A dois dias do congresso anual da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), em Aveiro, com a confirmação de mais de 700 participantes, as novas restrições à mobilidade trazem de novo um clima de incerteza ao setor das viagens, que pode ser adensado. Em entrevista ao TNews, o presidente da APAVT defende que as medidas, “por restringirem a atividade económica, têm de ser acompanhas por medidas de apoio às empresas”. Pedro Costa Ferreira afirma que “não está ainda em causa a operação de fim-de-ano: “Neste momento, o que as agências estão a fazer junto dos consumidores, e os operadores junto das agências, é clarificar estas restrições e reorganizar as viagens”.
As medidas tomadas para conter esta 5ª vaga da pandemia já se refletem na atividade das agências de viagens, nomeadamente com cancelamentos ou perda de confiança para viajar?
Já se reflete nas agências de viagens, ainda não com cancelamentos. Não diria já perda de confiança, diria que a dúvida instalada já se sente quanto às questões: afinal tenho de fazer teste ou não? O teste é à saída ou entrada ou é nas duas vias? Portanto, o trabalho das agências de viagens, nestes últimos dias, desde que as medidas foram anunciadas, tem sido clarificar as restrições junto dos clientes e, também ,reorganizar as viagens que têm de ser reorganizadas se afetadas pelas restrições. Apesar de algumas reorganizações serem simples, como por exemplo, tratar de fazer um teste no destino, não deixa de ser um trabalho, e não deixamos de ter de dar essa segurança ao consumidor. Diria que, se calhar, este é um bom exemplo de um dos aspetos que assegura o espaço de intervenção para as agências de viagens e que tem sido tão clarificado com a crise: a informação é diferente de conhecimento. Clarificar a informação, percebê-la e torná-la efetiva na execução de uma viagem, tem sido, ultimamente, mais difícil, e não deixa de ser uma oportunidade para as agências de viagens, para atrair novas procuras, pelo menos momentaneamente.
“cada vez mais se sente que as medidas são implementadas com uma série de dúvidas por esclarecer.”
Com as novas medidas, o Governo foi além do que outros países fizeram ao pedir um teste negativo a todos os passageiros que entrem em Portugal. Ter um certificado digital já não basta. Foram medidas adequadas?
Que se saiba é o primeiro e único país europeu a fazer tábua rasa do certificado digital, que foi uma das bandeiras da presidência europeia portuguesa. Na APAVT, temos tido uma tradição na APAVT que é não comentar medidas sanitárias. Uma coisa é não comentar as medidas em si, outra coisa é não comentar o quadro geral e o modo como são apresentadas. Em primeiro lugar, cada vez mais se sente que as medidas são implementadas com uma série de dúvidas por esclarecer. O espaço de clarificação daquilo que é implementado é cada vez mais necessário e demora cada vez mais tempo. Dou o exemplo: estamos a dois dias do início do congresso com 730 pessoas e ainda não está determinado se este congresso é um grande evento ou não, sendo que um grande evento tem restrições específicas muito mais fortes. Por outro lado, há algo que comentamos negativamente: as medidas, por restringirem a atividade económica, têm de ser acompanhas por medidas de apoio às empresas. Parece que está a ser passada um mensagem que este apoio às empresas é um problema de segunda ordem, de um grupinho de materialistas que está preocupado com tudo, menos com mortes. É exatamente o contrário. O apoio às empresas, à medida que se vai restringindo a atividade económica, é da mais alta importância e um problema de primeira ordem. Se restringirmos a atividade económica e não apoiarmos as empresas, estamos a levá-las à falência. Falência não significa um pequeno grupo de empresários que ficou sem lucros. Falência significa desemprego, e desemprego significa falta de dignidade da pessoa humana. Portanto, a resposta económica é tão importante como a resposta sanitária. Fico com a ideia, depois das crises passadas e do modo como as abordámos, que talvez não tenhamos aprendido nada com elas, porque a primeira coisa que não aprendemos é que a abordagem tem de ser holística e global.
“Se restringirmos a atividade económica e não apoiarmos as empresas, estamos a levá-las à falência”.
A crise política é uma agravante?
É obviamente uma agravante. Além das restrições da capacidade de resposta económica que são conhecidas do país e que todos compreendemos, juntamos agora a ambiguidade política. Em todo o caso, já que os políticos fizeram o favor de não pensar em nós, quando não conseguiram chegar a acordo em algo que parecia simples e facilmente atingível, que isso agora não seja argumento para abandonar completamente as empresas. Ou o Governo resolve as questões de maneira a continuar a apoiar as empresas nesta fase de ligação entre o anterior e o novo Governo ou o novo Governo, seja ele qual for, vai assistir a uma terra queimada antes de começar a gerir os destinos do país.
A operação de fim–de–ano pode estar comprometida?
Espero que o fim-de-ano não esteja comprometido. Neste momento, o que as agências estão a fazer junto dos consumidores, e os operadores junto das agências, é clarificar estas restrições e reorganizar as viagens.
Como estavam as vendas da operação de fim de ano até aqui?
Face às circunstâncias, do ponto de vista comercial, estava a ser um êxito fantástico, com muitas operações a crescerem relativamente a 2019. Isso parece-me que é algo que temos de defender a todo custo e não devemos abandonar. Portanto, ainda não está em causa, porque ainda não se sentem cancelamentos, ou ainda não haverá razões legais para cancelamentos, é a essa a nossa interpretação. Agora, há um trabalho importante a realizar neste momento. Temos de acompanhar este clima de incerteza que se vem adensando. Uma vez mais, acho que aprendemos muito pouco com as anteriores crises, que são bem recentes. É tão fácil, com uma pequena incerteza e sem a abordagem certa, criarmos medo em todo o mundo. É isso que, infelizmente, se está a fazer. Da parte dos agentes e operadores turísticos vamos a combater esse medo.
“Aprendemos muito pouco com as anteriores crises. É tão fácil, com uma pequena incerteza e sem a abordagem certa, criarmos medo em todo o mundo. É isso que, infelizmente, se está a fazer. Da parte dos agentes e operadores turísticos vamos a combater esse medo”.
Qual o cenário esperado para este inverno, com esta 5ª vaga da pandemia, a mudança de governo, mais o reembolso dos vouchers? Que problemas e dificuldades vão surgir às agências?
Neste inverno, teremos sempre um momento difícil, ou a crise se alonga e o pior que podemos esperar destas últimas notícias efetiva-se e manteremos as agências de viagens em modo de sobrevivência e de certa maneira hibernadas. Já provámos que, em modo de hibernação, as agências resistem ao ‘fim do mundo’ – a verdade é que tivemos menos falências em 2020 e 2021 do que em 2019. Ou as circunstâncias não se concretizam e temos à mesma um momento difícil pela frente. Porque, se até à Páscoa tivermos uma retoma efetiva, a verdade é que vamos enfrentar um momento mais crítico desta crise. Sempre dissemos que é quando voltarmos a trabalhar normalmente e sem apoios é que vamos ter o nosso problema de tesouraria com mais alto risco, porque os custos vão passar de zero para 1, e as receitas vão surgir gradualmente. Portanto, qualquer que seja o cenário, vai ser difícil para as agências.
Há focos de preocupação quanto ao reembolso dos vouchers?
Penso que não. O que não quer dizer que não venham a existir incidentes. Tivemos, no início da crise, o primeiro facto importante para todo este processo que foi a revogação da diretiva, naquilo que respeita aos vouchers, o que permitiu salvar as empresas, dando-lhes tempo para reembolsar e dando-lhes tempo para serem reembolsada pelas empresas. Ao salvar as empresas, salvou os direitos dos consumidores. O que é que fizemos com esse tempo? Foi criada uma linha de crédito que permitiu que se reembolsasse a clientes 30 milhões de euros Depois em segundo lugar, em 2021, houve muitos vouchers que foram trocados por viagens, sendo que houve também vouchers que foram pagos mesmo por agências que não acederam à linha de crédito. Fica a ideia que se trabalhou bem, e que não teremos um enorme problema. Ou seja, não teremos um incidente materialmente relevante. Sendo certo que, quando falamos do setor, temos de ter consciência que a resposta é sempre assimétrica. Claro que vamos ter incidentes, claro que vamos ter agências que não vão reembolsar os seus clientes, não esperamos é que essas agências sejam materialmente relevantes. O setor está organizado com o Fundo de Garantia, como sabemos, e, portanto, penso que será possível manter a confiança ou até reforçar a confiança dos consumidores, que, como sabemos, continuam à espera de reembolsos das companhias áreas e, em alguns casos, continuarão para sempre. Tenho a esperança que, quer através das agências, quer através do fundo, teremos todos os consumidores ressarcidos no final. O Fundo é exclusivamente formado por dinheiro das agências de viagens, portanto, que não fique aqui qualquer ideia que é o Estado a pôr-nos a mão por baixo. Temos seis milhões no fundo neste momento.
Um dos perigos que existiria, por ser mais ou menos sistémico, era se um operador falhasse nos reembolsos às agências de viagens, porque aí estariam em causa muitas agências que não receberiam o seu reembolso e não pagariam aos seus clientes. Julgo que os operadores portugueses terão resistido ao problema e estarão todos capazes, ou já o fizeram, de resolver os seus problemas de reembolso. O que sabemos é que a maioria deles inclusivamente já pagou porque acedeu à linha de crédito.
“Claro que vamos ter incidentes, claro que vamos ter agências que não vão reembolsar os seus clientes, não esperamos é que essas agências sejam materialmente relevantes.”
No caso das companhias aéreas?
Em relação às companhias aéreas há casos de vendas diretas aos passageiros e que os passageiros não vão ver esses reembolsos, isso é o que reforça a confiança nos agentes. Nos reembolsos das companhias áreas às agências de viagens é preciso dizer que ainda está muito dinheiro por pagar, distribuído por quase todas as companhias aéreas. Foi um tsunami e, portanto, estes são assuntos que vamos resolvendo. Agora, dois aspetos importantes: a TAP está resolvida, e foi possível reembolsar 10 milhões de euros ao mercado. Por outro lado, com as outras companhias aéreas que devem uma série de reembolsos, os diálogos existem, não há perda de confiança na relação. Apenas não há diálogo com a Ryanair, porque a Ryanair não o pretende, isso só torna que o diálogo com a Ryanair seja mais difícil e que envolva muitas vezes uma área jurídica mas temos de viver com isso.
Se o cenário mais negro se confirmar nestes próximos meses, ou seja, a paralisação novamente da atividade das viagens, que apoios serão necessários?
Os apoios estão mais ou menos clarificados. Em primeiro lugar a defesa do emprego com o apoio à retoma, quer a crise se adense, quer não. Julgo que há sensibilidade do Governo que este apoio tem de se manter até à Páscoa. Se a crise não se adensar, certamente o apoio à retoma deve ser até à Páscoa. Se a crise se adensar, os próprios parâmetros da nova crise terão de determinar esta continuação do apoio à retoma por períodos mais longos. Penso que é prematuro falar nisto. Parece-me óbvio que estamos todos de acordo que este apoio à retoma na defesa do emprego vai continuar até final de março, pelo menos.
Quanto ao Apoiar.pt é absolutamente urgente que seja pago, pelo menos até dezembro deste ano. É preciso pensar que o Apoair.pt foi pago até abril de 2021. É absolutamente claro para toda a gente que a crise se alongou e a prova disso é que novas restrições à atividade económica estão a ser determinadas em dezembro de 2021. Portanto, há uma tranche em atraso, desde abril até dezembro, que é urgente que seja paga. Com o adensar da crise, o Apoiar.pt tem de continuar em atividade, no mínimo até abril de 2021. Este apoio a fundo perdido não é algo que está a ser dado a uma mão estendida, são perdas que as agências estão a ter pelas restrições à atividade económica impostas pelo Governo. Portanto, é um ressarcimento com uma consequência benéfica para todos que é a manutenção do emprego, das empresas e a manutenção da possibilidade de recuperação económica. Isto tem de acontecer, não é uma esmola.
Quanto à linha de crédito do TdP, tem sido igualmente importante e tem funcionado bem. A única coisa que se pode esperar, caso a crise se adense, é que continue e eventualmente que os seus prazos de pagamento sejam alargados.
Relação com a TAP
A administração da TAP abriu novas perspetivas de diálogo e relacionamento com o setor da distribuição? Como têm corrido estes primeiros meses?
Inequivocamente, estes primeiros meses têm corrido bem. O diálogo foi reaberto. Primeiro, foi reaberto do ponto de vista político, isto é, a TAP comunicou, desde muito cedo, quando mudou a administração, o seu interesse em trabalhar com o setor. Até aqui, a comunicação estava praticamente bloqueada. Depois, não apenas foi feita essa comunicação, como se começou a trabalhar numa agenda entregue pela APAVT. A grande verdade é que já se deram passos bastante importantes na resolução desses problemas técnicos. Ou seja, a TAP mostrou que não era apenas um processo de intenções, que está interessada verdadeiramente. Todos sabemos que este é um processo e um diálogo contínuo, há muita coisa por resolver, que possibilitará uma maior intervenção das agências junto da TAP. A nossa opinião, e parece ser opinião da TAP também, é que, se permitirmos que as agências trabalhem mais com a TAP, todos vamos ganhar. É um processo de sobrevivência, isto é, se a TAP não trabalhar com as agências de viagens, não creio que, uma situação tão difícil como a que a companhia atravessa, possa ser resolvida.
Que agenda entregaram à TAP?
São temas bastante técnicos, têm a ver com a capacidade de emissão, com restrições, com a flexibilidade de oferta, o papel da TAP nos charters da operação turística. São temas verdadeiramente técnicos. Uma vez mais, foram resolvidos parte deles e estão em cima da mesa os que não foram resolvidos. Já se colheram alguns frutos, há mais capacidade das agências de viagens, quer no business travel, no lazer, e nos grupos. Agora temos de aprofundar esse diálogo. Há alguns aspetos políticos que abriram portas, por exemplo, a TAP hoje não faz publicidade exclusiva para vendas diretas. Todas as oportunidades que coloca no canal de vendas diretas, coloca também à disposição das agências de viagens. Isso são pequenos passos que são de uma enorme mais-valia na relação.