Nos dias 28 e 29 de maio, Portalegre será palco do congresso internacional HART – Heritage Adaptive Reuse in Tourism, uma iniciativa inovadora que promete reunir especialistas nacionais e internacionais para debater a reutilização adaptativa do património no contexto do turismo. Organizado pelos docentes e investigadores do Instituto Politécnico de Portalegre João Estêvão e Eva Milheiro, este evento visa discutir a regeneração e valorização do património cultural e industrial da cidade, ao mesmo tempo que posiciona Portalegre como um destino turístico sustentável.
Em entrevista ao TNews, os dois coordenadores do congresso partilham as motivações por trás da criação do evento, a escolha dos espaços históricos que irão acolher as conferências e workshops, bem como as expectativas em relação ao impacto que o HART poderá ter para o futuro turístico da cidade e da região do Alto Alentejo.
O congresso HART reúne especialistas internacionais e locais sobre o tema da reutilização adaptativa do património. Como surgiu a ideia para este evento e qual é o objetivo principal por trás da sua realização em Portalegre?
João Estêvão (JE): Tal como em outros países, até há relativamente pouco tempo certas localidade e regiões de Portugal não priorizavam o turismo como atividade económica de importância estratégica. Em boa parte, porque eram detentoras de outras atividades económicas e porque estas eram dificilmente compatíveis com a atividade turística. Tal era o caso de Portalegre. É inegável que o concelho detém património cultural de exceção, de que é exemplo o facto de ter sido em tempos conhecida como a cidade dos sete conventos, assim como natural, sendo um caso eventualmente único de uma capital de distrito que está dentro dos limites de um parque natural. Porém, o facto de esta ter sido até há poucos anos uma cidade eminentemente industrial, terá muito possivelmente relegado a sua afirmação como destino turístico para segundo plano.
Eva Milheiro (EM): ao contrário de outros municípios, inclusive seus vizinhos, em que o turismo constitui desde há muito a principal atividade económica, muito por falta de outras alternativas de desenvolvimento, Portalegre não criou e consolidou uma marca-destino forte e distintiva. Após o recente declínio da sua atividade industrial, comum a quase todo o interior do país que a detinha, Portalegre passa a olhar para o turismo como uma das alternativas mais válidas para o seu desenvolvimento económico. Assim, uma vez que, atualmente, os destinos turísticos se afirmam cada vez mais pelos seus recursos intangíveis, muitas vezes baseados nas suas atividades produtivas entretanto descontinuadas, consideramos ser muito importante trazer até Portalegre uma discussão aprofundada sobre possíveis caminhos com vista à reutilização do seu património ainda muito presente na memória coletiva das suas comunidades, no âmbito da atividade turística.
JE: Este projeto foi iniciado pela área de estudos em Turismo do Instituto Politécnico de Portalegre, no âmbito da sua unidade de investigação em Saúde e Ciências Sociais. Associaram-se posteriormente à iniciativa como coorganizadores o Observatório Português de Atividades Culturais do ISCTE-IUL e a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo.
“Portalegre tem um património cultural de exceção… mas foi uma cidade eminentemente industrial até há pouco tempo, o que relegou sua afirmação como destino turístico para segundo plano.” – João Estêvão

Os locais onde as sessões serão realizadas serão itinerantes, em locais com valor patrimonial. Como foi feita a seleção desses espaços e qual é o impacto de levar as conferências para diferentes pontos de Portalegre, especialmente os mais históricos?
EM: Considerámos que, numa primeira edição, seria útil que se discutisse a reutilização adaptativa do património no contexto do turismo criativo e do turismo industrial. Em Portalegre, a arte local da tapeçaria e as indústrias têxtil e corticeira têm um potencial ímpar em ambas as tipologias de turismo. Pensámos que seria interessante e mais produtivo que as várias sessões fossem realizadas em locais com um forte valor ao mesmo tempo de uso (até um passado recente) e simbólico a essas mesmas artes e indústrias. Assim por exemplo, sessões em torno do turismo criativo terão como palco espaços como a antiga real fábrica de lanifícios, enquanto outras que abordem o turismo industrial realizar-se-ão, por exemplo, no auditório localizado no complexo da antiga fábrica corticeira Robinson, cuja arquitetura e materiais de construção nos remetem para uma estrutura industrial aí pré-existente.
“Portalegre passa a olhar para o turismo como uma das alternativas mais válidas para o seu desenvolvimento económico.” – Eva Milheiro
Uma das características do congresso é a participação ativa dos participantes nos workshops. Como esses workshops serão organizados e qual será o papel dos participantes no desenvolvimento das discussões e soluções sobre a reutilização do património?
JE: Os workshops terão como facilitadores investigadores internacionais de referência com ampla experiência em projetos de investigação aplicada nas áreas do turismo criativo e industrial. Casa uma destas sessões, que serão quatro, terá um máximo de 20 participantes porque o objetivo é que todos possam contribuir, passando de espectadores passivos a agentes ativos na construção de reflexões sobre opções pertinentes de reutilização adaptativa do património de Portalegre.
Além das conferências, haverá algum espaço para visitas guiadas ou experiências práticas que possam ilustrar, de forma mais concreta, os exemplos de reutilização do património no terreno?
EM: Sim, temos planeadas duas visitas técnicas em Portalegre, sendo uma delas ao caso histórico da cidade, mas que também incluirá algum do seu agora inutilizado património industrial, assim como ao Museu da Tapeçaria Guy Fino. A primeira das visitas tenciona ambientar os convidados externos à forte ligação de Portalegre ao setor secundário, que marca decisivamente a sua paisagem e lhe dá um caráter distintivo com elevado potencial turístico, enquanto a segunda visa dar a conhecer uma forma artística ímpar no mundo – a tapeçaria de Portalegre – com vista ao seu eventual aproveitamento na construção da tal marca-destino forte e distinta que abordamos anteriormente.
“os destinos turísticos se afirmam cada vez mais pelos seus recursos intangíveis, muitas vezes baseados nas suas atividades produtivas entretanto descontinuadas” – Eva Milheiro

O congresso reúne especialistas internacionais no campo da reutilização do património. Quais são os principais temas ou áreas que as conferências irão cobrir?
JE: O primeiro dia terá como foco o turismo criativo e o segundo o turismo industrial.
Em cada um deles teremos uma sessão plenária e uma sessão de showcase de boas práticas nacionais e internacionais, na parte da manhã. De tarde, teremos, igualmente em ambos os dias, dois workshops. Relativamente à sessão plenária e aos showcases do primeiro dia, estes abordarão o turismo criativo como fator de regeneração do património. Já os workshops desta jornada inaugural terão como temas, respetivamente, os traços identitários e o artesanato como fatores de promoção do marketing de destinos e a junção das artes, património o turismo como fatores de inovação. Nas sessões plenária e de showcase do segundo dia, serão abordadas a regeneração da identidade cultural e memória coletiva das comunidades através do turismo industrial. Já os workshops deste segundo dia terão como temáticas centrais a “patrimonialização” e a utilização contemporânea do património e os limites da prática turística, bem como a problemática da adaptação de estruturas contemporâneas para benefício de residentes e visitantes.
O tema da reutilização do património industrial parece ser um dos focos do evento. Como as conferências irão abordar a recuperação de espaços como a antiga fábrica Robinson ou as fábricas de tapeçarias? Que soluções ou boas práticas de outros países podem ser discutidas?
JE: Nós próprios, que estamos a organizar o congresso, estamos muito curiosos para saber quais os casos e estratégias que os nossos oradores convidados das sessões plenárias utilizarão como benchmark para o caso de Portalegre, pelo que a melhor forma de os conhecer em primeira mão será através da participação nas várias sessões do HART. Estas terão oradores que, além de serem uma referência ao nível académico, têm uma ampla experiência em projetos aplicados, de que são exemplo Nancy Duxbury da Universidade de Coimbra, Sandro Carnicelli da Universidade da Escócia Ocidental, Fabio Carbone, da Universidade de Northampton, no Reino Unido, ou Fancesca Nocca da Universidade de Nápoles Federico II, ou Ioannis Papageourgiou do Centro de História e Investigação Social de Rodes, na Grécia, entre muitos outros. Teremos ainda sessões de showcase de boas práticas (duas nacionais e outras tantas internacionais) no âmbito do turismo criativo e industrial. Já os quatro workshops, em que se dará voz à comunidade local, estes tomarão o pulso às sensibilidades existentes no que toca à viabilidade de reutilização turística de vários bens patrimoniais que serão objeto de análise, com vista a contribuir para a constituição daquilo a que a Convenção de Faro do património designou de Comunidade Patrimonial. Aproveito para referir que as inscrições em todas as sessões do HART não têm qualquer custo e poderão fazer-se no seu website oficial (https://hart-congress.ipportalegre.pt/).
O congresso está focado na reutilização do património industrial e artístico. Quais são as potencialidades mais notáveis que observa no Alto Alentejo, região que acolhe o congresso, para o turismo cultural, criativo e industrial?
EM: É interessante que a sua questão aborde o Alto Alentejo. De facto, ainda que a primeira edição do HART se foque na cidade de Portalegre, é nossa intenção que futuras edições tomem como objeto de análise outros tipos de bens patrimoniais, que pressuponham outros tipos de turismo, em outros municípios do Alto Alentejo. Do património musical à arte azulejar, passando pelo artesanato, o património natural de eleição do Parque Natural de São Mamede, os exemplares de arquitetura civil, religiosa e militar, os seus vinhos de altitude, que começam agora a despertar o interesse de enófilos mais exigentes, o problema da região nunca foi uma eventual escassez de recursos potenciais, mas, ao invés, a utilização de métodos mais criteriosos no seu aproveitamento turístico.
“É nossa ambição que os convidados de cada edição passem a participar regularmente em projetos futuros de investigação aplicada que tenham o Alto Alentejo como objeto de estudo.” – João Estêvão
Finalmente, como o congresso HART pode contribuir para o futuro do Alto Alentejo e de Portalegre, especificamente, no que diz respeito à sua identidade como destino turístico sustentável? Que legado espera que o evento deixe para a cidade e para a região?
JE: Subjacente à criação do HART está o compromisso de que as suas temáticas, locais de realização e experts convidados a intervir sirvam necessidades concretas do sistema turístico de Portalegre e da sub-região em que se encontra. Este é, aliás, um princípio orientador do trabalho desenvolvido pela unidade de investigação CARE do Instituto Politécnico de Portalegre, que idealizou e coorganiza o HART, de forma a colocar a investigação que produz ao serviço da região onde se insere e das respetivas comunidades. Além disso, é nossa ambição que os convidados de cada edição passem a participar regularmente em projetos futuros de investigação aplicada que tenham o Alto Alentejo com objeto de estudo e intervenção, assim contribuindo para o seu desenvolvimento turístico sustentável.