Transformação digital na hotelaria: mais do que digitalizar, há que mudar mentalidades
Especialmente desde o volver do milénio, a globalização e a digitalização das economias impuseram um novo contexto competitivo ao turismo. Ainda que a pandemia tenha alterado a trajetória, chegam agora sinais positivos que sugerem o retomar do rumo, incorporando novas oportunidades e desafios. O timing pode ser especialmente favorável ao turismo português, se este apostar numa nova fase de desenvolvimento assente no conhecimento, nas qualificações e na inovação.
Para se manterem competitivas, as empresas da fileira tiveram de se transformar através da integração de tecnologias de informação (TI) nos seus modelos de negócios, processos e práticas. Porém, o processo de transformação digital em curso enfrenta resistências que impedem cabal aproveitamento dos seus benefícios e exploração de novos fatores de competitividade – tal como, aliás, demonstrou o estudo sobre as tendências nesta área da iniciativa Hotel 4.0, promovida pela AHRESP. Importa agora resolver estes desafios para aproveitar a onda de recuperação que se vislumbra no horizonte.
O turismo e as TI têm uma relação umbilical
Se é verdade que o turismo foi dos primeiros a abraçar a transformação digital, pelo menos desde a década de 50 do século passado, ultimamente o setor parece manifestar maior dificuldade em acompanhar o ritmo acelerado da digitalização, que tem vindo a alterar profundamente o contexto e as práticas de negócio.
Estas alterações têm tido particular impacto na hotelaria, que demonstra crescente dificuldade em gerir a intensificação da transformação digital. Uma transformação que implica não só a adoção de novas tecnologias para tornar processos mais eficientes, como exige maior proximidade ao consumidor, levando a alterações significativas na proposta de valor e na redefinição do modelo de negócio.
Quer isto dizer que já não basta estar digitalizado, incorporando de modo ad hoc novas ferramentas digitais, mas sim que é preciso tornar digital o núcleo do negócio. Mesmo que a hotelaria se mantenha um negócio de relações, de pessoas para pessoas, é evidente a importância que o digital assume hoje em dia em todas as variáveis, nomeadamente na proximidade.
Curiosamente, a transformação digital na hotelaria pode ter um efeito paradoxal: ainda que necessite de dois recursos bastante escassos – tempo e dinheiro –, pode libertar pessoas – talvez o recurso mais valioso – para se dedicarem à hospitalidade e à criação de experiências únicas para cada hóspede. Neste sentido, teríamos ainda outra consequência: melhorar-se-iam remunerações e condições de trabalho, que permitiriam atrair o talento tão necessário ao desenvolvimento do setor.
Reformular mentalidades para acelerar a transformação
Para que esta transformação digital ocorra é importante que as empresas, sobretudo as de menor dimensão que constituem grande parte do setor, identifiquem as mudanças culturais, organizacionais e tecnológicas necessárias. Sendo verdade que este processo exige adequação a cada realidade, podem ser apontados, no entanto, três desafios comuns:
1.Criar bases sólidas. Uma parte deste mundo novo evolui exponencialmente, tornando o conhecimento adquirido muito rapidamente obsoleto. Para que os empresários abracem a transformação como contínua e vejam na digitalização oportunidades de melhoria e crescimento, é fundamental aumentar a sensibilização. É necessário partilhar mais e melhor informação, divulgar casos de sucesso e expor desafios que aprofundem vantagens e inconvenientes de cada uma das componentes da transformação digital, mostrando que o que está em jogo é muito mais do que incorporação de tecnologia nas organizações.
2.Por outro lado, para fazer face ao défice de digitalização face ao turista, é primordial capacitar e profissionalizar todos os níveis das empresas. Os hoteleiros devem abraçar estratégias mais largas e profundas de transformação digital para que a sua gestão se transforme e inspire a mudança; as equipas precisam de ser dotadas de robustas competências e aptidões digitais e reforçadas com nativos digitais devidamente qualificados. De igual modo, ecossistemas de inovação ricos e vibrantes assumem papel preponderante no desenvolvimento e partilha de novas soluções.
3.Finalmente, uma tripla aposta para acelerar a transformação digital da hotelaria portuguesa. Primeiro, voltar a gestão para o talento humano, as relações com clientes e o desempenho empresarial, não esquecendo criteriosa otimização de recursos. Segundo, inovar através de centricidade no consumidor, que permita descobrir áreas de cocriação de novos serviços, com crescente atenção à sustentabilidade que equilibre o uso de tecnologia com as relações pessoais, à inteligência de negócio com atenção ao pormenor da ultrapersonalização, e ao balanço de utilização e impacto do uso dos recursos naturais. Terceiro, dinamizar redes que façam uso da criação colaborativa e da coopetitividade enquanto fatores críticos de sucesso, robustecendo laços entre diversos agentes no mercado que têm desafios comuns e podem beneficiar de soluções conjuntas.
Existem evidências de uma forte relação entre a adoção de estratégias e ferramentas digitais e o aumento da performance dos negócios. Nesta linha, percebe-se que as unidades hoteleiras integradas em grupos empresariais, mormente se tiverem presença internacional, além de maiores recursos financeiros, têm mais facilidade em incorporar novas tecnologias que permitem robustecer vantagens, descolando das demais. Este contexto cria desafios adicionais a muitas das unidades independentes nacionais que, para prosperarem, não se podem fechar no seu casulo, antes devem integrar redes de cooperação e partilha no seio de dinâmicos ecossistemas de inovação e aproveitar estratégias coletivas para alavancar a sua transformação digital. Vamos fazer acontecer?
Por Luís Ferreira
CEO da Birds & Trees
