Nos últimos anos, algumas instituições de ensino superior portuguesas registaram uma queda significativa no número de alunos inscritos para 2025. Face a este desinteresse, o TNews falou com quatro estudantes universitários, que partilharam as principais medidas que, na sua perspetiva, deveriam ser implementadas para inverter esta tendência.
Carga horária e salário. O que leva a este desinteresse?
A nível geral, os alunos universitários concordam que este desinteresse é motivado pela excessiva carga horária e pelos baixos salários.
Para Ana Rita Soares Morais, do 3.º ano da Licenciatura em Gestão Hoteleira da Universidade do Algarve, este desinteresse deve-se a fatores como o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, algo cada vez mais valorizado pelas novas gerações.
Margarida Adegas, do 3.º ano da Licenciatura em Gestão de Turismo do Isla Gaia, considera que as novas gerações estão “a focar-se demasiado na relação entre a carga horária e o salário”. “O setor do turismo exige muitas horas de trabalho, que nem sempre são bem compensadas financeiramente”, disse Margarida, sublinhando que o número de horas realizadas “não é proporcional ao salário apresentado no setor”. A aluna afirma que a falta de informação também é um problema: “Muitos são os jovens que acreditam que o turismo se resume apenas a hotéis e agências de viagens, quando, na verdade, é um setor muito diversificado.”
Na mesma linha, Anna Sousa Pereira, licenciada em Turismo e Gestão Hoteleira pela Universidade Europeia, acredita que horários irregulares e salários médios estão a contribuir para este desinteresse. Por outro lado, acrescenta, “há estudantes que escolhem o curso de turismo apenas por ser considerado fácil e por lhes dar um diploma”.
Por sua vez, Filipe Antunes Crisóstomo, do 3.º ano da Licenciatura em Gestão Hoteleira da Universidade Europeia, identifica a questão salarial como um dos maiores motivos para este desinteresse. “É difícil manter a paixão quando, após anos de estudo e dedicação, o reconhecimento financeiro e pessoal é tão reduzido.”
“Muitos são os jovens que acreditam que o turismo se resume apenas a hotéis e agências de viagens, quando, na verdade, é um setor muito diversificado”
Margarida Adegas, do 3.º ano da Licenciatura em Gestão de Turismo do Isla Gaia
Os professores também estão a contribuir para este desinteresse?
Ana Rita Soares Morais não considera que os professores estejam a contribuir para este desinteresse, afirmando que os mesmos estão sempre disponíveis a colaborar e que “procuram ativamente adquirir novos conhecimentos”.
Margarida Adegas, por outro lado, assegura que o seu interesse “foi favorecido pela qualidade dos docentes”, embora, em certos casos, sentisse a falta de motivação por parte de alguns professores.
Anna Sousa Pereira diz que há professores que se focam demasiado “nos seus próprios feitos” e apresentam a matéria de forma teórica, o que não considera adequado para cursos tão práticos como estes.
Filipe Antunes Crisóstomo partilha da mesma opinião de Anna quando diz que “há docentes que se prendem demasiado ao passado, recorrem apenas à teoria e não mostram abertura para ouvir os estudantes ou acompanhar a evolução real do setor”.


Como pode o setor inverter esta tendência?
Ana Rita acredita que o aumento do interesse entre os jovens não depende apenas de mudanças nas instituições de ensino superior, mas também nas entidades empregadoras. Estas, continua, “devem adotar diversas estratégias que tenham como prioridade valorizar os próprios colaboradores e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”.
Na opinião de Margarida Adegas, os institutos universitários deveriam convidar profissionais do setor para apresentar casos reais do mundo do turismo, de forma a desafiar os alunos a avaliarem o impacto – positivo ou negativo – que estes poderão ter no setor.
Anna Sousa Pereira sugere cursos mais práticos, como a criação de um alojamento local ou o lançamento de concursos onde os estudantes pudessem submeter projetos, acompanhar o seu desenvolvimento e ver essas ideias concretizadas com a ajuda de parceiros. Além disso, a aluna gostaria que os próprios estudantes criassem iniciativas semelhantes a um Web Summit, mas dedicado ao turismo e à gestão hoteleira, onde apresentassem ideias e soluções inovadoras.
Por último, Filipe Antunes Crisóstomo reconhece que algumas instituições precisam de “mudanças profundas no ensino”. O estudante universitário propõe estágios reais na fase inicial, maior contacto direto com as empresas do setor, utilização de role-plays que desenvolvam autonomia e confiança, bem como mais disciplinas orientadas para a liderança, o marketing digital, a tecnologia e as relações humanas. Destaca ainda a valorização do sistema de ensino assente nos chamados “hotéis-escola”. Filipe explica que se trata de um modelo “extremamente produtivo”, porque alia a teoria à prática de forma contínua e imersiva, permitindo ao estudante aprender em contexto real, desenvolver competências técnicas e comportamentais, e ganhar uma noção clara das exigências da profissão.
“Não basta introduzir ferramentas tecnológicas ou digitalizar trabalhos para dizer que o ensino está moderno. Uma melhoria importante seria facilitar o ensino online, especialmente para alunos com estatuto de trabalhador-estudante”
Anna Sousa Pereira, licenciada em Turismo e Gestão Hoteleira pela Universidade Europeia
A formação atual prepara os estudantes para os desafios reais do setor?
Na perspetiva de Ana Rita, a formação atual prepara os estudantes para os desafios reais do setor. Para a aluna, a proximidade com o mercado, proporcionada pelos docentes, “permite-nos ter a capacidade e visão de entender a ligação entre os conceitos teóricos e práticos”.
Margarida Adegas concorda com Ana Rita, uma vez que diz que a formação no setor do turismo e da hotelaria está de acordo com as tendências atuais.
Anna Sousa Pereira, por outro lado, considera que os cursos precisam de ser atualizados de forma mais profunda. “Não basta introduzir ferramentas tecnológicas ou digitalizar trabalhos para dizer que o ensino está moderno”, afirma, sublinhando que uma melhoria importante “seria facilitar o ensino online, especialmente para alunos com estatuto de trabalhador-estudante”.
Sobre este tema, Filipe Crisóstomo reforça a urgência em expandir o modelo de “hotel-escola” em Portugal, acrescentando que “aprendemos muita teoria, mas ao chegarmos aos hotéis deparamo-nos com diferenças significativas”. Para o aluno, existe falta de reconhecimento, equipas sobrecarregadas e mal pagas, ausências de mentoria e uma distância significativa entre aquilo que é ensinado e o que realmente é exigido no terreno.


“É importante mostrar que o setor do turismo e da hotelaria são áreas dinâmicas, com oportunidades de crescimento”
Ana Rita Soares Morais, do 3.º ano da Licenciatura em Gestão Hoteleira da Universidade do Algarve
Qual é a melhor forma de comunicar estes cursos diante as novas gerações?
Para Ana Rita, as instituições de ensino deveriam apostar numa comunicação mais próxima à realidade e alinhada com o interesse dos jovens. “É importante mostrar que o setor do turismo e da hotelaria são áreas dinâmicas, com oportunidades de crescimento”, disse, referindo que, se tivesse de promover os cursos diante as novas gerações, destacaria elementos como a proximidade, as oportunidades de trabalho, o possível crescimento profissional e a facilidade de mobilidade interpaíses proporcionada pelo setor.
Já Margarida Adegas considera que as redes sociais representam o meio mais eficaz para chegar a futuros estudantes universitários. Para isso, a estudante universitária acredita que um storytelling de antigos alunos pode ser um bom aliado. Além disso, sugere que as instituições de ensino invistam numa divulgação atrativa e criativa nas redes sociais, capaz de captar a atenção daqueles que vão iniciar o seu percurso universitário.
Anna Sousa Pereira diz que, quando um curso é bom, a melhor forma de promoção é o passa a palavra. Por outro lado, acrescenta, o excesso de marketing “transmite quase uma ideia de desespero em angariar alunos”. Para a estudante universitária, as redes sociais podem ser “muito úteis”, mas numa vertente mais genuína, com a publicação de vídeos descontraídos ou atividades de convívio. “Outra ideia simples, mas eficaz, seria oferecer um welcome kit aos novos estudantes, algo que marcasse positivamente a sua chegada”, refere.
Já Filipe Crisóstomo observa que a maioria das comunicações por parte dos estabelecimentos de ensino tende a ser demasiado genérica, transmitindo a ideia simples de que “somos uma universidade, temos cursos e inovamos”. Para o estudante, a comunicação precisa ser disruptiva, baseada em histórias reais e humanizadas, com experiências de alunos ou trajetórias de ex-alunos. Filipe considera que a comunicação deve destacar elementos como a multiculturalidade da formação, o sucesso do “bem-receber português”, a empregabilidade internacional e as experiências práticas que os alunos realmente podem viver.
“Projetos de imersão, visitas ao setor, apresentação de resultados tangíveis e testemunhos autênticos nas redes sociais são ferramentas poderosas para revitalizar a atratividade não só dos cursos, mas de todo o setor junto das novas gerações”, afirma, lembrando que é essencial “comunicar com honestidade”. Ou seja, mostrar os desafios, mas evidenciar também a oportunidade de marcar a diferença, de criar momentos únicos e de liderar a transformação do setor.
“A comunicação precisa ser disruptiva, baseada em histórias reais e humanizadas, com experiências de alunos ou trajetórias de ex-alunos”
Filipe Antunes Crisóstomo, do 3.º ano da Licenciatura em Gestão Hoteleira da Universidade Europeia
Sofia Almeida sublinha três aspetos essenciais que mudaria no sistema de ensino
Para ter uma visão mais abrangente sobre este tema, o TNews falou com Sofia Almeida, coordenadora científica da área de Turismo e Hospitalidade da Universidade Europeia.
Sofia Almeida afirma que a diminuição de candidatos resulta de uma conjugação de fatores: o declínio demográfico em Portugal, a perceção de que algumas áreas de estudo têm menos empregabilidade e a crescente procura por experiências de aprendizagem mais flexíveis e personalizadas.
Para inverter esta tendência, a docente sublinha que será essencial reforçar a ligação entre o ensino superior e o mercado de trabalho, apostar em programas inovadores, bilingues e digitais e criar maior atratividade internacional.
Posto isto, Sofia Almeida disse que mudaria três “aspetos essenciais” no modelo de ensino português. O primeiro tem a ver com a introdução de metodologias ativas. A profissional acredita que o sistema de ensino em Portugal precisa de mais projetos reais, aprendizagem baseada em desafios e trabalho interdisciplinar em parceria com empresas e instituições. O segundo aspeto prende-se com a integração tecnológica, o uso de inteligência artificial e a criação de laboratórios digitais e de ferramentas interativas que potenciem a aprendizagem e a criatividade. Por fim, “a capacidade de desenvolver uma estrutura que permita flexibilidade e personalização”, ou seja, percursos mais modulares, híbridos e internacionais, que permitam ao estudante adaptar o seu caminho académico às suas aspirações e necessidades.







