Com 16 unidades de alojamento, em oito localizações, a Unlock Boutique Hotels prevê adicionar mais hotéis ao seu portefólio nos próximos seis meses em destinos onde ainda não está presente. Em entrevista ao TNews Miguel Velez, CEO e fundador da Unlock Boutique Hotels, conta como a cadeia enfrentou a pandemia: sem despedimentos e sem atrasos nos salários e no pagamento a fornecedores e com hotéis abertos nos destinos onde estão presentes. A empresa estava capitalizada e isso permitiu “ter fôlego para aguentar este período”.
Como foi o verão para as unidades da cadeia Unlock Boutique Hotels? Melhor que 2020?
Tivemos unidades que trabalharam bem em 2020, e que, em 2021, ainda trabalharam melhor, é o caso de Monverde Wine Experience Hotel, do Sobreiras Alentejo Country Hotel e da Casa Melo Alvim. Tivemos algumas unidades em que o verão correu melhor ainda do que 2020 e 2020 já tinha corrido bem. Temos uma unidade inclusivamente que trabalhou melhor que em 2019, quando comparamos o verão. Depois temos unidades em que o turismo só arrancou mais tarde, nomeadamente Lisboa. O Hotel da Estrela só começou a arrancar em agosto, melhor também do que o ano passado. Mas o arranque não foi forte e foi tardio. O Palacete Chafariz D’el Rei também teve melhor do que o ano passado, e mais interessante que o Hotel da Estrela. A Évora o turismo só chegou em agosto, e acabámos por fazer também um agosto melhor que o ano passado. No acumulado do ano, as unidades ainda estão atrás do que foi o ano de 2020. No entanto, o Villa Termal – Monchique fez um verão melhor e está num acumulado melhor do que o ano passado.
Quais as expetativas até ao final do ano?
O que vemos nesta altura são reservas de última hora para o próprio mês ou para o mês seguinte. Setembro está a correr de forma positiva e outubro julgamos que também vai ser um mês positivo. A grande dúvida que se coloca é entre outubro e março. Acreditamos que o mercado nacional vai continuar a ser resiliente e a produzir, nomeadamente nos short breaks e fins de semana. A grande incógnita é o mercado internacional e como vão comportar-se nestes meses que são, tradicionalmente, meses de época baixa, mas em que acreditamos que os turistas vão ter vontade de viajar. A questão que se coloca é como é que se vai comportar a aviação nesta altura.
Como é que sobreviveram à pandemia? Quais foram as prioridades da Unlock neste período?
A primeira medida que tomámos quando saiu o confinamento, em março de 2020, foi pagar a todos os nossos fornecedores, independentemente da data de validade das faturas. Esse foi o primeiro sinal que quisemos dar no início da pandemia, ou seja, estamos cá, vamos ficar e vamos cumprir as nossas obrigações. A segunda situação é que não despedimos uma única pessoa em nenhuma das empresas, não fizemos algumas renovações, mas não tivemos nenhum despedimento nas nossas unidades. Terceiro ponto, estivemos sempre abertos nas localizações onde temos hotéis. E, em alguns destinos, éramos os únicos que estávamos abertos. Acabámos sempre por ter clientes nos hotéis. Muitas vezes tínhamos um quarto, dois ocupados. O Villa Termal – Monchique, por exemplo, nunca fechou. Em outras localizações onde tínhamos mais de uma opção, aí efetivamente escolhemos uma das unidades para estar aberta, como por exemplo em Évora. Era altura da empresa mostrar que estava presente e foi isso que fez, não tivemos um único atraso, num único pagamento, seja o que for, fornecedores ou salários. E depois estivemos sempre a comunicar que estávamos abertos e sempre a receber hóspedes. Isto foi o que fizemos na gestão da pandemia. Depois aproveitámos para mudar muita coisa, já que estávamos numa altura mais parada, acabámos por rever alguns procedimentos. Depois, como empresa, nunca tínhamos distribuído dividendos, estávamos relativamente capitalizados e isso também nos permitiu ter o fôlego para aguentar este período.
Recorreram a apoios?
Os apoios acabaram por ter uma relevância, naturalmente. Mas só com os apoios não teria funcionado. Os apoios foram importantes, mas não foram significativos para manter uma estrutura como estamos a manter praticamente há dois anos, com dois meses bons aqui, dois meses ali. E, nesta altura, os apoios são diminutos. Por um lado, como nunca tínhamos distribuído dividendos, a empresa estava capitalizada no sentido de poder levar um safanão. Esse sempre foi um cuidado que tivemos, há sempre alturas boas e más, e nós, na altura boa, quisemos amealhar alguma coisa que fosse precisa para a fase seguinte. Apesar de termos recorrido às linhas de apoio, na verdade usámos as linhas em apenas uma empresa. Nas outras, conseguimos ainda não usar as linhas de financiamento. Temos o dinheiro guardado para se for preciso atuar. Com as medidas que tomámos fomos conseguindo sempre ultrapassar as dificuldades. O que posso dizer é que nunca houve um salário atrasado, houve uma pessoa que não recebeu durante alguns meses que fui eu. Todos os colaboradores tiveram o seu salário pago a tempo e horas e é isso que cabe a um gestor, cumprir as obrigações que têm para com os seus colaboradores.
“A primeira medida que tomámos quando saiu o confinamento, em março de 2020, foi pagar a todos os nossos fornecedores, independentemente da data de validade das faturas.”
Tinha a expetativa que na primavera deste ano as coisas já estivessem melhor, mas não aconteceu e a situação agravou-se para os hotéis.
Em março de 2020, preparámos a empresa, para mim estava claríssimo que não era uma questão de dois ou três meses, mas que demoraria um ano. Todas as medidas que tomámos foi nesse sentido de aguentar um ano. Quando chegámos a março, aí sim fomos surpreendidos. Primeiro, por uma vaga no início do ano que ninguém estava à espera, com um confinamento muito mais duro para os hotéis e com menos apoios. Poderia ter sido uma machadada forte, porque um ano de pandemia já era muito tempo, e mais, os hotéis, não foram obrigados a fechar, mas era proibido viajar. O que basicamente me pareceu um contrassenso, estávamos abertos mas não podíamos receber clientes, porque era proibido as pessoas viajarem. No meio disto, fomos sempre acreditando que as coisas iam melhorar e as medidas iam funcionar. Tivemos de aguentar mais um bocadinho. A verdade é que mais uma vez, os acionistas quando são chamados às suas responsabilidade e naquilo que é possível fazer, fizemos. E isso permitiu-nos chegar até agora e com as empresas estáveis.
Agora, esta fase final vai ser muito complicada para o mercado em geral, porque as moratórias acabaram e, para os hotéis, essa situação é muito difícil. Porque se já não há apoios nesta altura, ou são diminutos, numa indústria onde o capital é intensivo e caminhamos para o segundo ano consecutivo com dois ou três meses bons, as coisas podem agravar-se ainda mais no setor. Claro que as expetativas é que a partir da Páscoa as coisas estejam boas, mas vai ser preciso aguentar estes cinco meses.
Durante a pandemia conseguiram manter o portfólio?
Aumentámos o portfólio. Passámos para 16 unidades. Abrimos três unidades neste verão: a RoseGarden House, em Sintra, a Casa da Lavand’eira, no Douro, e reabrimos a Albergaria do Calvário, em Évora. Fizemos estas aberturas em dois meses e meio. Só não abrimos mais unidades, nomeadamente uma outra no Algarve, porque já estávamos em cima do verão e porque não conseguimos encontrar trabalhadores para abrir a unidade.
Antes da pandemia, um terço do capital da Unlock foi comprado pela cadeia hoteleira Newmark Hotels, com sede na África do Sul. Esta estrutura acionista mantém-se?
Mantém-se a abertura da Albergaria do Calvário já tem um investimento da Newmark. Não só mantém-se, como o plano que era investir está a ser concretizado.
Tencionavam criar um fundo de investimento para a aquisição de mais hotéis. Em que fase se encontra essa intenção?
Essa intenção já passou à prática com o primeiro investimento parcial na Albergaria do Calvário. A Albergaria do Calvário foi adquirida por duas entidades, uma delas ligada à Newmark, outra delas ligada ao Adrian Bridge, o outro sócio. Estão a ser analisados outros ativos a nível nacional e até internacional, ligados ao plano da Newmark. O plano mantém-se exatamente como estava, agora se a figura é um fundo, ou outra, dependente do ativo.
A Unlock Boutique Hotels nasceu com uma base de gestão de boutique hotéis até 120 quartos, é expectável que possam vir a gerir hotéis de maior dimensão?
Temos estado sempre muito focados nos hotéis boutique. O nosso produto é para os hotéis boutique. O que fizemos foi criar uma estrutura de uma cadeia grande e aplicámos a uma cadeia boutique, dando sinergias ao nível das vendas, do marketing, do controlo de gestão, de compras. Não temos qualquer plano nesta altura para alterarmos o nosso segmento, onde somos os únicos, onde somos competitivos e diferenciadores.
Durante a pandemia, notaram uma maior procura de hotéis pela cadeia Unlock Boutique Hotels?
Desde a fundação, nunca tivemos grande ligação aos chamados distressed assets (hotéis em dificuldade), porque nunca aconteceu. Aquilo a que estamos muito ligados são a investidores nacionais ou internacionais, a empresas que têm outro core business, querem entrar na hotelaria e precisam de alguém que lhes faça a gestão porque não se querem dedicar à hotelaria. Temos tido muitos pedidos, mais de um por semana, todas as semanas temos reuniões com novos hotéis, novos investidores, grupos. É constante. A crise acelera esta necessidade. Esta crise mostra que, para hotéis completamente independentes, é muito difícil sobreviver. Temos sido muito seletivos nas unidades e com quem trabalhamos. Gostamos de trabalhar com proprietários que entendam o que é a Unlock, a qualidade dos produtos da Unlock, o serviço que temos de prestar, a relação que existe entre as nossas equipas e os proprietários. No verão tivemos que dizer que não a algumas unidades, tínhamos interesse, mas não conseguimos naquela altura fazê-lo.
O que preveem em termos de crescimento nos próximos seis meses/um ano?
Prevemos mais unidades, estamos a negociá-las em localizações onde ainda não estamos presentes. Temos sido muito abordados por unidades internacionais, nomeadamente por Espanha. Temos muitos convites para ir para Espanha, mas não só.
Porquê Espanha?
Não há tantas empresas de gestão de hotéis boutique. Um hotel com 400 quartos dá muito menos trabalho do que gerir cinco ou seis hotéis, em que cada um tem a sua personalidade, características e estratégia de preço. Não somos uma empresa de gestão de hotéis, somos uma cadeia de hotéis da qual gerimos hotéis. O que existe são empresas que gerem hotéis, que não têm uma marca umbrela, ou são hotéis em stress ou não têm uma orientação para hotéis boutique.
É expectável em 2022 integrarem um hotel internacional?
Já foi possível várias vezes. Por vários motivos, temos querido concentrar-nos em Portugal, mas as abordagens têm sido várias e grupos muito interessantes. Aquilo que fizemos em Monverde, na Casa Melo Alvim é reconhecido no mercado. Temos convites quer para hotéis de cidade, quer para hotéis de campo.
Que novidades apresentam os hotéis do portfólio?
Abrimos a primeira parte da Casa da Lavand’eira, agora vamos abrir um novo produto. Vai ser uma super abertura, em novembro. Um produto único em Portugal. Não posso adiantar mais.
“os hotéis a caírem é uma oportunidade para os fundos abutres virem cá comprar barato”
Que mudanças na hotelaria estima que perdurem depois da pandemia?
Os hotéis boutique a nível mundial vinham a aumentar a sua importância, daí que as marcas internacionais queiram ter marcas de hotéis boutique ou associar-se a hotéis boutique. Aquilo que a pandemia veio trazer, isso é claríssimo, é que os hóspedes preferem hotéis boutique. Preferem muito mais do que estar a tomar um pequeno-almoço numa sala com 400/500 pessoas. Há cada vez uma maior procura, que já havia. Como tendência, os hotéis boutique vão ganhar muito peso, ainda maior peso do que já tinham. A segunda alteração é que as pessoas vão querer dispersar mais, estar mais ao ar-livre, há uma preocupação grande para aproveitar os espaços exteriores, mesmo com o pior tempo, vai haver uma maior procura. Por fim, estou certo que o turismo vai ter um incremento ainda mais forte do que teve anteriormente, porque houve poupança, provou-se que é possível poupar em alturas de crise. A nível global vamos assistir a um Portugal bastante forte no próximo ano, com o retomar dos voos. A aviação é a grande questão.
Que desafios enfrenta no imediato a hotelaria?
As moratórias são o maior desafio de todos. Podemos ver isto como uma oportunidade: os hotéis a caírem é uma oportunidade para os fundos abutres virem cá comprar barato ou para investidores. Não acho que seja bom que isso aconteça. Preferia que os hotéis ficassem na mão de quem os fez, construiu e de quem gosta de os trabalhar. Embora para a Unlock possa ser uma oportunidade, porque os fundos abutres não vão abrir hotéis, preferia que o mercado tivesse um outro tipo de acompanhamento. Penso que apesar das regras serem não haver moratórias para os hotéis e restauração, temo que com o terminar do verão – estamos a ver isso, fomos contactados por uma entidade que tem 90 hotéis à venda – as coisas vão ganhar uma dimensão mais complicada. Carecem medidas de apoio às moratórias, sejam as medidas que forem, porque os hotéis vão estar cinco meses outra vez numa época baixa.
Depois de dois anos com quebras de 50% ou mais de negócio, só grandes profissionais é que conseguem aguentar as empresas nestas alturas. Mas carece, efetivamente, de se olhar para o setor de outra forma, nomeadamente com alguns apoios fiscais.
“Fomos contaCtados por uma entidade que tem 90 hotéis à venda – as coisas vão ganhar uma dimensão mais complicada.”
A falta de recursos humanos também é um problema?
A mão de obra neste momento é dramática. Não há mão de obra, é tão simples quanto isso. Todos nós conhecemos hotéis e restaurantes que não abriram, porque não havia mão de obra. É dramático. Vemos taxas de desemprego, se contar as histórias, são inacreditáveis, desde lugares de direção, com salários altos, que aceitam num dia e no outro dia escrevem-nos um email a dizer: “Estou no subsídio de desemprego, afinal já não quero ir”. A situação neste momento é muito difícil. Não há turismo sem profissionais. Vão ter que ser tomadas medidas muito sérias relativamente a isso. Não é só no turismo que isto se passa, todos os setores se estão a queixar da mesma coisa, que não há profissionais que queiram trabalhar. É evidente que tem de se apoiar quem precisa, mas é evidente que há um aproveitamento muito grande disto. Andamos pelas esplanadas e pelas praias e está tudo cheio, não conseguimos ninguém para trabalhar. Alguma coisa está errada.
“A mão de obra neste momento é dramática. Não há mão de obra, é tão simples quanto isso. Todos nós conhecemos hotéis e restaurantes que não abriram, porque não havia mão de obra.”
Como contornam essa situação?
Com aqueles que trabalham, vestindo muito a nossa camisola e a camisola dos nossos clientes. Tem sido extremamente difícil, porque as pessoas pura e simplesmente não aparecem de um dia para o outro. Queremos contratar profissionais, seja pelo valor que for, não há. Não há no housekeeping, na receção. E não é uma questão de valor. Queremos empresas de extras e não há empresas de extras praticamente. Aquelas empresas que existiam, deixaram de existir. Hoje essas empresas não voltaram ao mercado, porque não têm onde ir buscar pessoas, porque está tudo nos subsídios. Esta realidade é conhecida, as pessoas podem querer ou não falar. O ponto é que se as empresas não produzirem vamos ter um problema gravíssimo. Isto acontece, repito, no turismo, nos hotéis, na restauração e em muitos outros setores. Há que tomar medidas muito urgentes para que as pessoas sejam incentivadas a trabalhar. Na minha perspetiva, quer a baixa transversal de IRS, quer a baixa de IRC são importantes. Porque o que acontece é que as empresas têm enormes custos com os salários dos trabalhadores e os trabalhadores levam muito pouco para casa. Essa é a verdade. Num salário normal, a empresa tem de pagar 23,75% ao Estado mais 11% de Segurança Social. Efetivamente aquilo que os trabalhadores levam para casa não corresponde àquilo que ganham. Esse é um dos pontos chave. Esta mensagem é muito importante que seja passada, não são as empresas muitas vezes que pagam mal, os impostos retiram dinheiro líquido às pessoas. Esse é o problema.