolas de hotelaria em Portugal, oriundos dos países da Lusofonia, mas também da Ásia. Segundo o Turismo de Portugal, no ano letivo 2023/24 houve um aumento de 52% face ao ano anterior nas inscrições de estudantes internacionais nas suas escolas e de 79% em relação há dois anos atrás. Ainda não foram publicados os dados deste ano letivo, mas seguramente serão superiores.

Neste momento, a Hotelaria e a Restauração já empregam 120 mil imigrantes e têm capacidade para receber mais, mas a burocracia na atribuição de vistos tem sido um impedimento. Estamos a falar de 120 mil trabalhadores que efetivamente são necessários nestes setores e sem os quais o problema da falta de mão-de-obra seria maior.

Enquanto escrevia este artigo, foi publicado um estudo do Observatório do Talento Migratório do Turismo da Porto Business School, que concluiu que 16% dos trabalhadores do Turismo são estrangeiros. Ainda assim, 38,5% das empresas do setor não implementa medidas formais de apoio à integração de migrantes. É fundamental criar-se medidas para melhorar a formação linguística e a qualificação profissional, bem como para prestar apoio administrativo às burocracias necessárias. É importante também melhorar o apoio à integração das famílias dos migrantes, com acesso a serviços de educação e saúde.

A retenção de talento no setor da hotelaria em Portugal é um desafio que exige uma abordagem holística. Cabe aos seus líderes adotarem práticas que tornem o setor mais atrativo para manter e captar trabalhadores. Cabe ao Governo tomar medidas que apoiem a formação e a integração de mais trabalhadores, mas também criar incentivos às empresas que promovam a estabilidade dos seus recursos humanos. Assim, cria-se uma força de trabalho estável, motivada e comprometida com a excelência do serviço ao cliente.

Por Rita Araújo, Co-founder e CEO da cleanup

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