“Em todo o livro há uma viagem”
3. Diário de “Bordo”
Estávamos em 1960. O arquiteto portuense Fernando Távora, com 36 anos de idade, recebia o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian para uma viagem de estudo por diversos países em quatro continentes.
Távora diplomara-se pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto, em 1952, tendo-se tornado assistente daquela Escola. Entre 1948 e 1956 tinha trabalhado na Câmara Municipal do Porto. Ele fora, ainda, um dos mentores do “Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal”, resultante do I Congresso dos Arquitetos Portugueses (1948). Exercia no norte do país e já projetara um bloco de habitação na Avenida do Brasil no Porto, o Bairro Social de Ramalde, um pavilhão de ténis e os arranjos exteriores na Quinta da Conceição em Matosinhos, o Mercado Municipal de Santa Maria da Feira, uma casa de férias em Ofir e a Escola Primária do Cedro em Vila Nova de Gaia. Era respeitado em termos profissionais e académicos. No seu escritório, já estagiara o seu aluno Álvaro Siza Vieira, o arquiteto que faria com o “Mestre” a revolução do ensino na chamada “Escola do Porto”, com base nas referências modernistas internacionais como também na forte tradição construtiva portuguesa.
De 13 de fevereiro de 1960 a 12 de junho do mesmo ano, Fernando Távora regista, em dois cadernos, olhares, conversas e avanços na arquitetura internacional. Visitou os Estados Unidos, México, Japão, Paquistão, Tailândia, Egito e Grécia, com um traço comum: para lá do cansaço que o ia afetando consoante os dias passavam, denota-se um constante desejo de conhecer e compreender – “Desejo assente no prazer de viver e no culto da relação entre o eu e os outros, esplendorosamente espontâneos em Fernando Távora”, segundo palavras no prefácio de Siza. O seu Diário de “Bordo” tem um conjunto de desenhos, textos e outros materiais que traduz uma obra compósita. O primeiro volume reproduz em fac-símile o diário à escala 1/1 e a reprodução em escala reduzida de todos os desenhos do Caderno A e do Caderno B. No segundo volume, está contido o estabelecimento de texto do manuscrito e, numa secção final, são transcritas as notas que acompanham os desenhos de viagem.
Desenhos em perspetiva ou em pormenor, apontamentos escritos e esquemas, que contam o essencial de cada estada.
Este conjunto é um instrumento fidedigno das opções do arquiteto durante esta viagem na sua totalidade. Textos introdutórios ajudam à compreensão dos registos de Távora, dão o mote à obra e oferecem uma panorâmica global sobre a viagem e os documentos que compõem o Diário de “Bordo” – uma viagem que faz parte das bases concetuais do que viria a ser a obra de um dos mais importantes arquitetos portugueses.
Não há arquitetura sem viagem, digo eu.
Por Jorge Mangorrinha, Pós-Doutorado e Professor em Turismo
*O autor escreve todos os meses sobre um livro à escolha
** Próxima obra: Maria de Lourdes Modesto – Cozinha Tradicional Portuguesa
Ver também:
A Biblioteca de Jorge Mangorrinha: Teoria da Viagem, de Michel Onfray
A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne