Em entrevista, Ricardo Cardia, diretor geral das Viagens El Corte Inglés, fala sobre o crescimento da empresa, as ações levadas a cabo para melhorar a rentabilidade e o posicionamento da rede como uma marca de serviço, com produto disponível para todos os segmentos. Nesta entrevista, abordamos ainda as expectativas para o futuro, incluindo a nova agência inaugurada nas Amoreiras e as perspectivas de expansão no mercado português, não descartando a possibilidade de joint ventures.
Qual tem sido o desempenho das agências de viagens do El Corte Inglés em 2024 em comparação com o ano anterior?
2023 já foi um ano muito bom para o setor e, naturalmente, para nós também foi muito bom. Em 2024, a performance tem, efetivamente, superado bastante as nossas expectativas. O facto de termos aumentado consideravelmente a nossa exposição e termos entrado em iniciativas, nas quais existe um tipo de cliente que muitas vezes não conseguimos atingir, tem ajudado bastante a dar notoriedade à marca e naturalmente às vendas.
Em termos de rentabilidade estão acima do ano passado?
Sim, bastante acima. Quando entrei em 2022, vínhamos de uma pandemia, tínhamos uma equipa de 160 pessoas, e obviamente fizemos uma otimização de todos os recursos, tomámos algumas decisões de fundo para conseguir naturalmente ter esse aumento de rentabilidade.
Que decisões foram tomadas nestes dois anos e que levaram ao aumento da rentabilidade?
Quando entrei houve uma reestruturação a nível de equipas, pessoas que saíram por opção própria ou por opção da estrutura e, naturalmente, tomámos algumas decisões no sentido de ter uma equipa mais produtiva e que permitisse fazer um plano mais prolongado daquilo que era a nossa operação. Depois, no que diz respeito à rentabilidade, que, de certa maneira, depende daquilo que é a nossa capacidade de negociação e a nossa forma de poder ser mais efetivos perante os nossos clientes, houve uma tentativa de renovar a marca junto dos fornecedores, uma renegociação das condições que nós tínhamos com os fornecedores, tornar a a marca um pouco mais atrativa para um tipo de cliente que se calhar não nos olhava como solução de compra de viagens. Portanto, uma das estratégias que tomámos foi manter o nível de serviço, garantir um preço competitivo e ter a capacidade de chegar ao cliente de uma forma mais ágil e mais concreta.
Depois, obviamente, um aumento da nossa exposição: a participação na BTL, em alguns eventos, campanhas, que nos dão, de certa maneira, alguma visibilidade. Por outro lado, um aumento de pontos de venda, nomeadamente nos Açores e mais uma loja em Lisboa.
Quais foram os destinos mais vendidos pelas agências de viagens El Corte Inglés? Houve alguma mudança significativa nas preferências dos clientes?
Houve, naturalmente, porque entrámos num campeonato em que não estávamos, ou seja, na operação charter. Nestes últimos dois anos, temos mantido o negócio tailor made praticamente intacto, e onde aumentámos foi na operação charter. Acabámos por estar fortes em Cabo Verde, nas Caraíbas e no Norte de África.
Os Estados Unidos é um destino que, no tailor made, também é muito forte para nós. Portugal, principalmente as ilhas, também têm a sua importância. Diria que estamos alinhados também com aquilo que é a procura do cliente nacional.
A Dora Lopes assumiu a responsabilidade pelo departamento de Marketing e Produto com o objetivo de estreitar a relação com a rede de vendas e fornecedores e reposicionar a marca. Quais têm sido os resultados até agora?
A Dora Lopes é uma pessoa que tem quase duas décadas de El Corte Inglés. Há cerca de sete ou oito anos assumiu a loja mais importante que temos em Portugal, que é a loja do Centro Comercial de Lisboa e, obviamente, pelo conhecimento da operação, da empresa e do produto disponível, sentimos que seria a pessoa com o perfil indicado para poder assumir essa responsabilidade. No fundo, acaba por ser o culminar de um conjunto de mudanças que fomos fazendo ao longo destes dois anos, apostando no talento interno, apostando nas pessoas que conhecem a empresa por dentro e que tem naturalmente valências e capacidade de poder implementar outras ideias, mas mantendo a base e a cultura da empresa. Por todo o conhecimento que tinha das pessoas e de todo o universo das Viagens El Corte inglés, a Dora trabalhou muito aquilo que eram as necessidades de cada uma das delegações, inclusive do business travel. No que toca à contratação e aos operadores, o trabalho foi desmistificar a ideia de que temos o tipo de cliente de segmento alto – e que temos -, mas também podemos trabalhar um outro segmento. No fundo, desmistificar para o mercado e internamente que podemos ter outra abordagem, não perdendo a raiz principal da empresa.
“No que toca à contratação e aos operadores, o trabalho foi desmistificar a ideia de que temos o tipo de cliente de segmento alto – e que temos -, mas também podemos trabalhar um outro segmento. No fundo, desmistificar para o mercado e internamente que podemos ter outra abordagem, não perdendo a raiz principal da empresa”
E os clientes, como é que vos veem?
O que senti muitas vezes é que, por um lado, existia um tipo de cliente que não sabia que o El Corte Inglés tinha uma agência de viagens e, por outro lado, o cliente que sabia mas achava não era para a sua bolsa, ou para a expectativa que tinham para gastar nas suas férias. E existia um tipo de cliente que já tinha tido uma experiência connosco e que, de certa maneira, nos deu essa oportunidade de voltar a pedir-nos algumas ideias, não só pelo refrescamento da marca, mas, na minha opinião, porque tem havido uma descredibilização, muitas vezes, no serviço por parte das agências de viagens.
Em Espanha, as viagens El Corte Inglés estão mais democratizadas, enquanto em Portugal parecem estar posicionadas num segmento mais alto. De futuro, qual o posicionamento que a empresa quer ter em Portugal?
Queremos ter um posicionamento de uma marca de serviço, uma marca com um produto variável e que consiga, de certa maneira, ter disponível um produto para todos os segmentos, ser uma marca com cada vez mais visibilidade, em localizações premium e chaves na operação em Portugal.
Que objetivos traçaram para a contratação do Pedro Barbosa como diretor comercial e de expansão para Portugal?
No pós-pandemia, saiu o diretor comercial, que era uma posição transversal a toda a empresa, ou seja, tinha toda a responsabilidade da captação e da parte comercial do corporate, do MICE, e também muito daquilo que era a expansão das agências de lazer. Com essa reestruturação e a saída dessa pessoa, no primeiro ano reorganizámos e trabalhámos no sentido de poder colmatar mais internamente do que externo. A certa altura faltava-nos uma posição que conseguisse ter essa capacidade de ser transversal e de trabalhar comercialmente a marca perante todas as áreas. Obviamente que o Pedro tem uma equipa comercial com ele, mas de certa maneira a ideia é que ele possa responder pela área comercial geral das viagens El Corte Inglés. A área de expansão está mais ligada a mim e ao Nuno Brás Francisco.
Joint-Ventures: “Neste momento estamos a abrir agências do zero, mas se existir essa disponibilidade e se considerarmos que é uma localização estratégica para a nossa operação, naturalmente que estaríamos totalmente abertos para analisarmos”
Qual é a vossa estratégia para crescer?
Temos o objetivo de abrir 10 delegações até ao final de 2026, sendo que, com a abertura das Amoreiras, no passado dia 13, fica-nos a faltar 9. A nossa estratégia será sempre identificar localizações premium, que nos permitam, por um lado, ter posição numa área onde efetivamente não temos grande expressão e, ao mesmo tempo, que seja sensível e suscetível a ter uma ligação e uma conexão rápida com a marca. Tínhamos 15 ligações, fechámos este mês Faro e iremos fechar uma outra, porque a nossa estratégia passa por estar onde realmente somos relevantes e onde, de certa maneira, consigamos ter e dar visibilidade à marca e ter essa capacidade de ter um tipo de cliente que esteja envolvido e conotado com a marca. Portanto, vamos pensar essencialmente em meios urbanos e com o poder de compra ajustado àquele que é o nosso funcionamento, à semelhança da recente mudança de instalações em Ponta Delgada (S. Miguel, Açores) para o coração da cidade.
Vão abrir mais alguma loja este ano, além da que abriu no Amoreiras Shopping?
A nossa meta é abrir mais uma no princípio do próximo ano e, até ao final de 2026, abrir as oito que nos faltam. Quando digo abrir, estamos também disponíveis para avaliar a possibilidade de existirem agências que, de certa maneira, gostavam de ter força e uma marca que lhes desse outro tipo de competitividade de venda, de know-how e tecnologia e, também, visibilidade. Estamos também disponíveis para analisar a possibilidade de fazer joint ventures nesse sentido.
Equacionam a possibilidade de crescimento através de joint ventures?
Neste momento estamos a abrir agências do zero, mas se existir essa disponibilidade e se considerarmos que é uma localização estratégica para a nossa operação, naturalmente que estaríamos totalmente abertos para analisarmos.
Há margem para crescer no mercado português destas duas formas?
Acredito que, enquanto marca, temos essa capacidade de abrir e ser relevantes para o mercado. Portanto, abrir uma agência por abrir uma agência é mais difícil. Hoje existe um número grande de agências – há zonas no país com 150 mil habitantes e têm 34 ou 35 agências. Agora, no nosso caso, ao abrir com a marca que temos, com a competitividade e com aquilo que é a nossa capacidade de ter produto, julgo que faz todo sentido.
Quais os critérios para a realização de um joint venture com uma ou mais agências?
Centro urbano, com uma localização premium ou privilegiada, que já tenha naturalmente alguma carteira de clientes, ou pelo menos que tenha uma massa crítica que permita tomar essas decisões e ser alguém que venha somar, que não veja isto como uma oportunidade de crescimento singular, mas de crescimento para as duas partes.
Relativamente à agência que abriu nas Amoreiras, quais são as vossas expectativas?
Ao decidirmos abrir uma agência num centro comercial como as Amoreiras, não foi apenas uma questão de aproveitar uma oportunidade; foi uma escolha estratégica. Vemos essa decisão como uma afirmação significativa da nossa marca num espaço premium, o que nos ajuda a posicionar-nos melhor e aumentar a nossa visibilidade.
Acreditamos que existe uma grande sinergia em termos do cliente, que o cliente do El Corte Inglés também será um cliente Amoreiras. Ter uma loja neste local não só nos fornece mais visibilidade, mas também traz confiança e garantias adicionais. Esta abertura representa uma mudança de paradigma, já que até agora tínhamos duas lojas em centros comerciais, uma em Lisboa e outra no Porto. Abrir a presença num shopping que não é nosso permitirá continuar o trabalho de aproximar a marca de um público que pode não estar tão familiarizado com o El Corte Inglés. Além disso, vamos aproveitar as condições oferecidas na loja do centro comercial El Corte Inglés, como o financiamento.
“Existe um investimento em tornar Portugal cada vez mais relevante na operação do grupo. Temos um plano em marcha para abrirmos mais delegações, existe um operador turístico do grupo, a Tourmundial, que, neste momento, tem já produto totalmente adaptado à nossa operação em Portugal”
Que ações de promoção e marketing têm planeadas no próximo ano? Vão participar na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL)?
Sim, faremos a nossa terceira participação na BTL, que se revela um contexto muito interessante para nós. É uma oportunidade para aumentar a nossa visibilidade e fortalecer a nossa marca. Além disso, permite que diferentes áreas da empresa se mobilizem e colaborem. Um dos principais benefícios que observamos na BTL é o fortalecimento da equipa. Durante aquela semana, todos nos dedicamos para que tudo funcione perfeitamente, e essa união gera um ambiente positivo de amizade e cooperação, que julgo que valoriza depois toda a operação.
Quanto à nossa participação, estaremos organizados da mesma forma que no ano passado, com a possibilidade de aumentar um ou outro posto de trabalho. No entanto, não teremos mudanças significativas, já que a nossa experiência anterior foi bem-sucedida.
Como é que a sede em Espanha olha para o mercado português? É estratégico?
Existe um investimento em tornar Portugal cada vez mais relevante na operação do grupo. Temos um plano em marcha para abrirmos mais delegações, existe um operador turístico do grupo, a Tourmundial, que, neste momento, tem já produto totalmente adaptado à nossa operação em Portugal. Apesar de não termos a relevância do mercado espanhol – são mais de 600 lojas em Espanha -, de certa maneira, aquilo que se sente é que existe margem para aumentar a nossa posição aqui, existe marca que nos ampara e temos uma equipa também em que se acredita que pode levar a empresa a outro patamar.
“Se temos uma estratégia de captação agressiva, centrada naquilo que é o preço, vamos acabar por perder todos. Um exemplo é a BTL: há uma percepção de que todos vendem a preços baixos, mas cada um de nós tem objetivos diferentes. Algumas empresas vendem a preços baixos para aumentar o volume de vendas, enquanto outras procuram um novo posicionamento no mercado”
Quais são os maiores desafios da distribuição turística no mercado português?
Existe uma comunicação fluída, mas que muitas vezes não é eficaz. A oferta turística precisa de ser mais trabalhada com a distribuição e a distribuição tem que, de certa maneira, concentrar-se mais em ajudar a tour operação. Acredito que existem muitas decisões e quezílias que não ajudam o setor, acredito que há muita gente que pensa globalmente e que depois atua individualmente. Para que o mercado cresça temos de pensar de forma mais global. O que quero dizer com isto? Pessoalmente, desejo que todos os meus concorrentes possam crescer. Se todos nós crescermos, ajudaremos a expandir o mercado. Se temos uma estratégia de captação agressiva, centrada naquilo que é o preço, vamos acabar por perder todos. Um exemplo é a BTL: há uma percepção de que todos vendem a preços baixos, mas cada um de nós tem objetivos diferentes. Algumas empresas vendem a preços baixos para aumentar o volume de vendas, enquanto outras procuram um novo posicionamento no mercado. Nesse ponto de vista, julgo que devíamos estar todos mais coordenados no sentido de fazer crescer a procura.