A maior sala de eventos do país já nota sinais de retoma do turismo de negócios a partir do último quadrimestre do ano. Em entrevista ao TNews, Jorge Vinha da Silva, CEO da Altice Arena, considera que o setor da Meeting Industry em Portugal devia dar “o next step” e capitalizar melhor o posicionamento de Portugal a nível internacional junto das associações do setor. Jorge Vinha da Silva, que também é vice presidente do capítulo ibérico da ICCA – Associação Internacional de Congressos e Convenções, julga que digitalização que existiu no último ano veio para ficar. “Não como substituto dos eventos presenciais, mas como algo complementar ao que já se fazia nos grandes congressos”.
Considera que as regras a adotar pelo setor dos eventos são claras neste momento?
É uma boa pergunta. Penso que existiu um esforço, mas não aconteceu na totalidade e foi pena que se tivesse perdido a oportunidade, logo desde a primeira hora, de estabelecer regras claras para os eventos do ponto de vista do turismo dos negócios. Do ponto de vista do entretenimento e da cultura, as regras foram claras desde o primeiro dia e, portanto, estabelecendo esse comparativo, não posso dizer que as regras sejam claras para o mercado, não só para os operadores, mas, mais importante, para os potenciais clientes. Se essa confiança não for criada depois todo o pipeline comercial também demora muito mais tempo a arrancar e a normalizar. No entanto, foi feito um esforço pela Secretaria de Estado do Turismo para, nos dias subsequentes à publicação da resolução do Conselho de Ministros, adicionar, se assim se pode dizer, esta clarificação. Na prática, foi feito o estabelecimento das regras que existiam antes deste confinamento de 2021, que é a possibilidade de ocupar os espaços a 50%, replicando o que já se faz na cultura. O que continua em falta, e que me parece claramente relevante, é que, mais uma vez, a norma que regulava o setor dos eventos e da meeting industry emanou do Ministério da Economia e da Transformação Digital e não da Direção Geral de Saúde, contrariamente ao que aconteceu na cultura. isso é que não faz qualquer sentido. O que deixa a dúvida no mercado se, para cada evento que se realiza, o mesmo carece de uma autorização. Dos contactos regulares que tenho com os stakeholders do mercado vejo que há muitas dúvidas instaladas. Isso não é bom para a atividade.
Dificulta de certa forma a retoma?
Depende do horizonte temporal. Se estivermos a falar destes meses até ao verão, a minha resposta é sim, claramente, foi uma dificuldade adicional. Se estivermos a falar num período mais alargado de tempo, esse efeito já não se vai notar dessa forma. No nosso caso em concreto, após esta última fase de desconfinamento, notamos um grande crescimento das reservas para os últimos meses do ano e ainda muito mais para 2022.
“Por vezes esta indústria é tão diversa que, às vezes, é difícil concentrar todos os stakeholders e todos os players. Mas sinto que poderíamos todos e, de uma forma geral, fazer mais se essa representatividade fosse mais conseguida. Estou a dizer que devíamos todos tentar dar o next step.”
Mesmo antes de falarmos desses sinais de retoma, gostaria de saber se o impacto da pandemia acabou por ser mais violento na vossa atividade por conta deste segundo confinamento?
Claro que, este segundo confinamento, teve um forte impacto. Se quisermos fazer a análise por anos, o ano de 2020 teve uma particularidade muito positiva, que foi o facto dos meses de janeiro e de fevereiro ainda se desenrolarem de forma completamente normal. No nosso caso, foram os melhores meses de janeiro e fevereiro da história. E nos meses subsequentes ao verão em 2020, a situação começou a melhorar e o mercado pensou que esse caminho já não regressaria a uma situação tão restritiva e, portanto, foi possível nos últimos meses do ano realizar, ainda que de forma digital ou híbrida, um número interessante de eventos. O facto de termos regredido tanto e de termos passado os primeiros meses de 2021 completamente fechados, obviamente veio agravar essa situação. O que me leva mais ou menos a estabelecer um paralelo, ou seja, enquanto que, no ano passado, partimos de uma grande certeza, que foram os primeiros meses do ano, e depois de uma grande incerteza. A nossa certeza de 2021 não está garantida. Portanto, se aparecer algum equilíbrio na indústria, acontecerá, na minha opinião, de setembro a dezembro, mas é algo que ainda não estamos a viver, portanto, para tal acontecer, é preciso que a situação pandémica não se agrave e não tenhamos nenhum retrocesso. Precisamos dos últimos quatro meses do ano pelo menos a 50% do que foi o janeiro e fevereiro do ano passado, só para que os anos sejam de alguma forma similares. Senão, em alguns setores da indústria, arriscamo-nos a que 2021 seja ainda pior que 2020, apesar de estarmos obviamente numa situação de perspetiva muito melhor, porque tudo indica que, até final do verão, no caso de Portugal, teremos praticamente todas as faixas etárias vacinadas.
Qual é o perfil de reservas que estão a acontecer a partir de setembro?
No nosso caso em particular, é muito o mercado nacional, principalmente empresas ou marcas que tiveram uma migração quase 100% para a digital, no último ano, e que estão, de facto, com muita vontade de voltar aos eventos presenciais. Também temos procura na área dos congressos, mas de menor dimensão, e ainda falando a nível nacional. Depois temos alguns eventos internacionais, de forma híbrida, que estão a ser trabalhados com as autoridades de saúde. Portanto, o que notamos, acima de tudo como tendência, é uma maior dinâmica do mercado desde 3 de maio. Para 2022, já há um maior pendor da componente internacional, principalmente à medida que vamos avançando no ano. Para o primeiro semestre de 2022 os projetos continuam ainda todos de pé.
“Penso que, este ano, a nossa indústria será suportada maioritariamente pelo mercado interno, sem prejuízo de existirem, obviamente, apontamentos internacionais.”
Uma vez que a retoma dos mercados internacionais será muito gradual, considera que devíamos estimular o mercado interno de eventos como forma de manter a atividade?
Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Penso que a estratégia da indústria, do ponto de vista coletivo, tem que ser através da análise de uma timeline. Sabemos que a indústria do turismo de negócios trabalha com muita antecedência. Felizmente, trabalha-se cada vez com uma maior antecedência e, portanto, obviamente aí sem as preocupações que nos afligem à data, porque estamos num horizonte temporal muito distante e que todos esperamos ver já numa composição ascendente de negócio. Mas no curto prazo há uma dificuldade maior. A título de exemplo, no ano passado, o congresso mundial da ICCA realizou-se num formato híbrido e multi-hub, ou seja, com várias organizações mais pequenas espalhadas pelas várias regiões do mundo. Esta tem sido a tendência atualmente dos grandes congressos internacionais e dos grandes eventos que se mantiveram e não foram adiados ou cancelados. Portanto, devemos ter uma estratégia de médio e longo prazo, sendo o médio já o próximo ano, de captação internacional, não tenho dúvidas sobre isso, mas no curto prazo será o mercado interno que ajudará à subsistência das nossas empresas da indústria, e aí incluo toda a gente, desde os organizadores, aos venues, à enorme cadeia de fornecedores. Penso que, este ano, a nossa indústria será suportada maioritariamente pelo mercado interno, sem prejuízo de existirem, obviamente, apontamentos internacionais.
Considera que deveria ser criada uma task-force orientada para a captação de congressos e reuniões junto das principais associações e agências internacionais de congressos e reuniões?
Podemos chamar de task force ou outra coisa. Penso que na componente internacional, há claramente uma lacuna. Tem sido feito um bom trabalho de promoção, mas poderia ser ainda melhorado se esta ligação entre, nomeadamente o Turismo de Portugal e a Secretaria de Estado do Turismo, fosse reforçada com o setor privado, principalmente na componente internacional. No caso do turismo de negócios, essa ligação ainda não existe de forma tão forte, também por culpa, entre aspas, do setor privado. O objetivo não é identificar culpados, é identificar formas de trabalhar melhor e gerar mais negócios para o nosso destino e valorizar o nosso destino internacionalmente. Mas noto que há um gap grande, se analisarmos o que se faz já no turismo de lazer com o que se faz no Turismo de Negócios.
Existe vontade dos players do mercado que isso aconteça e de poder haver um movimento nesse sentido?
Acho que a vontade da indústria como um todo, existe. Por vezes esta indústria é tão diversa que, às vezes, é difícil concentrar todos os stakeholders e todos os players. Mas sinto que poderíamos todos e, de uma forma geral, fazer mais se essa representatividade fosse mais conseguida. Estou a dizer que devíamos todos tentar dar o next step. Por exemplo, julgo que capitalizamos pouco o nosso próprio posicionamento dentro da ICCA, que é a maior organização de eventos associativos a nível mundial. Não podemos esquecer que, em 2019, Lisboa ocupava o segundo lugar do ranking da ICCA. Portugal também, como um todo, tem consolidado a presença no top 10 nos últimos anos. Nós, a iniciativa privada, não estamos suficientemente organizados como um todo para garantir esse acompanhamento permanente, daí julgo que há de facto um espaço a percorrer.
No plano Reativar o Turismo, apresentado pelo Ministro da Economia, no passado dia 21 de maio, nas medidas programáticas para gerar no negócio, há uma referência ao Portugal Events. O que é que espera deste plano para o setor dos eventos?
A dotação de verbas para investir na captação e na retoma dos próprios eventos e do turismo é positivo, o que me parece é que as medidas são ainda muito macros. Será necessário esperar pela concretização das medidas para poder ter uma opinião sobre isto. Do ponto de vista do princípio, claro que todos os apoios são positivos. Não nos podemos esquecer que as empresas estão há um ano e meio com uma atividade muito reduzida, para ser simpático, e portanto obviamente as dificuldades do presente são grandes. Mas, acima de tudo, também vai castrar a velocidade da retoma. Portanto, se a indústria, como um todo, conseguir suportar os incentivos à captação e à realização de eventos, isso vai permitir acelerar a atividade. Do ponto de vista do princípio, parece-me muito bem, mas penso que temos de esperar pela concretização destas medidas.
“O nosso interesse é colaborar para valorizar o destino, trazer mais eventos para Portugal, mesmo quando não vêm para a nova empresa, porque entendemos que, com um destino mais forte e uma indústria dos eventos forte, seremos sempre beneficiados, porque somos um key player desta mesma indústria.”
Como tem sido a gestão de recursos humanos durante e a pandemia?
A nossa situação é mais ou menos similar a todos os stakeholders da nossa indústria, a nossa dimensão é que é diferente. Mais uma vez, gosto muito de olhar para a vida das empresas com a timeline que referi. Somos dos setores mais afetados pela pandemia, é factual, mas também logo que a pandemia esteja controlada, também sou otimista por natureza e creio que se as coisas não regredirem, também conseguiremos recuperar rapidamente, no médio prazo. É muito positivo podermos já realizar eventos no último quadrimestre 2021, mas já estamos a focar muito a energia em 2022 e nos próximos anos. Mantivemos toda a nossa estrutura, como trabalhamos com muita antecedência, as equipas comerciais e de acompanhamento de clientes mantiveram-se sempre ativas. Temos recorrido às medidas de apoio à retoma. Como nos inserimos obviamente nas áreas que têm mais de 75 por cento de quebra de faturação poderíamos ter recorrido ao lay off a 100%. À exceção dos períodos completos de lockdown, nunca o fizemos. Fizemos até mais, no ano de 2020, apesar do lay off e do apoio à retoma não compensarem a 100% as pessoas, mantivemos os mesmos níveis de remuneração de todos os nossos recursos humanos, complementando o que não estava coberto pelas ajudas. Porquê? Porque enquanto organização, somos reconhecidos pelo sucesso que alcançámos nos últimos anos e foi muito. Temos que ter esta consciência e posso partilhar consigo. Temos um estudo que fizemos no início de 2020, estávamos a entrar em pandemia. Um estudo que revela que, em média, tínhamos no período pré-pandemia cerca de 150 eventos por ano, o que resulta num impacto direto desses eventos na ordem dos 230 milhões de euros, não considerando os valores das inscrições nesses eventos. Concentrámos esta análise apenas na área metropolitana de Lisboa, nem fizemos extrapolações, porque obviamente que existem eventos que ultrapassam largamente essa situação. Temos noção deste caminho que foi feito nos últimos anos e do sucesso que conseguimos. Por isso é que temos sempre uma posição de muita cooperação com todos os stakeholders da indústria. O nosso interesse é colaborar para valorizar o destino, trazer mais eventos para Portugal, mesmo quando não vêm para a nova empresa, porque entendemos que, com um destino mais forte e uma indústria dos eventos forte, seremos sempre beneficiados, porque somos um key player desta mesma indústria. Esta é muito a nossa visão de negócio. Portanto, isto para dizer que entendemos que nessa timeline de médio prazo que estará por aí a chegar vamos precisar de ter os melhores recursos, da sua melhor disponibilidade e vontade para o mais rapidamente possível compensarmos uma fase que foi muito complicada e continua a ser. Penso que também é facilmente percetível que uma infraestrutura desta dimensão tem exigências de investimento permanente e custos que não são possíveis de reduzir a zero. Portanto, obviamente, neste ano e meio, temos um impacto financeiro muito negativo, mas, se olharmos para a tal timeline a médio prazo, queremos o mais rapidamente possível recuperar estas perdas. Por isso, julgamos que o melhor investimento que podemos fazer é de facto nas nossas pessoas e na preservação da qualidade que achamos que temos.
Com a realização de eventos online e híbridos, o que é que fica da pandemia no futuro?
Julgo que toda esta digitalização que existiu no último ano veio ficar. Não como substituto dos eventos presenciais, mas vejo como algo complementar ao que já se fazia nos grandes congressos. Todos os grandes congressos que recebemos em Lisboa nos últimos anos já tinham uma componente streaming. O que não existia era esta massificação e esta habituação que as pessoas criaram ao mundo digital. Isso deve ser aproveitado. A prazo, o número de eventos vai aumentar ainda mais, porque há de facto circunstâncias e realidades, em que, além dos eventos presenciais, faz sentido adicionar eventos híbridos ou digitais. Globalmente, as associações, as marcas e as empresas vão realizar mais eventos. Mas, também nos eventos que realizam presencialmente, vai ser possível aumentar o alcance desses mesmos eventos. Facilmente posso ter um congresso ou uma conferência nas minhas instalações e ter aqui 20 a 25 mil pessoas, mas posso atingir o mesmo número de pessoas ou mais de forma digital, angariando e criando novas linhas de receita adicionais ao conceito. Vejo que de facto que esta massificação do digital veio para ficar.
Portanto, pelo menos os próximos cinco anos vão ser muito ricos no surgimento de novas soluções que melhorem a experiência de quem quer assistir a algo à distância porque é interessante e não tem que perder uma semana em deslocações e estadias para assistir a uma conferência de uma manhã ou de uma tarde. Acho que tudo isso vai alavancar a prazo ainda mais a indústria.