O Aeroporto de Lisboa enfrenta sérios desafios logísticos, especialmente no que diz respeito às limitações de slots e à crescente concorrência no mercado. Esta situação tem impactado diretamente a operação turística, criando obstáculos importantes para os operadores. Em entrevista, Nuno Mateus, diretor-geral da Solférias, discute como a capacidade restrita do aeroporto e o aumento da oferta aérea têm afetado as operações da empresa.
O Aeroporto de Lisboa é um dos grandes desafios para a operação turística, especialmente em relação à obtenção de slots. Como foram os desafios logísticos neste verão? Houve alguma melhoria ou novos obstáculos?
Infelizmente, sentimos cada vez mais dificuldades com o Aeroporto de Lisboa. É evidente que o aeroporto tem uma capacidade limitada, que foi atingida há muito tempo, e continuamos a discutir quando é que a construção do novo aeroporto vai começar. Toda a gente sabe que o novo aeroporto é fundamental, mas não sei se os nossos governantes têm plena noção dos entraves que estão a colocar ao desenvolvimento do turismo em Portugal.
A verdade é que a Solférias tem muito mais voos charters a partir do Porto, que tem conseguido sustentar o aumento de capacidade. Em Lisboa, o que eu espero é que a situação continue a piorar. Não tenho uma visão positiva em relação ao futuro do Aeroporto de Lisboa, porque há cada vez mais companhias a voar para Portugal anualmente. Compreendo que, do ponto de vista do negócio, uma companhia que voa regularmente tem prioridade sobre quem voa apenas durante três meses. Portanto, não se espera nada de bom para o turismo à partida do Aeroporto de Lisboa.
Por isso, temos de apostar fortemente na programação de voos charters e garantir um grande número de lugares acordados com as companhias aéreas em voos regulares, para tentar equilibrar esta situação.
O crescimento dos charters em Lisboa está muito limitado?
A tendência dos charters em Lisboa é para diminuir e não é por vontade nossa, mas porque os slots não vão a ser aprovados. Essa é a grande dor de cabeça de todos os operadores: saber o que vai acontecer à nossa programação. A verdade é que temos charters durante quatro meses: junho, julho, agosto e setembro, quando há realmente uma grande intensidade de procura. Entretanto, com o aumento das grandes companhias aéreas, algumas que começaram agora e outras que voltaram em 2024, todas com uma programação anual (e alguns não voando diariamente, mas com esse objetivo). Isso vai criar grandes dificuldades para a operação turística em Lisboa.
Cabo Verde
“Faltam camas em Cabo Verde, neste momento”
Como é que a entrada da easyJet na rota Lisboa/Porto-Ilha do Sal pode impactar a operação e a competitividade da Solférias neste destino? Vêem isso como uma ameaça ou uma oportunidade para diversificar ainda mais as ofertas?
A entrada da easyJet, naturalmente, vai aumentar a competitividade dos preços. Aliás, foi o mesmo que aconteceu na Madeira. Não tenho nada contra o aumento da oferta aérea. O problema, na minha perspetiva, é que Cabo Verde enfrenta um problema complicado de resolver, que é a capacidade hoteleira estar no seu limite. Por exemplo, no caso do Sal, temos charters, a TAP tem, creio, nove voos semanais, há voos da Cabo Verde Airlines, e no inverno os índices de ocupação de Cabo Verde são ainda mais elevados. Por vezes esquecemo-nos, mas a verdade é que Portugal é apenas o quarto mercado que mais viaja para Cabo Verde. Portanto, já estamos no limite, e para colocar mais voos, é preciso ter alojamento, e eu não vejo onde é que isso está. Já garantimos muitas camas para salvaguardar as nossas necessidades e, sinceramente, é algo que não consigo prever como será resolvido.
Para a Solférias, isso não tem impacto?
Vamos continuar com a nossa operação. Aliás, vamos começar agora com voos charters do Porto com a TAP. Este ano, a TAP vai voar diretamente durante o inverno para a Ilha do Sal, numa operação que temos em conjunto com os nossos parceiros habituais, a Soltrópico e a Abreu. O voo é partilhado entre os três operadores, e mantemos o nosso voo direto.
Portanto, vai haver muitos mais voos de Lisboa e do Porto, mas o problema é a falta de camas, e essa é a dificuldade para o operador. Tentamos conciliar os lugares disponíveis nos voos com o alojamento.
Não têm problemas em contratar alojamento, por enquanto?
Há problemas em contratar alojamento. Por isso é que digo: a única coisa que pode acontecer é que, com a competitividade, as tarifas aéreas tendem a baixar, o que pode ser uma mais-valia, pois permite preços mais acessíveis nos pacotes. O nosso sistema é dinâmico e ajusta-se automaticamente às tarifas aéreas disponíveis.
Mas isso quer dizer que os preços podem baixar para Cabo Verde?
Em termos de tarifa aérea, sim.
E no global, no pacote turístico?
Os hotéis não vão mexer nos preços. O nível tarifário dos hotéis em Cabo Verde deverá permanecer mais ou menos igual. A diferença será, como disse antes, na parte aérea. Foi o que aconteceu na Madeira: num determinado momento, os preços estavam muito altos, mas com a entrada de mais uma companhia aérea, as tarifas desceram, enquanto os hotéis mantiveram os preços. Até que houve uma estabilização e os preços voltaram a subir. No caso de Cabo Verde, faltam camas, neste momento. Não tenho dúvidas de que algumas unidades novas serão inauguradas em 2025, o que ajudará, mas não será suficiente para fazer uma grande diferença.
Com o mercado em constante evolução, há planos para novas parcerias ou colaborações estratégicas para o próximo ano?
A Solférias é parceira de todos e continua, e continuará, a ser uma empresa independente. Não estamos conectados a nenhum grupo, mas mantemos uma excelente relação com todos. A dimensão do mercado português não nos permite outra forma de atuar. Valorizamos muito os nossos parceiros, e creio que praticamente todos os operadores fazem o mesmo. Aqueles que estão mais conectados a grupos têm outra dinâmica, mas, no nosso caso, é diferente. A nossa independência é para ficar, e assim pretendemos continuar.
Há muitos anos que partilhamos voos charters com outros operadores, e temos uma boa relação com todos eles, o que é algo que valorizo muito. Penso que Portugal ganhou bastante com essa colaboração. A relação entre os operadores nacionais é exemplar, algo que não vejo em muitos países. Essa cooperação beneficia todos, porque o nosso mercado é pequeno. Se cada operador tivesse o seu charter, isso resultaria em prejuízos e, eventualmente, voos cancelados, o que diminuiria a oferta.
Portanto, as parcerias estratégicas entre operadores são comuns e algo que fazemos regularmente. Temos parcerias com praticamente todos. Quanto à independência, referia-me sobretudo às agências de viagens. As agências têm uma dinâmica própria que nós não dominamos. O nosso ADN é criar produto para as agências de viagens, que são os nossos maiores aliados. Sem elas, não sobreviveríamos, isso é claro. Por isso, tudo o que fazemos em termos de formação, desenvolvimento tecnológico, lançamento de novos destinos, é para fornecer ferramentas que acrescentem valor aos agentes de viagens.
“A Solférias é parceira de todos e continua, e continuará, a ser uma empresa independente”
Quais são as expectativas da Solférias para o próximo ano?
Acho que temos sempre ser otimistas, mas de forma moderada. Sabemos que o nosso mercado é diferente e díficil, devido à sua dimensão. Quando olhamos para as estatísticas e vemos que cerca de 900 mil portugueses viajam, sendo que a maioria permanece na Europa, percebemos que o nosso nicho é relativamente pequeno. Continuo a acreditar muito no nosso projeto, sobretudo pela sua diversidade e pelo facto de estarmos sempre a planear – porque, sejamos claros, o que está a acontecer no aeroporto de Lisboa é um grande problema para todos os operadores portugueses. Como podemos crescer se o principal aeroporto do país não nos permite, talvez, sequer manter todas as operações? Esse é o desafio que enfrentamos, por isso precisamos diversificar a nossa programação.
Ainda acredito que podemos crescer em 2025, mas os anos apresentam crescimentos diferentes. Não acredito que será um ano de grandes crescimentos, tenho sérias dúvidas. Se o aeroporto de Lisboa permitisse, certamente a Solférias teria mais do que três ou quatro charters, talvez até uma dúzia, o que faria uma grande diferença. Há destinos que são, claramente, as principais opções dos portugueses. Muitas vezes, outros destinos só ganham espaço quando esses principais se esgotam, e, por isso, sofrem pelas limitações do aeroporto de Lisboa.
Como por exemplo? Que destinos é que podiam crescer?
Há vários. A Tunísia poderia crescer; aliás, em Lisboa, tudo pode crescer. O Egito também tem potencial. Preferimos operar no aeroporto do Porto do que em Beja, como já nos foi sugerido. Beja não é uma solução viável. Recentemente, vi alguém de uma companhia aérea regular a mencionar Beja, e ninguém quer operar lá porque, logisticamente, não é viável. O Porto, por outro lado, tem sido confortável para os operadores. Antigamente, havia grande dificuldade em comercializar saídas do Porto na zona Centro, mas os tempos mudaram. De Leiria para o norte, nem se discute: há cada vez mais turistas que vivem na Grande Lisboa a irem até o Porto, sem qualquer tabu. Quando queremos muito viajar para um destino, a prioridade é qual a melhor opção de viagem. Além disso, há pessoas que partem de Madrid. Se conseguem ir até Madrid, também podem ir ao Porto, sem dificuldades. A minha maior preocupação é o dia em que o aeroporto do Porto também atinja o seu limite.
E o excesso de oferta no mercado, que acaba por puxar os preços para baixo, não é preocupante?
O excesso de oferta é cíclico, já passámos por várias fases desse tipo. Há momentos em que todos pensam que vão crescer indefinidamente, e depois corre mal. Quando isso acontece, no ano seguinte, o mercado acaba por se reequilibrar. Não me preocupo muito com isso, porque se alguém tiver a capacidade de andar a passear em aviões vazios, terá o seu futuro traçado. As coisas tendem a regular-se naturalmente.
Bolsa de Turismo de Lisboa
Como será a presença da Solférias na BTL 2025?
A Solférias estará presente individualmente.
Já pensaram em que moldes será a vossa presença?
De quarta a sexta-feira, estaremos presentes na parte profissional. O sábado e o domingo não nos atraem tanto, mas somos obrigados a manter o stand aberto. Encontraremos uma solução equilibrada para esses dias, mas ainda não temos nada definido. Naturalmente, sinto uma certa tristeza, pois tudo será diferente. Acho que o stand da APAVT unia o trade, num momento muito especial, e agora tudo estará mais dividido. Mas, claro, estaremos presentes.
Esta mudança não é positiva?
Sinceramente acho que não, vai tornar tudo mais individual, porque a grande mais-valia do stand da APAVT é que permitia que, quem quisesse estar presente, podia estar porque era algo acessível. Hoje em dia não é acessível. Não tenho dúvidas que há muitas empresas, agências e operadores que estiveram presentes no passado e que não vão ter capacidade para estar presentes no futuro e, portanto, torna o setor menos forte. Uma coisa são as agências de viagens, que estão presentes para vender, o nosso core é estar presentes para os agentes de viagens. Com um stand coletivo era fácil, estávamos todos juntos, porque, enquanto o agente de viagens está a aguardar a sexta, sábado e domingo, que é o seu momento, o nosso momento é o convívio quarta, quinta e sexta-feira com agências e com parceiros que vêm de Portugal ou de outros países. Portanto, para o operador, o futuro desenho da feira é pior.