Em ano de eleições na Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), Pedro Costa Ferreira afirma que ainda não equacionou se vai recandidatar-se. O presidente da associação está “centrado nos objetivos do ano” e, a seu tempo, perceberá “qual é a melhor solução”. Não fecha a porta à continuidade, sobretudo num cenário em que a APAVT está mais descentralizada: “Quanto mais resulta a descentralização, é verdade que mais probabilidades existem de continuar, porque é mais fácil continuar”. Num balanço do mandato, Pedro Costa Ferreira deseja que este seja, por largos anos, o mandato mais importante da história da APAVT. E tudo por causa da pandemia: “Ninguém quer repetir aquilo por que passámos”.
Como se perspetiva o ano de 2023 para as agências de viagens e operação turística?
Vamos ter muita incerteza, temos receio de alguns aspetos e temos também algumas áreas onde podemos, eventualmente, sorrir. Como enorme incerteza temos a guerra que, enquanto durar, pode escalar. Por outro lado, creio que os processos pandémicos não estão ainda definitivamente terminados, concretamente preocupa-nos esta espécie de crise tardia na China, porque nos pode trazer eventuais surpresas.
Depois, temos alguns receios, sobretudo centrados na inflação, na subida da taxa de juro, nas certezas de desaceleração e eventual recessão em cerca de um terço do mundo. Portanto, temos alguns receios ao nível do poder de compra e de uma eventual perda da procura. Mas também temos alguns motivos para sorrir. Apesar de toda esta incerteza e receios, ainda não temos notícia de uma quebra significativa de reservas. Concretamente, a última operação de relevo no mercado, que foi a operação de fim de ano, correu muito bem e, perfeitamente, em linha com o ano inteiro.
Por outro lado, ao compararmos com 2022, vamos ter supostamente um primeiro trimestre muito favorável ao ano de 2023, porque no primeiro trimestre de 2022 estávamos todos em casa. Sendo ainda cedo para dizer como vamos operar o verão, arriscaria dizer que vamos fechar o primeiro trimestre melhor do que em 2022, que já será bom e, se calhar, moralizador. E, com todas estas incertezas colocadas no mercado, arriscaria dizer que esperamos um 2023 com resultados positivos, eventualmente inferiores a 2022. A verdade é que tenho dialogado com vários grupos turísticos internacionais e há alguns que defendem esta ideia de que as reservas ainda não caíram e, sobretudo, a ideia que vamos levar um bom avanço no início de 2023, porque já nos esquecemos todos que estamos a comparar 2022 com 2019, mas só estamos a comparar, praticamente, três trimestres de 2022 com todo o ano de 2019 e, supostamente, este anos vamos ter quatro trimestres.
“Apesar de toda esta incerteza e receios, ainda não temos notícia de uma quebra significativa de reservas”
Em termos de oferta, vamos ter a mesma de 2022?
Quando o mercado cresce, o desenho da oferta é sempre maior do que no ano anterior. Portanto, espero um desenho da oferta superior a 2022. À medida que o ano se for desenvolvendo, teremos a resposta, sobretudo nas operações charters, que será manter essa oferta ou cancelar parte dela. À priori, o que espero é maior oferta construída e penso que as primeiras impressões vão nesse sentido, não apenas mais oferta construída, como, curiosamente, uma necessidade de apresentar a oferta o mais cedo possível e aparentemente com êxito. Ou seja, as operações que estão a ser apresentadas, aparentemente, estão com boa cadência de vendas.
Com preços ao mesmo nível?
Sim, ao mesmo nível ou superiores a 2022. Ninguém está à espera que existam preços mais baratos, face a todo o contexto em que a operação turística se vai desenvolver.
Ao fim de dois anos de uma crise pandémica não tivemos falências de grupos turísticos, não houve mudanças significativas no mercado (entrada ou saída de players).
Houve menos falências em 2020 e 2021 do que em 2019. Sempre dissemos que, em hibernação, íamos conseguir resistir. A grande dificuldade seria no regresso à normalidade.
Espera-se um ano de 2023 com alguma movimentação no que diz respeito a fusões, compras, parcerias no setor da distribuição?
Não sei o que vai acontecer. O mercado está com empresas muito dinâmicas, porque tiveram um 2022 com fantástica recuperação, e muito frágeis, porque estão muito endividadas e com dificuldade de acesso a financiamento. Quando as empresas são muito dinâmicas, ou seja, a operação a correr bem, mas frágeis, com alguma dificuldade que suporte essa operação, a tendência expectável será para operações de ganho de dimensão. Parcerias acho que é óbvio que vão acontecer porque são processos mais fáceis de ganhar essa dimensão. Quanto a compras e fusões, penso que há condições para acontecer, mas nunca é possível antecipar. Diria que vai haver ganhos de escala, quase que diria que não tenho nenhuma dúvida que isso vai acontecer através de parcerias.
Estamos a notar um mercado mais dinâmico ao nível dos grupos de gestão, com mudanças de agências entre grupos. Qual é a sua leitura?
É uma área mais fina de análise, onde acho que a APAVT deve opinar menos. É quase uma área de luta comercial mais fina, por assim dizer. Quando há trocas de agências entre grupos, não considero isso movimentos de ganho de dimensão. Haverá um ganho de dimensão quando grupos acordarem entre si concertarem posições comerciais e adquirirem ganhos comuns para os seus representados. É o que eu espero que aconteça. Que haja mais parceria comercial entre representantes comerciais, não estou só a falar de grupos de gestão, mas no mercado em geral.
“Quem está comigo no dia-a-dia, quem me conhece, sabe que sou adepto da minha saída, mas quem me conhece de perto, sabe também que assumirei as responsabilidades necessárias no momento da decisão”
O sucesso de um setor também é avaliado pela sua capacidade de atrair investimento. O mercado das agências de viagens está de boa saúde e atrai investimento ou são sempre os mesmos players?
Não tenho a certeza que isso seja verdade, no ano passado tivemos um novo player espanhol a entrar no mercado com relevância. Há novos players no mercado e eles são muito visíveis, o mercado é muito constituído por micro e pequenas empresas. Se formos olhar para as novas agências de viagens, são de agentes que já estavam no mercado mas que não eram empresários, ou de novos empresários que não estavam sequer no mercado.
Se olharmos para a era pré-pandemia, o setor era muito atraente, no sentido em que formava, do ponto de vista percentual, mais novas empresas do que o setor do turismo, em geral. Acho que isso está a voltar a acontecer. Vemos pelos movimentos do Fundo de Garantia, mas também pelo número de RNAVT’s, que o setor voltou a ter bastantes novas empresas, a partir do ano passado. Eventualmente, micro empresas, mas essa é também a característica da economia portuguesa. Desse ponto de vista, acho que o setor continua a demonstrar que está de boa saúde, porque continua a atrair novos empresários e novas empresas.
2023 é ano de eleições na APAVT. Ainda falta um ano, mas pergunto se está a equacionar recandidatar-se?
Não equaciono nada ainda. Não tivemos nenhum diálogo na direção relativamente a esse assunto. Estamos concentrados nos desafios da APAVT e ainda ninguém achou necessário pensar na renovação. Estou centrado nos objetivos do ano e, a seu tempo, perceberei qual é a melhor solução. Sendo que, pessoalmente, a minha solução é sempre abandonar. Mas uma coisa é o desejo pessoal, outra coisa é a responsabilidade. Veremos como esses dois pesos se equacionam numa decisão final. Quem está comigo no dia-a-dia, quem me conhece, sabe que sou adepto da minha saída, mas quem me conhece de perto, sabe também que assumirei as responsabilidades necessárias no momento da decisão. E quem me conhece de perto sabe também que não tomei ainda uma decisão.
“quanto mais resulta a descentralização, é verdade que mais probabilidades existem de continuar, porque é mais fácil continuar”
Neste último mandato tivemos uma APAVT que não está tão centrada no seu presidente e tem outros rostos?
O esforço da descentralização é um esforço desde o primeiro dia dos meus mandatos, já lá vão 11 anos. A melhor resposta a esse esforço foi feita nesta direção, isso é absolutamente claro. Processos como o +APAVT, o Checked by DECO, o congresso, a BTL, os processos de sustentabilidade que são o pilar desta direção, são tudo processos que, ou nasceram da descentralização, ou evoluíram com processos de descentralização da APAVT. Desse ponto de vista, não posso estar mais feliz e devo dizer uma coisa: quanto mais resulta a descentralização, é verdade que mais probabilidades existem de continuar, porque é mais fácil continuar, mas não altera nada do que foi dito até agora. Numa resposta honesta, tudo isto tem de ser dito. Estou muito satisfeito com o que conseguimos fazer neste mandato em matéria de descentralização. E estou muito motivado para continuar esse processo que era absolutamente necessário.
“Não será difícil imaginar que este mandato vai ser durante longos anos – espero que seja durante longos anos – o mandato mais importante da história da APAVT”
Qual o balanço que faz deste mandato?
Ainda é cedo para fazer balanços, mas julgo que não será difícil imaginar que este mandato vai ser durante longos anos – espero que seja durante longos anos – o mandato mais importante da história da APAVT. Em meu entender foi um mandato que correu para além de qualquer expetativa, em termos de intervenção da APAVT. O setor respondeu além de qualquer expetativa, e julgo que a intervenção da APAVT junto do setor foi além de qualquer expetativa, mas isto é julgamento em causa própria. É precoce fazer balanços, mas se puder formular um desejo é que, julgando eu que foi o mandato mais importante, espero que tenha sido o mandato mais importante por longos anos, porque ninguém quer repetir aquilo por que passámos.
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