A partir da próxima quarta-feira, dia 1 de fevereiro, e durante três dias, a Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos (APECATE) realiza o seu 11º congresso com o tema Encarar, Refletir e Avançar. Esta edição, que terá lugar em Elvas e Campo Maior, é também uma chamada de atenção da associação para o Interior. Em entrevista ao TNews, o presidente da APECATE, António Marques Vidal, diz que tem de haver uma mudança de estratégia para os destinos do Interior e uma aposta maior no mercado espanhol. O responsável é muito crítico do Estado no papel de regulador da atividade das empresas.
Depois de três anos impactados pela pandemia, como estão as empresas de Congressos, Eventos e Animação Turística?
O ano de 2022 foi excecional, mas não podemos esquecer que tivemos dois anos de terror, porque a pandemia parou o setor. Todos nós estivemos a aprender como se responde a este tipo de situações, embora este setor dos eventos e da animação turística seja uma indústria muito capacitada para lidar com situações imprevistas. Faz parte da nossa cultura. O setor reagiu muito bem e adaptou-se a situações de fecho e abertura da atividade durante a pandemia. Mas a verdade é que tivemos dois anos semi-parados, para não dizer parados, e isso não se recupera num ano. As empresas ganharam um lastro de dívida, que não se vai colmatar num ano, embora, em média, tenha sido um ano bom. Para voltarmos à capacidade de 2019, eram precisos mais três anos iguais a 2022. Como já percebemos, isso não vai acontecer.
O que esperam de 2023?
Claramente duas situações diversas: aquelas empresas que vivem principalmente do mercado nacional estão a ser altamente condicionadas. Portanto, a crise económica reflete-se com muito mais força internamente e, mais uma vez, de uma maneira completamente desequilibrada. Na faixa litoral, principalmente em Lisboa e no Porto, muito menos, no Interior muitíssimo mais. Portanto, a inflação galopante e a diminuição da capacidade de compra da população em geral tem muito mais impacto no Interior, do que em Lisboa ou Porto. Por outro lado, para os que vivem do mercado internacional nota-se uma baixa, mas não é tão grave quanto isso. Ou seja, os mercados internacionais mantêm-se. Portugal está a criar uma diversidade de mercados e, por exemplo, o mercado da América do Norte continua a aumentar para Portugal. O Brasil, apesar de todos os problemas, está a recuperar. Para aquelas empresas que trabalham com esse tipo de mercado, não é tão grave assim. Mas é muito assimétrico, não há uma certeza. Mais uma vez, julgo que vai ser testada a resiliência das empresas. Contudo, tem de se ter muita atenção aos destinos do Interior. Os destinos com aeroportos (Lisboa, Porto e Faro) sofrem, mas com muito menos impacto do que Viseu, Bragança, Elvas ou Beja.
“O nosso Interior é o Litoral de Espanha. Um espanhol que viva em Madrid olha para Vilar Formoso, para Elvas ou para Bragança, como Litoral, e nós se calhar temos de mudar o discurso, temos de pensar que o turismo não tem de ter fronteiras”
O que poderia ser feito para que o impacto não fosse tão grande nas regiões do Interior?
Tem de haver uma mudança, que não se faz por magia. Não se faz só por palavras ou declaração de intenções. E, mesmo de uma maneira concertada, não se faz num ano. Claramente que tem de haver uma mudança de estratégia, em termos gerais. Por exemplo, a nova tutela do Turismo disse publicamente que tem uma agenda para o Interior, mas vejo, nas apostas de promoção e marketing do Turismo de Portugal, o surf, que é um produto consolidado e uma marca já reconhecida em Portugal. Será que faz sentido descurar o Interior? Como sabe a APECATE vai fazer o seu congresso em Elvas. Não foi fruto da moda, mas de uma reflexão. O nosso Interior é o Litoral de Espanha. Um espanhol que viva em Madrid olha para Vilar Formoso, para Elvas ou para Bragança, como Litoral, e nós se calhar temos de mudar o discurso, temos de pensar que o turismo não tem de ter fronteiras. Temos de ter capacidade de dialogar e concertar estratégias. Se calhar, é a altura de começarmos a conversar e perceber que também os espanhóis ganham mais em incluir-nos nessa mesma estratégia, do que fingir que Portugal não existe. Quando falamos em colaboração transfronteiriça, vimos que ela é positiva, é o caso de Elvas e Badajoz, Valença e Tui. Há sempre aqui um problema cultural que nos cria barreiras. No entanto, temos que criar destinos e, por exemplo, toda a zona fronteiriça de Portugal tem um mercado enorme, que é o mercado espanhol. Apesar de estar a sofrer a crise como nós, tem muito mais capacidade de compra. Então porque não vamos desenhar programas e ofertas que os motive a usufruir das zonas fronteiriças de Portugal?
“Esse é o nosso grande problema: um excesso de carga burocrática que, em tempos idos, poderá ter feito sentido, mas que hoje não faz sentido nenhum. há uma incapacidade do Estado de olhar para dentro e simplificar”
Um dos painéis do congresso é o Desafio dos Eventos. Quais são os maiores desafios dos eventos nesta altura?
O contexto internacional influencia, a dinâmica económica mundial e nacional influencia, mas o que mais nos constrange não tem a ver com uma lógica anual, tem a ver com a organização e os custos de contexto. Esse é o nosso grande problema: um excesso de carga burocrática que, em tempos idos, poderá ter feito sentido, mas que hoje não faz sentido nenhum. Há uma incapacidade do Estado de olhar para dentro e simplificar. Dou um exemplo: sou um operador marítimo turístico e tenho uma embarcação. A embarcação teve um problema de motor em junho. Compro um motor novo, mas não o posso colocar. Tenho de pedir autorização para trocar de motor e a troca tem de ser validada presencialmente pela tutela e eu pergunto: isto faz sentido para quem? É que além de não fazer sentido, pode demorar um, dois ou três meses. Como este, existem outros exemplos. Quero trabalhar num parque natural, todos os planos dos parques naturais já perderam validade e remetem para planos de ordenamento antigos, que foram feitos com uma visão extremamente redutora e desajustada, obrigando a que tudo o que se faça seja objeto de uma autorização. Era obrigação existirem planos de ordenamento atualizados para evitar, ao máximo, estes pedidos de autorização. Ao ter de pedir, caso a caso, uma autorização, estou a ocupar um recurso e não estou a poder construir programas de futuro, porque são licenças anuais. Tudo isto é surreal. O Estado que temos atualmente é uma herança do fascismo. É um Estado autista, porque não trabalha com as associações.
Durante o congresso vai moderar o painel “Caminhos da auto-regulação”. Esta atividade é demasiado regulada?
Temos que começar uma discussão de fundo, porque esta questão da auto-regulação, mesmo entre os empresários não é consensual. Por exemplo, se for para os EUA não tem de ter uma licença do Estado para poder mergulhar, em Portugal tem de ter uma licença do Estado. Nos EUA, o próprio setor se auto-regulou, isto é uma questão de responsabilidade e de cidadania. Temos um Estado que ainda acha que tem de autorizar tudo, como se fosse o nosso pai, tem de andar a inspecionar tudo. Isto está automaticamente a retirar o dever de cidadania e consciência aos empresários, e está a por todo o ónus numa estrutura que já não tem estrutura. O Estado anda a ser emagrecido ao máximo, mas as suas responsabilidades são cada vez maiores. Isto não faz sentido.
No último Governo tínhamos 12 tutelas, isto é incomportável. Ninguém consegue viver a ter que reportar a 12 entidades que não se falam. Isso é um caos. Além das 12 tutelas, temos 302 municípios, os municípios têm muitas competências, interferem na nossa atividade regular. O problema é que os municípios não se prepararam para gerir a competência que o nosso setor precisa. Por exemplo, preciso de uma autorização rápida para fazer uma ocupação de espaço de meia hora no Terreiro do Paço. Ou entrei com esse processo há três meses ou não consigo. Outro exemplo, para trabalhar numa praia, preciso de pedir autorização aos concessionários, à Câmara Municipal e à Capitania.
Foi criado um grupo de trabalho interministerial, em 2020, para identificar os constrangimentos no setor da animação turística. No que resultou esse trabalho?
A partir do momento em que o grupo se chamou interministerial, todas as associações, nomeadamente a APECATE que era a proponente, deixaram de poder participar. Alguém fez isso conscientemente, boicotou aquele grupo. Há dentro do Estado pessoas que ainda não conseguem conviver com esta nova lógica do século XXI, que é trabalhar em parceria e em rede. Há pessoas que ainda gostam de manter o poder e aí, correndo o risco de ser injusto com alguém, só posso dizer que foi o Turismo de Portugal que, na prática, boicotou este grupo. O Turismo de Portugal informou-nos que, por ser um grupo interministerial, não podíamos estar presentes, exceto a convite. Verdade seja dita: a agenda que foi conhecida para discussão, foi uma agenda de problemas identificados pela APECATE, mas a APECATE nunca esteve presente numa única discussão. Só mesmo quem está no terreno é que compreende os constrangimentos.
“O setor dos eventos utiliza muito a mão de obra de estudantes e são altamente penalizados por fazerem trabalhos pontuais para as empresas de eventos. Fala-se muito em apostar nos jovens, mas depois só se vê dificuldades para os jovens que querem trabalhar”
Já falou com o novo Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços? Quais são os temas da agenda da APECATE?
Tivemos uma primeira reunião generalista e ficámos de fazer uma segunda reunião, já com um caderno de encargos bastante mais específico, para depois começarmos a abordar os problemas um a um. O novo SETCS, embora seja uma pessoa que conhece o turismo, não conhece em detalhe cada setor. Temos duas agendas: uma para o setor dos eventos e outra para a animação turística. A questão fiscal é comum aos dois setores, a questão do IVA e da tributação em sede de IRS. Outra questão que também é comum tem a ver com as leis do trabalho, nomeadamente a penalização dos jovens em termos fiscais. O setor dos eventos utiliza muito a mão de obra de estudantes e são altamente penalizados por fazerem trabalhos pontuais para as empresas de eventos. Fala-se muito em apostar nos jovens, mas depois só se vê dificuldades para os jovens que querem trabalhar. Para o setor dos eventos, temos uma velha questão que é a criação de um Registo Nacional de Empresas de Eventos.
Porque é que é tão importante que se crie o Registo Nacional de Empresas de Eventos?
Achamos que é essencial para medirmos o setor, para saber quanto vale e quanto fatura.
Queremos um registo muito leve, simples, feito via net, em que a única obrigação é a questão dos seguros e dos direitos de informação ao cliente. Adicionalmente, julgamos que não deve ser obrigatório, porque o setor dos eventos cruza com o setor da cultura. Devia ser uma opção das empresas e não uma obrigação. As empresas que quisessem ser integradas dentro do setor do turismo faziam o registo, aquelas que só queriam continuar na cultura, já estariam enquadradas pela cultura.
No que diz respeito aos apoios às empresas, estes foram suficientes?
Durante a pandemia, os apoios do setor bancário não foram solução, porque a animação turística são nano e microempresas. Há pouco tempo tive acesso a um estudo feito pelo Porto e Norte que dizia que mais de 60% que responderam ao questionário faturam menos de 50 mil euros e, naturalmente, os bancos não estão estruturados para trabalhar com este tipo de dimensão. Tem que haver um pensamento diferente, criar uma estratégia de apoio diferente. Dou um bom exemplo que aconteceu na pandemia com o microcrédito do Turismo de Portugal,. Nesse aspeto, o Turismo de Portugal trabalhou muitíssimo bem, foi a salvação de muitas empresas. É preciso dar dimensão, estruturação e não é solução dizer às empresas que se juntem. Tem de se pensar em planos de desenvolvimento.
A associação tem conseguido conquistar novos associados?
Temos passado por altos e baixos, temos fases em que temos muitos associados, outras em que baixamos o número. Mas o tronco comum tem vindo a aumentar de uma maneira consistente, embora não exponencial. Podemos dizer que, em termos europeus, somos considerados extremamente representativos. Se tiver em conta a dimensão estimada do número de empresas de congressos, eventos e animação turística somos muito representativos. Em números gerais, temos mais de 300 empresas a caminho das 400.
“Como associação dos empresários, não posso só pensar nos meus empresários. Não é criando corporativismo que se desenvolve o setor, é exatamente alargando”
Quais são as vantagens da APECATE?
Basta olhar para o que já fizemos por todas as empresas. A APECATE sempre teve uma noção de defesa do setor e por isso já ouvi: “Vocês trabalham e nós estamos a beneficiar com o vosso trabalho”. Se o setor da animação turística tem o enquadramento legal que tem hoje em dia, foi porque a APECATE contribui, e muito, nomeadamente para a conceção do decreto-lei que serviu de base ao atual. Criámos uma qualificação. Durante a pandemia, além de fazermos guias que serviram de orientação para as empresas, nomeadamente de segurança e prevenção, conseguimos que o setor abrisse um mês mais cedo.
Estamos sempre a tentar resolver os problemas do setor. Como associação dos empresários, não posso só pensar nos meus empresários. Não é criando corporativismo que se desenvolve o setor, é exatamente alargando. Achamos que a vontade de associar-se tem de ser uma vontade convicta e não meramente uma oportunidade de vantagens. Por isso é que digo que temos variações, porque há pessoas só se associam numa altura específica, para resolver um problema específico e, quando se resolve, voltam a sair. O facto de pertencermos à direção da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) fez com que fosse incluída, no último acordo social, a questão do IVA dos eventos. Foi por mérito da CTP que nos representa, e muito bem, mas cuja agenda foi partilhada por nós com a CTP. Com isso, as empresas de eventos estão mais competitivas.
Optámos, conscientemente, por não dar aquelas vantagens de desconto aqui ou acolá, mas por fazer um trabalho de defesa do setor e, de certa maneira, os empresários têm vindo a reconhecer. Temos vindo a ganhar associados. Em 2022, tivemos um crescimento bastante agradável. Logicamente, perdemos associados em 2020 e 2021, por incapacidade de continuar a pagar as quotas. Mas esses estão a regressar e temos tido novos associados, porque perceberam o nosso trabalho durante a pandemia.
Em que outras dimensões esta direção, eleita no ano passado, está a trabalhar? No que diz respeito à formação, por exemplo?
No passado, tivemos uma posição que era ter uma intervenção direta na formação, acabámos por não prosseguir essa estratégia, porque a APECATE tem uma estrutura muito pequena. Só há quatro meses é que conseguimos ter um gestor de projetos, que, no fundo, é quase um secretário geral. Estamos em reestruturação e numa fase de adaptação a uma nova lógica. A nossa parceria relativamente à formação é mais criar conteúdos e colaborar – aliás temos um protocolo de colaboração com as Escolas do Turismo de Portugal e temos excelentes relações com várias instituições de Ensino Superior, desde a ESHTE à Universidade Europeia, Universidade Lusófona, Universidade de Aveiro, de Coimbra e de Tomar. Portanto, colaboramos, mas não nos colocamos no papel de formador, porque, para sermos uma entidade formadora, obriga a ter uma estrutura que a APECATE não tem e que achamos que era melhor não ter. Focamo-nos mais na construção de conteúdos. Podíamos fazer tudo, mas estaríamos a negar a nossa própria lógica, que é criar sinergias, em que cada um com o seu know-how pode colaborar o máximo possível. Ajudamos a construir conteúdos, se nos pedirem indicamos formadores, trabalhamos e participamos em grupos de trabalho, mas achamos que cada um tem de fazer o seu papel. Não nos revemos numa associação que tem tudo, não é essa nossa lógica.