Sábado, Janeiro 18, 2025
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Há história no Octant Hotels Lousã | Por Jorge Mangorrinha

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A pedalar o presente com os olhos no futuro

Por Jorge Mangorrinha

De Palácio dos Salazares a Palácio da Viscondessa do Espinhal, de Lousã Boutique Hotel a Octant Hotels Lousã, esta casa nobre chega aos nossos dias sem perder a sua essência e o carácter de refúgio, com charme, no centro da vila. Terá recebido o Duque de Wellington, comandante das tropas anglo-lusas, em 1811, algumas décadas depois de ter sido construída no XVIII. Tem vista para a serra ou para a rua principal do centro histórico onde se situa a Capela da Misericórdia. Presentemente, é um exemplo de recuperação, reutilização e preservação do património edificado, conferindo-lhe mais valor e permitindo a sustentabilidade como hotel, fazendo parte de um conjunto de casas brasonadas espalhadas pelo concelho.

Já pensou ter disponível um pequeno-almoço ou um banho na piscina durante 24 horas? E, também, um “bike center” para passeio com bicicletas elétricas de estrada e de montanha com atrelados para crianças? Encontrar algo que substitua o que esqueceu em casa? E ter à disposição um WhatsApp em jeito de “concierge”? Estas são particularidades do Octant Hotels Lousã, além de se estar em ambiente histórico, no centro de uma localidade serena e de uma região que permite passeios inesquecíveis e fornece os produtos de consumo locais ao hotel.

A expetativa era grande. Antes de partir para a viagem, consultei os comentários de anteriores hóspedes. Personalidade e simpatia são alguns dos afagos a este hotel de 4 estrelas. Sigo com a certeza de que os meus olhos se deleitam na estética prevista e na amabilidade de quem acolhe. A parada é alta.

À chegada, impõe-se à vista a arquitetura residencial pombalina e neoclássica, decorrente das fases de construção, corpo de dois pisos ao qual foi acrescentado um outro. A casa terá sido mandada construir pelo desembargador Bernardo Salazar Sarmento de Eça e Alarcão, nascido em 1743. no Espinhal, termo de Penela. As obras substituíram velhas construções, talvez pertencentes à mesma família que há muito residia na Lousã. Vivia-se um período de grande prosperidade da região, dado o sucesso das indústrias do papel, da fiação, da produção de energia, da moagem e da serralharia. No início do século XIX, constrói-se o terceiro andar e o portal do corpo principal, obra concretizada pelos filhos do promotor inicial, em 1818, conforme a data da fachada.

Nesse período decorreram as Invasões Francesas. Sabe-se que o marechal Masséna, comandante das tropas napoleónicas, se instalara nesta casa. Porém, em 16 de março de 1811, as tropas comandadas pelo marechal Ney receberam um inesperado ataque noturno da vanguarda das tropas anglo-lusas e precipitaram-se em pânico pela estreita ponte medieval e por um vau, tendo sido derrotados. Entretanto, Masséna preparava-se para jantar, mas ao receber a notícia do desastre no Combate de Foz de Arouce, fugiu de forma repentina. Pouco depois, o duque de Wellington entrava triunfante na Lousã, após o vitorioso combate, e, sentando-se à mesa que Masséna abandonara, pôde saborear o jantar que tinha sido preparado para o inimigo.

A história deste edifício está marcada por aquilo que se conta e também nas pedras e nos espaços de interior e exterior, exemplar da evolução estilística regional do fim do século XVIII, do começo e de meados do século XIX. A fachada é corrida de três panos, definidos por pilastras de cantaria, com os laterais de dois registos e o do meio de três. As janelas do primeiro andar são quadrangulares, simples, de peito, as do segundo são de peito com verga curva e cabeceiras erguidas, recortadas, em dois tipos alternados de cabeceiras, finas de cornija arredondada, e as do terceiro do corpo principal são de sacada, com molduras e grades de ferro ostentando monogramas da viscondessa do Espinhal, Maria da Piedade de Mello Sampaio Salazar, filha e herdeira de Bernardo Alarcão, e do seu marido, António Cardoso de Faria Pinto, bacharel formado em Cânones, depois juiz de Direito, comendador da Ordem de Cristo e deputado da nação. O título de viscondessa foi concedido em sua vida por D. Luís I, decisão fundamentada na generosidade para todas as obras de beneficência na Lousã de que era protetora dos pobres e ter auxiliado monetariamente a construção da Escola Conde de Ferreira e do Hospital de S. João, além de outros atos de benemerência.

Neste edifício, encimam o corpo principal um brasão de Portugal e as urnas no seguimento das pilastras e no topo. O portal é rematado por um frontão triangular interrompido. Neste hotel, entra-se por acesso central e átrio com escadaria de corpo alto, de lanços simétricos divididos por patamares.

Sai a mala do carro, e o “check-in” é feito pela simpática rececionista Vanessa. Recebo a chave, que é um cartão em madeira pouco comum. Logo em seguida, a cortesia de boas-vindas é reiterada pela Bárbara, coordenadora de eventos, que me obsequiou com um chá de erva-príncipe com gotas de Licor Beirão. Estaciono, depois. no parqueamento localizado do lado de trás do hotel, junto ao jardim.

Percorro os corredores, onde cada passo ecoa com a riqueza da história e da cultura portuguesa. Nos salões, os pormenores arquitetónicos e os móveis transportam-me de volta aos séculos XVIII e XIX, enquanto me envolvo na atmosfera palaciana.

O hotel dispõe de 46 quartos distribuídos pela casa principal e pela ala nova, na qual se abriu a suíte número 016 para estes dois dias de observação, degustação e escrita. Até ao quarto, não sei se por influência das bicicletas, o piso do extenso e labiríntico corredor tem diferentes rampas, ora para cima, ora para baixo, ao som do fragor das madeiras do piso. Há um pequeno bambu sobre a mesa, porque “atrai energia positiva, que traz felicidade, boa sorte e uma vida longa repleta de harmonia. Desejamos que seja feliz!” Estas são palavras de boas-vindas. Poucos minutos depois, uma cortesia de pão, queijos, presunto, nozes, mel, doces e vinho (Dão Meia Encosta Tinto 2022) foi levada pelas mãos da Décia, que, quando lhe perguntei o nome, acrescentou que ver-nos-íamos, também, ao pequeno-almoço. Assim foi ao lado do sempre atento Miguel, que dá um toque de elegância no trato e na dinâmica de bem-servir.

Fui obsequiado por uma pormenorizada visita por parte de Diana, chefe de receção e formada na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, e de Márcia Coelho, a nova diretora-geral, formada em Gestão Hoteleira e que tem como objetivo contribuir para a excelência operacional deste hotel. Oiço estórias que fazem a história mais antiga desta casa nobre. Aníbal Fernandes Thomaz Pippa, natural da Figueira da Foz, bibliógrafo e fundador do Jornal da Louzan (1885), semanário de ideais liberais e republicanos, foi afilhado e herdeiro da viscondessa do Espinhal em todos os seus bens, que incluíram imóveis e rendimentos. Instalou uma tipografia no rés-do-chão da casa. Em 1893, por necessidade financeira, vendeu o jornal e a tipografia a Bernardino Lopes Padilha, e o restante património a João Antunes dos Santos, abastado lousanense, proprietário no Brasil.

Uma das salas nobres do hotel tem o seu nome.

Foi aqui que perguntei a um outro hóspede o porquê da visita a este hotel: “Gostamos de caminhar pela natureza e de nos reconectarmos. Gostamos do aroma delicado das flores, gostamos da sensação de paz e de renovação. Gostamos do canto dos pássaros e da calma que desperta os sentidos.” Acho que a todos nos desperta os sentimentos o contacto com a natureza em estado quase puro que circunda esta casa maravilhosa, reconhecida como valor concelhio, imóvel de interesse público e unidade hoteleira (Meliá Palácio da Lousã Boutique Hotel e, depois, Octant Hotel Lousã).

Note-se que a Octant foi uma marca que se gerou dentro da DHM – Discovery Hotel Management. A DHM surgiu para reabilitar e gerir um conjunto de ativos imobiliários. Todas as propriedades resultam da recuperação de projetos extintos, repensados e recuperados, minimizando novas áreas de construção e cumprindo dessa forma com um princípio de aproveitamento responsável. Os investimentos em 18 hotéis, 5 campos de golfe e um conjunto de projetos imobiliários para venda nas mais diversas zonas do país abriram ao público para contribuir para mais emprego e alavancar as economias locais, nas palavras de promoção que se encontram no próprio “site” da DHM.

Resulta, assim, um misto de sensações em cada um dos investimentos e, em particular, neste em que me encontro. Pelo menos, foi isso que a amabilidade de quem me acolheu tentou mostrar, desde logo pelo cartão de boas-vindas exposto no quarto: “De braços abertos”.

O caso deste hotel resulta da falência da exploração do Grupo Meliá, que concessionava a exploração aos proprietários brasileiros. Todos os trabalhos efetuados no hotel permitiram à DHM fazer o “upgrade” desta unidade para a sua categoria de hotéis “Design Collection”, juntando-se assim a um portefólio onde se encontram as unidades mais icónicas do grupo.

O Octant Hotels Lousã tem precisamente o mesmo número de quartos (23) tanto no edifício antigo como na ala nova, com tons que nos remetem para a natureza da serra, complementados por mobiliário moderno e minimalista. A loção corporal hidratante, o óleo-duche para banho, o champô e o sabão de mãos provêm da Oliófora, que pensou numa linha ecológica para hotéis – “Os aromas são memórias que fazem as pessoas voltar aos lugares onde foram felizes”.

Nos quartos do piso nobre sobram as portas ricamente trabalhadas, mas os interiores foram modernizados. Toda a decoração deste hotel coube a Pureza de Magalhães, a designer de interiores que tem pena de não ter tirado o curso de Arquitetura. Para renovar o hotel foram investidos 1,5 milhões de euros, tendo a intervenção afetado sobretudo a ala antiga no edifício original. No entanto, todas as áreas comuns, desde a receção às salas de estar, restaurante, salas de reuniões e o “lobby market”, foram cuidadosamente pensadas pela decoradora. As salas nobres propiciam um puro descanso para conversar, ler um livro ou ver televisão. Escutei, com agrado, a música de ambiente, como, por exemplo, “In Black and White” (Paola Fortini / Stefano Micarelli) do álbum “Under the Rainbow”, de Pauline London, absolutamente calmante.

Virado a poente está o terraço de onde se desfruta o ar puro e a vista para a serra e para os terrenos da antiga quinta. Quando o sol se despede e os tons dourados preenchem o horizonte, o Octant Lousã transforma-se num cenário de pura magia, porque cada final de tarde é um convite para desacelerar e simplesmente apreciar. Dizem-me que, entre setembro e novembro, a natureza revela um dos seus maiores espetáculos: a brama dos veados. Um canto profundo ecoa pelas florestas, marcando o início da época de acasalamento. Um momento sublime em que o coração da montanha pulsa com mais intensidade.

Lá em baixo, os espaços verdes são conservados pela ARCIL, associação local que procura contribuir para a efetiva inclusão social de pessoas com deficiência e outras necessidades especiais, promovendo uma mudança no olhar sobre a incapacidade e a diferença. Importa registar que esta associação promove a valorização e a inclusão social e profissional dos destinatários dos serviços, através de medidas específicas de intervenção, em articulação com serviços públicos e privados, numa postura de cooperação, abertura e complementaridade.

O pequeno jardim, ao estilo francês, é uma amostra dos produtos consumidos no hotel, consoante a época, como hortelã, pimentos, morangos e nozes de uma nogueira do tempo da viscondessa. À beira da piscina exterior intui-se tranquilidade, e as sombras suaves proporcionam um espaço de serenidade e conforto, ideal para um dia de sol bem quente.

Também nesta orientação está a sala de pequenos-almoços e de refeições principais, na antiga cozinha e na varanda contígua. À luz suave, o aroma da floresta preenche o ar enquanto a mesa se prepara para um jantar supostamente inesquecível, porque – dizem-me – cada jantar é um encontro entre a natureza e os sabores locais. Apraz-me registar os nomes de quem me serviu: Jéssica, João, Nuno e Vera. Há um forno de lenha onde se cozinham os produtos para todas as refeições, o que dá um paladar especial à comida, como o cabrito, os hambúrgueres, as pizzas e outras iguarias, exceto algumas entradas. Pena foi que não houvesse o rissol de perdiz inscrito na ementa. Sabores autênticos estão, por exemplo, no cabrito assado (com migas de couve e feijão branco e arroz de miúdos) e nas batatas douradas, com os quais findei este jantar de cortesia no À Terra Lousã, um espaço conquistado à antiga varanda desta casa. O pão artesanal, feito no forno a lenha e mantendo viva a herança familiar, é fornecido por Hugo Silva, inspirado pelo livro de receitas do avô Alípio “Picassas”. Ele reinventou-se durante a pandemia, vendendo pães e doces caseiros. O sucesso levou-o a oferecer workshops de pastéis de nata e a vender as suas iguarias em praias, usando uma bicicleta personalizada.

Come-se bem no Octant Hotels Lousã, até porque o “spa” permite equilibrar os corpos, desde maio de 2023, havendo uma mesma memória olfativa em todos os hotéis do grupo através de “spray”, “mikado” ou vela, conta-se. Por experiência própria, as mãos da fisioterapeuta Marlene dão mais distinção a esta oferta de relaxamento ou terapia, cujos sais de banho são feitas pela própria. O “spa” tem vista para o jardim e oferece massagens, piscina, tanque de água resfriada e sauna, tudo envolto em música de bambu. Nota para os toalhões fofos e os produtos de banho bem cheirosos.

Junto à receção do hotel, o “lobby market” oferece produtos das diferentes regiões dos hotéis Octant: produtos de tratamento, licores, mel, compotas, pimenta, azeite, vinhos, chás, cortiça, mantas, chapéus de palha, e sempre mais, numa extensa rotação de produtos. À hora do fim da visita, decorria uma prova de vinhos da região. Vinhos, comida e música encontraram-se na 4.ª edição do Festival Lousã Wine & Food, uma celebração gastronómica para os amantes de sabores autênticos e momentos inesquecíveis, incluindo o jantar, beneficiando eu da cortesia do hotel. Com o Tiago, chefe de sala e coordenador desta prova regular, fui conduzido pelos diferentes sabores de branco, tinto e rosé, mas com conveniente moderação. Os produtores e distribuidores presentes mostraram os vinhos que são disponibilizados no hotel, todos os dias. E eu marquei a minha opinião num caderno de enólogo fornecido pela organização.

O vinho que mais marcou a minha presença neste hotel foi um Quinta de Foz de Arouce Tinto 2020, próprio para carnes vermelhas grelhadas e servido no jantar de cortesia da primeira noite. A partir de um estágio de seis meses em barricas de carvalho francês e português, no primeiro e segundo ano, este vinho tem boa concentração aromática e notas de frutos vermelhos e resina, taninos macios, equilibrados com um final persistente.

Tão persistente como o fim desta minha estada. Pelas experiências, pelas rotas, pelas aldeias do xisto e por este belo hotel, aconselho a visita à Lousã e o toque na história desta casa senhorial. Em cada recanto, o aconchego é mais do que um sentimento, é uma experiência, neste lugar onde o tempo não tem pressa e cada pormenor faz parte da história.

Contígua ao hotel, a Casa Amarela ainda está fechada, mas é uma das promessas de futuro, para surpreender ainda mais junto dos hóspedes e para quando eu voltar, nem que seja para conhecer e saborear os rissóis de perdiz…

Carregue na imagem para ver a fotogaleria do Octant Hotels Lousã

*Jorge Mangorrinha é pós-doutorado em Turismo, doutorado em Urbanismo, mestre em História Regional e Local (especialização em Património) e licenciado em Arquitetura. Autor multifacetado recebeu o Prémio José de Figueiredo 2010 da Academia Nacional de Belas-Artes. Com experiência no planeamento turístico, em Portugal e no estrangeiro, exerceu, também, como gestor técnico na Parque Expo’98 e como presidente da Comissão Nacional do Centenário do Turismo em Portugal (1911-2011). Colabora com o TNews, tendo sido o autor da rubrica “A Biblioteca de Jorge Mangorrinha”, a que se seguiu “Há História no Hotel”.

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