Andreia Castro, fundadora da plataforma médica “Consulta do Viajante Online®” (CVO), revelou as motivações por trás da criação da plataforma numa entrevista ao TNews. Após um período de viagens pelo mundo entre 2017 e 2018, percebeu a necessidade de oferecer consultas personalizadas para viajantes de todas as idades e fases da vida, desde o planeamento até ao acompanhamento pós-viagem. Durante a conversa, Andreia Castro enfatizou o compromisso da CVO em combater a iliteracia em saúde, especialmente a percepção limitada de que a consulta do viajante se restringe apenas a vacinas.
Quando e porque é que fundou a plataforma médica “Consulta do Viajante Online®”? Houve alguma procura específica que levou a esta iniciativa?
A Consulta do Viajante Online® surgiu depois de um período de auto-descoberta, impulsionado por um ano de viagens pelo mundo que aconteceu entre 2017 e 2018. Na altura já nutria um interesse muito grande pela área, mas o facto de me encontrar frequentemente em viagem foi atrasando a realização da pós-graduação (que tinha de ser presencial), e que tive finalmente oportunidade de completar em 2019.
Como já tinha tido um blog de viagens em 2007 (e criei outro em 2017) tinha muita facilidade com gestão de websites e redes sociais. Aquele era o espaço onde partilhava todas as aventuras e experiências pelos vários países por onde passei (à data de hoje, mais de 90!), pelo que a criação de um site paralelo para a empresa foi um passo muito simples e natural.
Enquanto viajante experiente com experiências múltiplas e únicas na área de lazer, formação, trabalho e voluntariado fora de Portugal, e por já ter assistido a muitas consultas do viajante com as quais não me identificava, assumi na Consulta do Viajante Online® (CVO) a minha visão da consulta do viajante ideal: uma consulta leve e descontraída tal como devem ser as viagens, completa e rigorosa como deve ser uma consulta médica e sempre com um cunho de realidade.
Com o crescimento e posicionamento no mercado comecei a procurar médicos com quem me identificasse: eu, médica mas também viajante, tinha de me rever “neles”, para que os clientes se pudessem rever em “nós”. Atualmente somos uma equipa multidisciplinar de cinco elementos, com Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna, Infecciologia e Pediatria e desempenhamos consulta em três eixos: o antes, o durante e o depois, para qualquer faixa etária e fase de vida.
Recentemente lançámos o Time Travel Podcast, mensal e em vídeo, sobre profissionais que trabalham no mundo das viagens, saúde em viagem e viagens no geral. Acredito que o grau de realismo que trazemos para as nossas consultas, a dedicação, qualidade, clareza e abordagem única e refrescante que desenvolvi com o Método CVO são o fruto do nosso sucesso.
Como se processa o agendamento e realização das consultas? Os viajantes precisam fornecer informações específicas antes?
O processo de agendamento é muito simples e sempre pensado na perspectiva do cliente, por forma a ir ao encontro das suas necessidades. Todas as consultas que fazemos são altamente personalizadas, e isso reflete-se na variedade de serviços que oferecemos na área da saúde em viagem.
Diretamente na plataforma, em www.consultadoviajanteonline.pt, o viajante consegue não apenas selecionar o serviço pretendido como também visualizar a agenda de todos os membros da equipa, selecionar um horário compatível e efetuar o pagamento. Atualmente temos capacidade de resposta de manhã à noite, 7 dias por semana, em português e inglês, atendendo não apenas clientes nacionais como também estrangeiros (ou portugueses residentes no estrangeiro). Temos ainda a capacidade de realizar consultas individuais, em casal ou de grupo, o que facilita muito a gestão e a partilha de medicação, poupando custos aos viajantes.
Previamente à realização da consulta enviamos a cada viajante um formulário clínico muito simples, onde também pode anexar o seu boletim de vacinas, o que nos permite antever as suas necessidades, procurar informação adicional ou discutir o caso em equipa médica. Estamos constantemente em processo de melhoria: vamos ter um novo website a ser lançado em breve, novos serviços e ainda todo um software original feito de raiz, pensado e criado tendo por base as necessidades do cliente e da equipa clínica, o que é mais um salto na qualidade do serviço prestado e na seriedade do que estamos a construir.
“Todas as consultas que fazemos são altamente personalizadas, e isso reflete-se na variedade de serviços que oferecemos na área da saúde em viagem”.
Quais são as dúvidas mais frequentes que os viajantes apresentam durante as consultas?
Quem chega pela primeira vez ao nosso serviço vem habitualmente por recomendação, e sai surpreso com a quantidade de informação transmitida. Assistimos frequentemente a uma falsa sensação de segurança passada por conversas entre amigos ou, mais grave, pelas próprias agências de viagem, que transmitem aos clientes que “não é preciso consulta do viajante” apenas porque, taxativamente, podem não ser necessárias vacinas obrigatórias. Ora tal é absolutamente errado e inclusive perigoso, colocando o cliente numa posição de desconhecimento face ao que pode encontrar e, sobretudo, como lidar com determinadas situações que podem colocar em risco a sua saúde – e em última análise, a vida -, seja durante ou após a viagem. Esta situação é flagrante em destinos onde ainda há malária, por exemplo. O mesmo se aplica a populações muito específicas, como as grávidas ou casais que já planeiam uma gravidez, e a quem são sugeridos destinos paradisíacos que em termos de saúde e segurança do casal (e futuro feto) não poderiam ser mais desaconselhados.
Neste sentido, não surpreende que o cliente venha somente ou sobretudo preocupado com “as vacinas”, ficando depois surpreendido quando percebe que a consulta é bastante completa em todas as vertentes relacionadas com a saúde em viagem, acabando por reconhecer a sua importância e utilidade. Outras questões também frequentes são as relacionadas com a gestão da diarreia do viajante, os repelentes e os anti-maláricos – sendo também aqui necessário um trabalho transparente para desmistificar preconceitos pré-estabelecidos relacionados com necessidade e segurança desta medicação.
Tem parcerias ou acordos estabelecidos com agências de viagens para fornecer serviços de consulta do viajante? Como funciona essa colaboração?
Sim, trabalhamos em grande proximidade com as principais agências de viagem do país, assim como com todos os grandes grupos, que são nossos parceiros oficiais e com quem temos acordos firmados. Igualmente, temos feito um esforço cada vez maior na formação e na própria consciencialização dos agentes de viagem, através de workshops presenciais ou online e webinars.
Qualquer agência pode entrar em contacto connosco, através de geral@consultadoviajanteonline.pt , para discutirmos os termos da colaboração.
“Para a grande maioria dos destinos fora da Europa (América Central e Caraíbas, América do Sul, Ásia e África), sem dúvida que vale a pena fazer uma consulta do viajante para análise do risco de cada doença”
Com o aumento da popularidade de destinos como Tanzânia e Senegal entre os viajantes portugueses, quais precauções de saúde recomenda? São necessárias vacinas específicas?
Nos últimos anos temos assistido ao aumento do número de viajantes para estes dois
destinos que se deve, por um lado, ao surgimento de voos diretos (charter) para a Tanzânia, e
no caso do Senegal do bom trabalho de divulgação das novas estruturas hoteleiras e pacotes turísticos criados. Contudo, estes países não são naturalmente isentos de riscos. O Senegal, por exemplo, registou mais de 800 mil casos estimados de Malária em 2022. Na Tanzânia, esses números ascendem a quase 4 milhões! Estes são números que importam falar e que não têm de ser uma limitação à viagem.
As recomendações médicas vão sempre depender do viajante e do tipo de estadia, pelo que não são estanques. A maior parte das indicações são recomendações e não obrigatoriedades – não é obrigatório fazer-se anti-maláricos, mas é altamente recomendado para algumas zonas. O mesmo com algumas vacinas como contra a Febre Amarela, Hepatite A, Febre Tifóide, sempre dependentes de contexto e até das escalas envolvidas.
A Medicina de Viagens é uma medicina de surtos… pelo que se prestada por alguém que não esteja permanentemente “em cima do assunto”, não é possível fornecer as informações atualizadas. Na Consulta do Viajante Online® somos muito apologistas de que as pessoas viajem mas informadas, cientes dos riscos, devidamente esclarecidas sobre as medidas de prevenção e alertadas para os sinais de alarme que podem surgir durante ou após a viagem.
Como viajantes que somos, capacitamos os outros viajantes para que não hajam limitações, mas sim soluções! E para nós, “não viajar” não é uma opção!
“A Medicina de Viagens é uma medicina de surtos… pelo que se prestada por alguém que não esteja permanentemente “em cima do assunto”, não é possível fornecer as informações atualizadas”.
Porque é que para alguns destinos africanos há vacinas obrigatórias e para outras apenas recomendadas? Quais são os critérios que determinam a necessidade de vacinação em diferentes destinos?
A obrigatoriedade vs recomendação das vacinas tem por base questões de saúde pública e portanto relacionadas com a transmissão de doenças, presença de vectores (ex: “espécies” de mosquitos circulantes), incidência de casos e da própria capacidade de o país conseguir ou não lidar com uma epidemia.
Os exemplos mais flagrantes são a vacina contra a Febre Amarela, cuja obrigatoriedade ainda está presente em viagens para mais de 20 países, e a da Meningite para os peregrinos que visitam Meca (na Arábia Saudita) na altura do Hajj.
A obrigatoriedade pode também ser levantada por questões de escalas prolongadas em países de risco ou da própria nacionalidade do viajante (se vier de um país endémico). Assim, cada situação tem sempre de ser avaliada individualmente para se perceber, com certeza absoluta, se há ou não necessidade clara de realização de determinada vacina.
Atualmente, a maior parte das vacinas recaem na categoria das “recomendações” – são armas preventivas de que dispomos para evitar contrair doenças consideradas graves, mortais ou que podem predispor a internamentos complicados: como a hepatite A, febre tifóide, a encefalite japonesa, a raiva… como estas doenças já são raras ou inexistentes em Portugal, são muitas vezes desconsideradas pelos viajantes que vão por exemplo de férias para um resort em países tão diferentes como Cabo Verde, México ou Tailândia, e que pelo facto de encontrarem uma unidade hoteleira “moderna” acreditam que não podem contrair quaisquer doenças (o que não podia ser mais longe da realidade).
Esta crença muito instalada de que a consulta do viajante aborda apenas vacinas é uma
das principais formas de iliteracia em saúde que tentamos combater, pelo que apostamos muito na informação e capacitação do viajante. A decisão de um determinado viajante fazer ou não determinada vacina, medicamento ou outra medida preventiva ou tratamento dependerá sempre das características da sua viagem e das características epidemiológicas locais, e por isso, duas pessoas podem ir para o mesmo país e ainda assim receber indicações médicas bastante diferentes.
“Atualmente, a maior parte das vacinas recaem na categoria das “recomendações” – são armas preventivas de que dispomos para evitar contrair doenças consideradas graves, mortais ou que podem predispor a internamentos complicados”.
Como encara o futuro das viagens, especialmente considerando o surgimento de doenças como a covid-19? Acredita que se tornará mais comum a necessidade de medicação prévia ou outras medidas preventivas antes de viajar?
A pandemia veio mostrar que estamos muito mais vulneráveis do que pensamos no dia-a-dia. A facilidade de deslocação nos tempos atuais, em que podemos estar no outro lado do mundo em menos de 24h, são o maior contributo para a propagação fulminante das doenças infecciosas. Em simultâneo, o avião tem-se assumido não só como um meio de transporte transformador no mundo das viagens mas também da epidemiologia, sendo um “mega-vector” de transmissão de doenças, permitindo que pessoas doentes e vectores que antes estavam limitados a determinadas áreas geográficas, possam agora circular mais facilmente, disseminar doenças e vectores orgânicos.
Em paralelo, as alterações climáticas têm sido importantes responsáveis pela movimentação dos chamados “vectores de doença”, nomeadamente mosquitos que transportam o vírus da Dengue, Zika ou o parasita da Malária, e que vão inevitavelmente conduzir ao aparecimento de surtos em locais inesperados (como aconteceu na Madeira em 2012), e de surtos mais frequentes.
Climas anteriormente temperados e com cada vez mais oscilações térmicas também facilitam a propagação de alguns tipos de mosquitos e de infecções respiratórias. A globalização e a facilidade de viajar em qualquer fase de vida traz maior propensão de comportamentos sexuais de risco e consequentemente de doenças de transmissão sexual, como acontece em ambiente de festas ou circuitos de turismo sexual.
Para a grande maioria dos destinos fora da Europa (América Central e Caraíbas, América do Sul, Ásia e África), sem dúvida que vale a pena fazer uma consulta do viajante para análise do risco de cada doença e orientação quanto às melhores recomendações que podem passar por vacinas, anti-maláricos e uma farmácia do viajante adequada.
Assim, acredito que se tornará cada vez mais comum a consciência do papel da Medicina do Viajante para quem viaja de forma episódica ou regular, e da importância desta área na saúde e segurança do viajante, qualquer que seja a sua idade, fase de vida e tipo de viagem: lazer, trabalho, voluntariado, missão humanitária, durante a gravidez, com ou sem crianças.
“A facilidade de deslocação nos tempos atuais, em que podemos estar no outro lado do mundo em menos de 24h, são o maior contributo para a propagação fulminante das doenças infecciosas”.
Que dicas pode oferecer aos viajantes para evitar ficar doente durante as suas viagens? Existem medidas específicas que devem tomar, especialmente em destinos de maior risco?
As dicas mais comuns recaem sempre nas questões relacionadas com o aconselhamento alimentar – uma vez em muitos países ainda existem problemas de saneamento básico e da qualidade do tratamento das águas da rede pública – o que aumenta o risco de propagação de doenças alimentares através do consumo de água e de alimentos contaminados.
O uso dos repelentes é normalmente transversal aos vários destinos tropicais, embora possam ser feitos alguns acertos na sua concentração, modo e horário de aplicação em função do destino que escolhemos. E no que toca ao contacto com animais este é largamente desaconselhado na maioria dos países, devido à ainda existência de doenças fatais como é o caso da raiva.
Novamente considerando o viajante e o tipo de viagem, pode ainda ser necessário abordar questões concretas como a segurança individual (sobretudo no que respeita a viagens com crianças), a prática de mergulho ou a doença de altitude.
O facto de a nossa equipa clínica ser composta por viajantes experientes que já visitaram a maior parte dos locais para onde os viajantes vão, ou que já viveram experiências semelhantes, confere um toque personalizado a cada Consulta do Viajante Online®, o que é também muito importante na contextualização, validação e estabelecimento de laços de confiança sobre aquilo que estamos a ensinar.