“ONDE O TEMPO APRENDE A SER ÁGUA”
O Palace Hotel Monte Real é um ícone do turismo termal em Portugal, com uma história marcada por renovações e desenvolvimento. Inicialmente denominado Hotel-Casino, é mandado construir na segunda década do século XX e concluído por um novo proprietário, entrando em funcionamento com a designação Hotel Monte Real. Numa época em que as termas recebem um novo impulso, atingem nos anos 50 um afluxo de clientes muito significativo e o primeiro lugar da frequência nacional nas décadas seguintes. Já no corrente século, recebem projetos de remodelação, por parte do Grupo Lena e depois pela DHM – Discovery Hotel Management, uma marca hoteleira do fundo de ativos imobiliários turísticos Discovery Portugal Real Estate Fund.
Comece por contar quanto tempo falta para chegar.
Depois, faça a mala e deixe a rotina para trás.
No Monte Real Hotel queremos levá-lo a conhecer o Centro de Portugal, com as suas tradições, a sua história e cultura.
Esta é a terra dos Reis e das Rainhas, cujas histórias e lendas se mesclam. Conheça o pinhal de Leiria – mandado plantar por D. Dinis ainda durante o século XIII – que se estende até às praias quase selvagens de São Pedro de Moel e da Vieira.
Aventure-se pelos trilhos que o resort lhe proporciona e termine a caminhada com uma ida ao Spa.
Quando chegar ao hotel, relaxe no nosso lounge enquanto bebe um cocktail e, por fim, saboreie os pratos de inspiração regional que a carta do restaurante lhe oferece.
Aproveite o momento. Repita as vezes que quiser.
As palavras transcritas dão as boas-vindas ao hóspede que pretende viajar para o complexo Monte Real Hotel, Temas & Spa, cujo Palace Hotel está localizado numa pequena colina. A entrada na área delimitada por muro tem um portal de acesso ao largo do relógio de sol. Uma alameda, com cerca de 500 metros de comprimento, é o percurso de acesso aos edifícios do complexo termal.
No átrio do hotel, o tempo parece deter-se. A receção é um ponto de equilíbrio entre o passado e o presente — um gesto de continuidade em vez de exibição. Mais adiante, há poltronas e sofás largos que convidam a uma paragem, sem urgência, e decoração discreta que olha o visitante com a paciência de quem viu muitas chegadas.
A atmosfera tem música, a mesma que percorre o hotel como um fio invisível de elegância. As notas, saídas de um piano de pequena cauda e eletrónico, sobem pelas escadas ou pelo elevador, misturam-se com o tilintar de copos, dissolvem-se no ar quente do início da noite. É o som certo para este lugar, simultaneamente antigo e moderno, como se Monte Real tivesse encontrado o seu compasso secreto. Contíguo, o bar serve bebidas e refeições leves e rápidas. O átrio é, afinal, a antecâmara de todos os regressos — lugar de passagem e de permanência, onde o verdadeiro conforto é sentir-se, por instantes, em casa dentro da memória. Numa estante, há produtos regionais e livros para venda. Na zona de estar, outra estante tem livros e revistas para consulta. Foi ali que conversei com a assistente de direção Liliana Jerónimo, licenciada em Gestão Turística e Hoteleira, pela Escola Superior de Turismo e Tecnologias do Mar, em Peniche. O diretor do hotel é Pedro Paixão, ausente nestes dias. Liliana disse-me que, após o verão, o hotel se preenche de eventos corporativos.
Nas zonas dos 101 quartos, os corredores estendem-se silenciosos. Os passos sobre a alcatifa são quase inaudíveis, porque há um eco contido nas paredes, um rumor de vozes que já partiram e parecem ainda habitar o ar. Cada porta numerada é uma promessa de intimidade, cada puxador guarda o toque de quem chegou e de quem partiu.
O quarto 208 é um lugar que se oferece em meia-luz, como quem se deixa conhecer devagar. Há uma cama larga, de lençóis imaculados, que parece guardar no tecido o rumor distante das águas e o sossego das manhãs sem pressa. O segredo do quarto 208 está na frente discreta de um armário, quase como uma passagem secreta de palácio antigo, onde se esconde o mundo íntimo. Nada anuncia o que está por trás — apenas o rumor suave de uma promessa de silêncio e água. Ali, o espaço revela-se com sobriedade e conforto: banheira e poliban partilham o mesmo território de calma, como dois tempos distintos da mesma purificação — o repouso e o fluxo, o mergulho e a passagem. O ar tem um perfume delicado e limpo, cortesia dos produtos Flor de Algodão da Castelbel, cujos aromas — entre o sabão e o sonho — deixam no ar uma fragrância de jardim molhado. O vapor sobe devagar pelas paredes cremes, desenhando arabescos na luz amena, enquanto o espelho grande devolve uma imagem filtrada, quase de outra época. É um espaço que se descobre mais do que se usa: lugar de pausa e de reencontro, onde a água não apenas lava, mas recomeça. Uma escrivaninha é cúmplice das palavras que ali se escrevem ou apenas se pensam — um território onde o tempo abranda e a memória se afina. Nos cadeirões e na pequena mesa de apoio, o descanso tem forma de conversa: o corpo recosta-se, o olhar perde-se e o mundo lá fora suspende-se por instantes. As paredes brancas respiram claridade, enquanto as outras, vestidas de papel verde-garrafa, emprestam profundidade e mistério, como se o quarto guardasse o seu próprio bosque interior. No chão, a alcatifa preta, riscada de tons castanhos suaves, parece o eco de uma noite que se move em silêncio — discreta, envolvente, cúmplice. E também há um som ambiente de jazz a partir do televisor — notas que se misturam ao ar morno e fazem do espaço um refúgio íntimo, de ritmo lento e alma antiga. É música que não se impõe, apenas acompanha o pensamento, como um amigo que sabe quando se deve calar. Pela janela da frente do hotel, entra a luz filtrada de Monte Real: ora fria e elegante ao amanhecer, ora dourada ao cair da tarde. É por ela que o quarto respira o mundo, mas sem o deixar entrar por completo — como se preferisse ficar entre o sossego e o sonho, onde nada perturba e tudo se escuta. No quarto 208, o silêncio tem textura e cada objeto parece conhecer o visitante antes de ele chegar.
Nos quartos ao lado do meu, dois casais com crianças — felizes, ruidosas, a correrem entre paredes de sossego. Os fins de semana trazem-lhes a luz, os risos, os ecos, como se o hotel fosse casa de família. Há vozes que sobem pelos corredores, sapatos que tropeçam em sonhos e pequenas gargalhadas que se espelham nas portas. Mas o silêncio — esse hóspede tímido — recolhe-se nos cantos, esperando a noite para respirar. A hotelaria vive este dilema de sons: acolher a alegria da infância ou guardar o repouso dos que apenas desejam ouvir os pássaros dentro de si. E quando enfim os invisíveis pela noite pousam sobre o telhado, os risos adormecem, as portas descansam e o silêncio, paciente, volta a fazer “check-in” no coração do hotel.
Dormir e comer são tempos distintos, mas igualmente essenciais na liturgia de um hotel.
O jantar de sexta-feira aconteceu sob o signo de uma elegância discreta — uma serenidade que não precisa de se anunciar. A sala do restaurante Paços da Rainha, guardiã de memórias, conserva ainda a dignidade das portas e janelas antigas, por onde parecem soprar ecos de outras épocas. A decoração, entretanto, modernizada, revela cuidado e equilíbrio, mas não ousadia — cumpre o seu papel sem procurar deslumbrar. É nesse intervalo entre o clássico e o contido que o ambiente encontra o seu encanto: o conforto da sobriedade. À mesa, o início fez-se com uma sopa de coentros, de aroma intenso e sabor terroso, rematada com ovo cozido picado, que lhe conferia textura e suavidade. Seguiu-se o prato principal: filetes de robalo grelhados, suculentos e de pele estaladiça, acompanhados por um arroz de tomate bem apurado e legumes salteados que traziam cor e frescura ao prato. O vinho tinto regional de Lisboa, Castelo do Sulco, revelou-se uma escolha ousada, mas harmoniosa, com notas frutadas que equilibraram a delicadeza do peixe. A sobremesa foi um momento de verdadeira descoberta: um “coulant” de abóbora com o seu recheio quente e aromático, acompanhado por gelado de canela, mousse de requeijão e um fio de mel que unia os sabores com elegância e doçura. A água Vitalis, em terra de outras águas, completava o serviço com subtileza poética, evocando o legado termal de Monte Real. O atendimento, conduzido por Beatriz Rato, Sandra Amado e Flávio Dinis, foi atencioso e profissional, contribuindo para a serenidade de uma refeição onde tradição e modernidade se cruzaram — sem excessos, mas com genuíno sabor.
E assim terminou o primeiro jantar — entre o eco das vozes nem sempre baixas, o tilintar dos copos e a sensação de que, por instantes, Monte Real voltou a ser o meu próprio sonho. Na mesa longa do lado, doentes de psoríase associados procuram, juntos, novas formas de tratamento, ou talvez apenas um pouco de descanso para o corpo cansado. Há algo terapêutico neste jantar e de fé discreta. Cada palavra parece dissolver-se como sal na água, à espera de um milagre pequeno, mas possível, por certo noutras termas.
O almoço de sábado decorreu na esplanada junto à piscina, sob a sombra suave de um dia outonal que insistiu em parecer verão. O sol, filtrado pelas copas das árvores, brincou nas toalhas das mesas, e o ar morno convidou-me a permanecer. O simpático chefe de sala Pedro Domingues surge com o seu sorriso afável e o bigode retorcido à moda antiga, desses que parecem vindos de um tempo mais elegante. Move-se com um cuidado quase coreográfico, como se o simples ato de servir fosse uma arte discreta. Primeiro o sumo de laranja, vibrante no copo como um raio de sol líquido. Depois, chegou a pizza Verão, um tributo à estação que teima em ficar: gambas, ananás e milho, combinação feliz, onde o doce e o salgado se encontram em equilíbrio. O aroma desperta memórias de tardes sem pressa. À volta, o murmúrio da piscina, as conversas suaves e o calor que persiste fazem do momento uma espécie de refúgio — um breve e saboroso intervalo entre o verão que não partiu e o outono que, delicadamente, se anuncia.
O jantar de sábado, em que também se pode optar pelo “buffet”, foi servido pela sorridente Sandra Amado, de novo, e acompanhado pela prestável Filipa Marrão. Começou como quem abre uma noite com alma — leve, acolhedora, prometendo sabor e conversa. No prato, vieira, lavagante, ovos de truta e arroz “carnaroli”: um encontro de mar e campo. O vinho Monte da Peceguina, tinto, da Herdade da Malhadinha Nova, em Albernoa, trouxe o Alentejo à mesa — quente, profundo, com notas que lembram a terra depois da chuva. E quando chegou a sobremesa, Raffello de coco, limão e chocolate branco, o sabor tornou-se quase sonho. Ao lado, uma bola de gelado de canela derretia-se devagar, como se quisesse prolongar o instante. O espaço respira boa energia — há gente, há vida, há crianças que riem alto e mulheres que falam entre família e com entusiasmo como se estivessem em casa, num à vontade sem medida, mas era aniversário… Porém, o jantar de todos os presentes flui e os colaboradores do hotel tudo fazem para corresponder, porque não param. É que este jantar não é apenas refeição: é um quadro em movimento, temperado de alegria, aroma e calor humano.
As coisas boas deste complexo hoteleiro não só se encontram nos sabores pensados pelo “chef” Paulo Monteiro. Também se encontram no Spa Monte Real, que se estende por 1 600 metros quadrados inteiramente dedicados à regeneração do corpo e da alma. Separado do hotel por uma alameda densamente arborizada, o caminho até lá é já um prelúdio de serenidade. No interior, o contraste de cores e de luzes, a fusão de aromas e de texturas traçam um percurso sensorial cuidadosamente pensado para o despertar dos sentidos. Neste espaço consagrado à tranquilidade, cada terapia é um convite ao relaxamento profundo, cada tratamento uma ponte subtil para o bem-estar. O murmúrio constante das águas mistura-se às vozes — nem sempre baixas — e ao som ambiente, um pouco alto, que preenche o ar como se também quisesse participar da experiência. Um intercolúnio lateral contínuo conduz-me às zonas de usufruto da água e às salas de tratamento, passando por uma sala de relaxamento onde frascos de essências, de óleos e de promessas líquidas, bem como de biscoitos de canela, esperam pelos corpos sedentos de pausa. Na massagem, é a terapeuta Tânia quem guia o toque e o tempo no meu corpo, entre gestos precisos e respirações lentas.
No piso superior, um solário abre-se à luz, e o corpo reencontra-se com o calor do dia e o ciclo da vida humana, porque o ciclo histórico deste lugar tem memórias de muita gente que lhe conferiu uma história que, assim, vale a pena contar.
O sítio de Covões – onde nascia da rocha uma fonte de água mineral atestada empiricamente – terá recebido o rei D. Dinis e a rainha Santa Isabel. No início do século XIX, seguiram-se escavações executadas pelo bispo de Leiria, D. Manuel de Aguiar, encontrando-se vestígios romanos, tendo por fim a construção de duas pequenas casas de madeira para banhos, por interesse do padre José António de Matos, que mandou fazer uma casa para cada sexo de aquistas ao carpinteiro Teotónio das Várgeas.
Durante o século XIX, Monte Real era ainda um recanto discreto, escondido entre pinhais e campos abertos, onde o murmúrio das nascentes se confundia com o canto das aves e o rumor do vento. As águas eram um sinal de promessa. O primeiro balneário, simples e de construção modesta, erguia-se entre a terra e o arvoredo, acolhendo quem ali vinha em busca de alívio para os males do corpo. O cheiro mineral misturava-se ao das resinas e ao fumo das fogueiras acesas pelos trabalhadores. Havia um movimento tranquilo: viajantes que chegavam em carroças, mulheres de lenço e homens de chapéu. no final do século, o comboio e o apeadeiro a 2 quilómetros da localidade facilitam a viagem, embora os banhos estivessem em mau estado por incúria da câmara.
Em 1887 — o ano em que o comboio trouxe ao local o rumor do progresso — José de Oliveira Zúquete, Jerónimo de Lima Pais de Sande e Castro e Afonso Augusto Perdigão, sonharam um hotel nas margens das “águas milagrosas” de Monte Real. Requereram concessões, redigiram intenções, ergueram no papel o desejo de hospitalidade e prosperidade. Mas o tempo, sempre senhor do que germina e do que se apaga, deixou o projeto por cumprir. Ficou o eco de uma vontade adiada, um esboço de sonho arquivado entre papéis e esperanças.
Anos depois, em 1915, o traço do arquiteto José Ferreira de Assunção redesenha o destino: nasce o novo balneário, erguido no ano seguinte com o perfume quente das águas e da fé nas curas. As máquinas, vindas da América, são o símbolo de uma modernidade que atravessa oceanos — ferro e vapor ao serviço da regeneração.
Por detrás do empreendimento ergue-se a figura de Manuel da Silva Pereira, industrial de adubos, homem de fortuna e de ação, natural da Ortigosa. Compra as nascentes em hasta pública, adquire os terrenos, investe o seu nome e o seu capital. Não é apenas um negociante — é um semeador de obras. Já em 1908, integrara a Junta Diretora dos Serviços do Rio Lis, representando a sua terra natal. Agora, em Monte Real, rasga a Avenida das Termas como quem abre uma veia luminosa no solo: o caminho do repouso, da cura e da fé nas águas.
E assim, a 2 de julho de 1919, as termas reabrem. O vapor regressa, a esperança tem endereço. A construção de um grande hotel-casino avança, com o fulgor de uma promessa inacabada. Arrendado, por necessidade, aos proprietários do Hotel da Curia, abre mesmo antes de pronto — porque há desejos que não esperam pela conclusão das obras.
Em torno das termas, multiplicam-se pensões, casas de aluguer e um restaurante que acolhe viajantes e convalescentes. Monte Real volta a respirar — não apenas as águas que curam, mas o espírito de um tempo que acreditava que o conforto, a saúde e a beleza podiam nascer da mesma nascente.
Em 1925, quando o hotel ainda não está totalmente acabado no seu interior e, portanto, não totalmente aberto ao público, já doente, o proprietário doa-o ao seu sobrinho, Olympio Duarte Alves. Por decisão deste, o seu irmão Joaquim Duarte Alves fica com 25% do capital da empresa. O hotel é aberto ao público, definitivamente, a 7 de agosto de 1927.
O hotel passa a ser um símbolo de elegância e hospitalidade, abrindo Monte Real ao país inteiro, e à entrada dos anos 30 é construída a alameda de ligação entre as termas e o hotel.
O escritor Ferreira de Castro dá nota, em 1935, da sua estada nesta estância termal (Ferreira de Castro, “Monte Real e as suas Termas”, separata do “Portugal Médico”, 3. Porto: Tipografia da “Enciclopédia Portuguesa”, Lda., 1935, p.4):
Uma ladeira liga este nível médio, cortado pela velha rua da Vila com o seu pelourinho e, na mesma direção, pela estrada de Leiria a Vieira, na qual se encontra o belo Hotel das Termas, emergindo duma mata de eucaliptos e pinheiros, a Pensão Internacional, algumas casas de aluguer, uma farmácia e a caixa de correio desta localidade, que urge deixar de ser estação postal de 4.º classe. A altitude do rés-do-chão do Hotel é e 33 metros.
Ao lado do Hotel, uma avenida de 500 metros de extensão, em rampa, ensombrada pela mata e na qual há uma garagem para recolha de automóveis, conduz ao nível inferior, onde termina por um parque. Ao fundo, o Estabelecimento Balnear, tendo anexa uma capela com culto. Ao lado, a antiga Pensão Avenida. É o nível dos campos do rio Liz, cortados por valas, insuficientemente drenadas para evitar a pululação de mosquitos.
A partir do ano seguinte, foi elaborado pelos arquitetos Ernesto Korrodi e Camilo Korrodi o projeto de remodelação do balneário (1936-1939) e dá-se início aos estudos de urbanização da vila de Monte Real, sendo o grande impulsionador destas mudanças o seu proprietário e concessionário.
Os projetistas Ernesto Korrodi e Camilo Korrodi eram de origem suíça, com papel marcante na arquitetura portuguesa entre o final do século XIX e meados do século XX — sobretudo na região centro do país. Ernesto concorre, na delegação do Governo Português de Berna, a um lugar de professor de desenho, na sequência da reforma das escolas industriais de Emídio de Navarro. A sua obra prosseguiu com seu filho Camilo Korrodi e este em parceria com o arquiteto Célio Cantante. Na arquitetura termal, projetou um novo balneário para a Fonte Quente, em Leiria (1913), intervenções nos Grande Hotel Universal, nas Caldas do Gerês (1926) e Grande Hotel da Bela Vista, em Caldelas (com data imprecisa) e a construção do balneário de Castelo de Vide (1941). Data de dezembro de 1936 o anteprojeto de ampliação do balneário de Monte Real, que permitiu que, no ano seguinte, se procedesse ao aumento da sua capacidade.
Em Monte Real, a arquitetura encontrou um sopro de arte e de modernidade. Entre as árvores e o murmúrio das águas, ergueu-se um estilo eclético de feição Arte Nova, onde a funcionalidade se entrelaça com o ornamento, e o detalhe decorativo confere alma às fachadas, aos pavilhões de tratamento e aos espaços de lazer.
Na viragem de uma época, António Varela, arquiteto do modernismo português, imprimiu ali o seu traço. Em 1939, concebeu o projeto de ampliação do Hotel de Monte Real, prolongando a elegância existente com uma estrutura de três pisos harmoniosamente alinhada com o edifício original. Varela, cuja obra se estendeu por várias localidades do país — das fábricas à habitação, do Algarve a Monte Real —, deixava aqui também a marca do seu rigor e do seu sonho construtivo. O novo corpo do hotel acolhia quartos de luz e de repouso, espaços pensados com equilíbrio e medida: no piso térreo, oito quartos individuais e dois de casal, todos com o conforto discreto das instalações privativas; nos andares superiores, outros tantos refúgios de descanso, ladeados por rouparias, arrecadações e quartos de serviço, onde a ordem sustentava o encanto. As escadas — uma nobre e central, outra de serviço — ligavam os andares como veios verticais de um organismo em harmonia, unindo o quotidiano à elegância, o útil ao belo.
Este foi o período mais relevante de expansão das termas e da localidade: renovação do hotel e ampliação do estabelecimento termal, construção da capela das termas e da igreja da vila, para além da abertura de novos arruamentos, construção de infraestruturas de água, saneamento e eletricidade, novos edifícios habitacionais, novas unidades hoteleiras, cinemas, cafés, mercado e Junta de Turismo.
Em 1941, Monte Real fervilhava de águas e de gente. O Plano de Arruamentos nascia como promessa de ordem e progresso, enquanto as termas se enchiam de corpos e esperanças — 2 302 aquistas, número “astronómico”, como lhe chamou o arquiteto David Moreira da Silva, autor do Anteprojeto de Urbanização que mais tarde se tornaria um Anteplano. Era tempo de desenhar o futuro, de alinhar ruas, árvores e sonhos ao compasso da cura.
Poucos anos depois, em janeiro de 1944, o arquiteto Camilo Korrodi desenha as alterações do estabelecimento termal — projeto aprovado logo no mês seguinte, como se o país tivesse pressa em prosseguir o seu banho de modernidade. Ironia do destino: nesse mesmo ano morria Ernesto Korrodi, o mestre de um tempo em que a arquitetura ainda tinha o dom de comover. Entre pai e filho, o risco no papel parecia herança e despedida.
O hotel, discreto, mas persistente, foi sofrendo transformações. Em 1948, o concessionário já dava conta das obras sucessivas, sinais de um esforço de reinvenção. E em 1 de agosto de 1952, as modernizações — com o luxo, então raro, de instalações sanitárias em cada quarto — valeram-lhe a classificação que o colocava num novo patamar. O conforto tornava-se sinónimo de dignidade.
O destino de Monte Real seguia o curso das suas águas: o termalismo ditava a economia, mas outro movimento viria intensificar-lhe a pulsação. A Base Aérea n.º 5, inaugurada em 4 de outubro de 1959, trouxe oficiais, famílias, visitantes. Diz-se que António Melo, “o coronel” como era conhecido, pai do futuro general Galvão de Melo, foi hóspede assíduo, fiel ao hotel como quem regressa a um abrigo conhecido. Quando chegou para comandar a Base, o hotel foi o seu quartel provisório — metáfora perfeita para um tempo em que a hospitalidade servia de casa à história.
E enquanto o país organizava o seu turismo por decreto — desde 1955, com a criação das Juntas de Turismo e das Comissões Municipais —, em Monte Real havia quem o fizesse por vocação. Narciso Casimiro da Costa, homem das letras, das artes e do ensino, tomou nas mãos essa missão graciosa. Nascido em Braga, mas de alma leiriense desde 1914, viveu entre escolas e assembleias, cultura e civismo, como se soubesse que também as cidades, como os homens, precisam de quem lhes dê rumo e sentido.
Assim se escrevia a história de Monte Real nos anos do pós-guerra: entre arquitetos e generais, entre planos e águas, entre leis e gestos anónimos. A vila tornava-se espelho de um país que, entre a tradição e a modernidade, aprendia lentamente a cuidar de si — com desenho, com memória e com fé na persistência do lugar.
Em meados do século, Monte Real era um desses raros refúgios onde o relógio se rendia à lentidão das águas. Vinha-se por prescrição médica ou por uma moléstia mais funda: a do quotidiano. Chegava-se de comboio, com malas de cartão e uma esperança discreta, como quem procura um milagre sem escândalo. O ar tinha um travo de eucalipto, e o primeiro gole de água termal deixava na boca o gosto antigo da terra. Os edifícios do hotel e das termas eram protagonistas, como templos laicos dedicados ao repouso. Dentro das termas, o vapor erguia-se em nuvens serenas, e os ecos das vozes misturavam-se ao rumor invisível das fontes. Dentro do hotel, todos os espaços convidavam à felicidade, designadamente, o salão de baile e a esplanada adjacente.
De manhã, as senhoras desciam com passos contidos, levando nas mãos o pequeno copo de vidro ou deixando-o nas próprias termas. O sol filtrava-se por entre as folhas, e os chapéus moviam-se como flores cuidadas. Os cavalheiros liam jornais dobrados, falavam do governo, da colónia, ou do tempo que fazia em Lisboa — essa cidade que, por alguns dias, parecia tão distante quanto Paris.
À tarde, o parque enchia-se de sombras e confidências. Falava-se de curas, de filhos, de recordações. Havia quem escrevesse cartas, quem namorasse com a timidez de um tempo sem pressa, quem apenas olhasse o vento mover as folhas — um espetáculo suficiente.
Quando o sol caía, os espaços do hotel acendiam-se como uma promessa. O piano contava histórias sem palavras. Dançava-se, devagar, entre a leveza do instante e o peso do costume. O fumo dos cigarros subia em espirais que pareciam prolongar o vapor das termas — a mesma neblina, agora feita de música.
Monte Real era, então, mais do que um destino termal: era uma liturgia suave onde o corpo se reconciliava com o espírito. Cada banho era um renascimento, cada gole de água um pacto silencioso com o esquecimento. E quando o verão terminava, os visitantes partiam levando no rosto um sossego novo — o mesmo que as fontes continuavam a murmurar, eternas, na solidão do vale. Porque há águas que sabem o tempo. E Monte Real, nesse meio do século, era precisamente isso: um lugar onde o tempo aprendia a ser água.
No hotel, a vida passava devagar, com o requinte de quem sabe que o repouso também é uma forma de arte. Era a década de sessenta — o país ainda vivia entre o silêncio e o verniz —, e ali, entre colunas brancas e cortinas pesadas, o tempo parecia suspenso num murmúrio de porcelanas e passos discretos.
Olympio Duarte Alves, elegante e de verbo cuidado, era o cicerone perfeito dessa pequena sociedade termal. Cumprimentava os hóspedes e conhecia-os pelos nomes, mas também os gestos e os segredos de cada visitante. Tinha o sorriso dos que nasceram para acolher e o olhar atento de quem sabe que a hospitalidade é, antes de tudo, uma forma de respeito.
As manhãs começavam com o aroma do café fresco misturado ao das tílias. No salão, os jornais abriam-se sobre as mesas, e as conversas subiam em tons contidos: o câmbio, as eleições em Lisboa, o novo disco de Amália. Pelas janelas, via-se o brilho do parque, e os hóspedes preparavam-se para a romaria das águas — o ritual sagrado de beber e caminhar, com o pequeno copo de vidro na mão. À hora do almoço, o restaurante do hotel ganhava um bulício elegante e há quem se lembre das famosas e apetitosas pescadas da Nazaré e do vinho da casa, uma produção do amigo general Santos Costa, a qual viajava em pipas desde Alcafache. As tardes eram lentas e luminosas. No átrio, ouvia-se o som do piano, e o cheiro das flores cortadas misturava-se ao do polido das madeiras. Alguns hóspedes liam, outros escreviam postais com letra inclinada, descrevendo o sossego e o “ar puro de Monte Real”. Havia quem dormitasse no terraço, sob o murmúrio das cigarras, e quem apenas esperasse — sem saber bem o quê — diante do tempo suspenso. À noite, as luzes baixavam e o salão transformava-se num pequeno palco de convivência. Havia música, baile, recitações e cinema.
O Grande Hotel de Monte Real era, então, mais do que um lugar de hospedagem — era um microcosmo de elegância e contenção, uma espécie de sala de estar do país discreto que éramos. Olympio Duarte Alves, com a sua gentileza de outros tempos, foi o espírito que deu alma a esse cenário: o anfitrião do sossego, o guardião das boas maneiras, o homem que fazia do quotidiano um cerimonial. Quando o verão terminava, e os hóspedes regressavam às cidades, o hotel ficava em silêncio. Quem lá tinha estado levava consigo algo de inominável — a lembrança de um lugar onde tudo se fazia com leveza, e onde até a solidão tinha boa companhia.
Na noite de 12 para 13 de maio de 1967, o hotel acolheu uma presença que passaria quase despercebida aos hóspedes e ao povo da vila. O presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, chegava ao cair da noite, vindo diretamente de Lisboa e, no dia seguinte, viajar para Fátima para assistir à celebração presidida por Sua Santidade o Papa Paulo VI, cujo almoço no santuário foi confeccionado, precisamente, pela senhora de Olympio Duarte Alves, Maria de Nazareth de Magalhães Mexia Alves.
Nessa noite, o automóvel preto do chefe do Governo tomou a estrada nacional em direção a Monte Real. A escolha não foi casual: o local oferecia o sossego necessário, uma vigilância eficiente e a discrição que sempre preferira. A tal ponto que os serviços do Estado deram uma instrução ao hotel para que não houvesse hóspedes, o que surpreendeu Salazar quando chegou. Apenas estava José Soares Barbosa, concessionário das Termas de Caldelas, amigo do dono do hotel e que também ia a Fátima. Olympio Duarte Alves era governador civil de Leiria e recebeu Salazar na porta de entrada. O “staff” do hotel, previamente instruído, recebeu-o em silêncio cerimonioso. Foi servido um jantar leve antes de se recolher ao quarto de um dos andares do corpo ampliado do hotel. Nos corredores, a segurança era visível e o recolhimento quase monástico. O velho estadista meditava sobre o sentido da peregrinação papal e sobre o destino do país. Escreveu algumas linhas, em letra minúscula e precisa, no seu bloco de notas talvez alusões à fé, à ordem e ao dever. Às primeiras horas de 13 de maio, a claridade de uma lâmpada ainda se via da rua. O hotel dormia, Monte Real permanecia imóvel e o país parecia suspenso no tempo. Salazar, cansado, mas vigilante, deixava que a noite o envolvesse para bem cedo rumar a Fátima.
A visita papal foi um acontecimento histórico: a primeira vez que um Pontífice pisou solo português. O regime preparou cada pormenor com minúcia cerimonial — os discursos, as distâncias, as transmissões radiofónicas. Salazar, já fisicamente fragilizado, mantivera-se contido, atento, mais observador do que participante, ciente de que a dimensão espiritual do dia ultrapassava qualquer narrativa política.
Meses depois, o homem que regressara de Fátima com a sensação de missão cumprida sofreria o acidente doméstico que o afastaria do poder. Mas nessa noite de 1967, entre o murmúrio e o perfume da envolvente, Salazar ainda acreditava — como sempre — que Portugal, como ele, resistiria ao curso da história.
O tempo detém-se e, no seu repouso, recorda outras vozes que pernoitaram neste hotel.
António Lopes Ribeiro, o cineasta que filmou o país como quem filma uma alma, também precisava de descanso. Nalguns anos, escolheu Monte Real, onde o silêncio tem cheiro de pinhal e o ar termal cura as pressas do tempo. António Lopes Ribeiro não realizava filmes, realizava a pausa.
Mário de Figueiredo, no terraço do hotel, escrevia. Não eram decretos nem discursos, apenas notas, talvez fragmentos de um pensamento que precisava respirar. Professor de Coimbra, ministro de Salazar, presidente de uma associação nacional dedicada à educação e à assistência, Mário de Figueiredo foi, durante décadas, o rosto sereno da ordem moral do Estado Novo.
Miguel Torga, de olhar interior e verbo de pedra, teria escutado o murmúrio das nascentes como quem ouve o pulsar secreto da terra. Talvez tenha escrito em silêncio, com a montanha dentro, um verso invisível no vapor que subia das bacias termais.
Maria Teresa de Noronha, senhora de canto e elegância, poderá ter deixado no salão uma nota suspensa, a ecoar entre cristais e tapeçarias. A fadista que sabia conter a alma numa sílaba talvez tenha ali aprendido a lentidão do repouso, o luxo discreto de se ouvir o próprio coração.
Joaquim Veríssimo Serrão, o historiador que mediu o país com rigor e ternura, caminharia pelos corredores como quem lê nas paredes a caligrafia do passado. No final dos anos 70, m cada pedra, uma data; em cada sombra, um nome que se perdeu.
Nos anos dourados de 1950 a 1980, quando a alta sociedade portuguesa se misturava entre águas e confidências, Monte Real foi palco de refúgio. Havia o brilho das toalhas engomadas, o rumor das conversas, o perfume dos cigarros finos e das flores de mesa. Cada rosto trazia o disfarce do veraneante, e cada gesto guardava um segredo de poder, de amor e de fuga.
Hoje, o vento que passa pelos jardins ainda parece dizer: aqui descansaram os que quiseram esquecer o tempo. A verdadeira nobreza é a de quem escuta o silêncio que cura.
Olympio Duarte Alves foi uma das figuras mais marcantes da hotelaria e da vida cultural de Monte Real no século XX. Para além da sua atividade empresarial, envolveu-se ativamente na administração local e no serviço público. Serviu como governador civil de Leiria e ocupou cargos como presidente da Câmara Municipal de Leiria, presidente da Junta de Freguesia e vereador. O seu serviço público foi reconhecido com o título de “Oficial da Classe do Mérito Industrial”. Os seus contributos para a vida económica e cívica da região de Leiria deixaram um impacto duradouro, com o seu nome perpetuado em várias infraestruturas e espaços públicos. Nascido em Carvide, destacou-se como proprietário e cicerone do Hotel de Monte Real, onde, durante décadas, humilde, falava com todos os hóspedes com uma elegância natural que o tornou lendário entre quem o conheceu. Culto e afável, manteve também uma ligação constante às artes e à vida pública da região, colaborando com iniciativas culturais e dinamizando o ambiente termal que fez de Monte Real um dos destinos mais distintos da época. A sua memória permanece associada àquela forma rara de hospitalidade que unia gentileza, inteligência e sentido de cena — um estilo português de bem receber que hoje parece pertença de outro tempo, mas que em Monte Real teve nele o seu mais nobre intérprete. Manteve-se de 1925 a 1978 na gestão da empresa das termas e do hotel. É neste último ano que sofre um grave problema de saúde. A gestão direta passa para o seu filho, Joaquim Mexia Alves, acompanhado por outros dois irmãos, e a partir de 1980 apenas por um irmão mais velho a residir no Porto. Anos depois, também o neto Luís Mexia Alves esteve a dirigir a operação das termas e do hotel até ao fecho, em resultado de necessitar de obras profundas, para as quais não havia capital. Os colaboradores do hotel passaram para a operação das termas, fazendo na ocasião cursos no CINÁGUA. Liliana lembra os nomes de Joaquim Gaspar, chefe de mesa, e Joaquim Manuel Guerra, rececionista do hotel, até à reforma depois de meio século ao serviço de Monte Real. Segundo o testemunho do antigo administrador Joaquim Mexia Alves, ambos eram pintores durante o inverno, exercendo essa profissão nas permanentes obras de inverno.
Nos últimos anos antes do fecho, em 1989, ainda tremeluzia um desejo: o de subir de duas para três estrelas — talvez um gesto simbólico, como quem quer que o céu reconheça um brilho que o tempo teima em apagar. A administração sonhava modernidade, dignidade, reclassificação. Sonhava, sobretudo, que o nome “Hotel de Monte Real” voltasse a soar com a altivez dos dias antigos.
Em 1984, chegou o pedido de Declaração de Relevância Turística: palavras solenes para tentar fixar, no papel, a importância de um lugar que já habitava a memória. O projeto de ténis e squash, assinado pelo arquiteto José Fava, nasceu entre setembro de 1986 e dezembro de 1988 — pequenas utopias desportivas lançadas entre as termas e o hotel, no coração da avenida que o tempo suavizara.
E logo a seguir, entre dezembro de 1988 e fevereiro de 1989, veio o novo projeto: remodelar, ampliar, devolver à pedra o seu prestígio. A memória descritiva, datada de 3 de fevereiro de 1989, é um retrato fiel do que se pretendia: conservar o essencial, reerguer o que o ciclone de 1942 derrubara, respeitar o traço nobre de Ernesto Korrodi, esse arquiteto de 1927 que deixara na planta a elegância do seu tempo.
Mas o texto técnico — seco, rigoroso — deixa entrever a melancolia de quem conhece as ruínas por dentro. O interior, dizia-se, era “dificilmente recuperável”: a madeira envelhecida, os tabiques frágeis, o corpo cansado do edifício. Só o rés-do-chão resistia, quase inalterável, como um velho que, mesmo combalido, mantém o olhar firme.
As fachadas, sim, estavam bem — “cantarias lavradas em bom desenho”, dizia o relatório. Pedra que sobrevive, desenho que dura. Mas os acréscimos dos anos 40, incaracterísticos, teimavam em destoar, sem alma nem função. O arquiteto concluiu o inevitável: para ter um hotel moderno, digno do nome e da história, seria preciso demolir para reconstruir. Não destruir o passado — antes reerguê-lo com outra força. Refazer o corpo poente, reforçar o antigo, devolver-lhe estrutura e coração. Renovar não só o betão e a madeira, mas também o espírito hoteleiro, as infraestruturas, o gesto de acolher. Construir, enfim, um corpo novo como um pulmão que desse vida à memória.
Assim, o documento de 1989 é mais do que um relatório técnico: é um ato de amor em linguagem de arquiteto. Entre as linhas que falam de cantarias e decretos, murmura-se o desejo de ressurreição. O hotel estava cansado, mas ainda sonhava — e o sonho, mesmo à beira do fecho, continuava a escrever o seu projeto de eternidade. O projeto foi aprovado, mas o hotel fechou mesmo assim. Há destinos que recebem a bênção da assinatura e, ainda assim, não resistem ao silêncio. A Direção-Geral do Turismo dera o seu parecer, mas o tempo, esse outro fiscal mais exigente, decretou encerramento.
Dez anos depois, em 1999, volta-se a pedir reconhecimento: a Declaração de Relevante Valor Arquitetónico e Histórico-Cultural. É uma súplica elegante, escrita em linguagem técnica, mas movida por emoção: alguém ainda acreditava que aquelas paredes contavam história, que a pedra guardava o eco de vozes e águas. A resposta foi ambígua, como tantas vezes é o destino. Indeferido o valor arquitetónico, concedido o histórico-cultural. O hotel, disseram, não tinha sido palco de “importantes eventos”, mas tinha pertencido a uma envolvente viva — social, cultural, terapêutica — que o tempo teceu à sua volta. O edifício era recente demais, talvez, para ser memória. Mas ainda assim, resistia o seu perfume de época, o seu traço, a sua dignidade discreta. No parecer assinado por Luísa Proença, ainda se lê o reconhecimento: “imóvel que, em razão da traça e dos materiais utilizados, traduz significativamente a arquitetura erudita ou tradicional”. Era, afinal, um elogio moderado — quase um sussurro —, mas suficiente para dizer que o hotel tinha alma, mesmo sem medalha oficial.
Em novembro desse mesmo ano, o arquiteto Fernando Teixeira Gordo surge como quem quer devolver corpo ao espírito. O seu projeto propõe mais do que remodelar: quer redimensionar o sonho, elevando-o de duas para quatro estrelas. O plano é claro e poético à sua maneira: demolir o peso dos anos 50, aliviar a “Peça” original, libertá-la do que lhe tolheu a respiração. Retomar o torreão central, devolver-lhe a volumetria inicial, abrir espaço ao lazer, à luz, à nova vida. Na memória descritiva permanece uma reverência contida — fala-se em “traços Arte Nova”, em harmonia entre o que se herdou e o que ainda se deseja. Março de 2000 chega, e o mesmo arquiteto reaparece, trazendo nas mãos o hotel renascido em papel, amadurecido pelo tempo e pela esperança. O ano seguinte concede a aprovação final: nos arquivos dormem carimbos, datas, assinaturas — gestos formais de um processo morno. Mas por entre as linhas secas dos relatórios, sopra uma respiração teimosa, a persistência de uma ideia: a de que um edifício pode adormecer durante décadas e, mesmo assim, continuar a sonhar.
O Hotel de Monte Real esperava — entre indeferimentos e silêncios — o instante em que passado e futuro se olhassem sem medo. E esse instante chegou, enfim, em 2005, quando a propriedade passou para o Grupo Lena. Foi então que a terra, a pedra e a água começaram a mover-se de novo: o complexo hoteleiro, termal e paisagístico entrou em obras profundas, como um corpo em metamorfose. Os projetos de remodelação e ampliação, assinados pelo arquiteto António Garcia entre 2006 e 2007, retomaram o fio interrompido da história. A 21 de março de 2006, entra na Direção-Geral do Turismo o projeto de reclassificação para quatro estrelas — o mesmo sonho de outros tempos, agora com nova linguagem e fôlego renovado.
Entre o velho e o novo, ergueu-se uma passagem luminosa: uma cobertura transparente, ponte de vidro entre tempos, permitindo que o sol atravessasse o espaço e unisse as duas almas do hotel. Ali, o passado deixava de ser sombra, e ergue-se um sonho que tenta conciliar passado e futuro. O papel da memória descritiva fala em volumes e alçados, mas por detrás das palavras respira a ambição de um hotel que quer crescer sem se trair. Um novo corpo em forma de L nasce junto ao velho edifício, como se o abraçasse com respeito e distância. Nas linhas frias da memória técnica, há gestos de quem pensa o hotel com régua e compasso, mas também com o coração discreto de um arquiteto que sabe que a beleza também pode esconder-se nos espaços mais íntimos. O acesso principal mantém-se — como se o tempo, por uma vez, tivesse aceitado não mexer nas portas. A avenida das termas, inclinada e paciente, tem o movimento dos carros, dos dias, dos regressos. O projeto prevê lugares contados: vinte e quatro ao ar livre, trinta e três sob o chão — quase uma metáfora do que cabe entre o visível e o oculto. E embora se peça apenas o brilho de quatro estrelas, o desenho foi sonhado para cinco. A intenção é clara: não imitar o passado, mas dialogar com ele. Nenhum “pastiche”, nenhuma cópia servil. Apenas o encontro de duas épocas, duas linguagens que se olham e se reconhecem, distintas e cúmplices. Assim, o projeto deixa de ser apenas construção: é reconciliação. Entre o peso da pedra antiga e a leveza do vidro moderno, entre o rigor da memória descritiva e a poesia silenciosa da forma. Um hotel nasce, mas o que se ergue, verdadeiramente, é o diálogo entre aquilo que fomos e o que ainda ousamos ser.
O sonho ganhou forma oficial: quatro estrelas provisórias, como promessas acesas no firmamento da burocracia. O papel dizia “classificação”, mas o que se aprovava, no fundo, era um renascimento. As obras chegaram ao fim em 2009, e o tempo antigo do hotel encontrou-se com o tempo novo. O hotel não é apenas um edifício remodelado: é uma história que se recompôs, gesto a gesto. Das antigas traseiras floresceu uma nova memória — não feita de datas ou classificações, mas de luz e de uma promessa discreta: a de continuar a acolher o tempo com elegância.
A obra foi feita e vivenciada.
Porém, em fevereiro de 2014 e pelo rasgamento de uma das margens do rio Liz, as águas vieram sem aviso, rasgaram corredores, inundaram salões e percorreram os mármores com o peso silencioso da fatalidade. As termas, guardiãs de tanto repouso e tantos verões, ficaram submersas, caladas, quase impossíveis de reconhecer. O vapor, que durante décadas se erguera em nuvens leves, sumiu; o murmúrio das fontes transformou-se em silêncio. Monte Real não desistiu. Durante meses, o trabalho e a paciência reconstruíram o espaço que o inverno havia levado. Em julho, depois de 2,5 milhões de euros investidos, as termas voltaram a abrir, as portas rangendo suavemente como quem se prepara para respirar de novo. O calor das águas regressou às salas, aos balneários, aos corredores que conheciam histórias de hóspedes e confidências sussurradas. Hoteleiros e comerciantes ganharam esperança.
O hotel manteve-se em funcionamento.
Com Zélia Teixeira, licenciada em Turismo pelo Instituto Politécnico de Bragança em Mirandela (a sua origem), fiz o “check-out” como quem encerra um pequeno capítulo de vida. Paguei o que tinha a pagar. Agradeci as cortesias com um sorriso discreto, consciente de que há gentilezas que não cabem no recibo. O átrio parecia mais luminoso naquele instante, talvez por saber que a despedida também tem o seu brilho. Pediram-me uma fotografia, e caminhei para a frente do hotel. O clique selou a lembrança de estar em frente da fachada imponente, coroada pela suíte 300 (duplex), especialmente dedicada a quem a pode pagar, designadamente, figuras famosas que não esconderam o facto de pernoitarem neste hotel. Herman José foi um deles, no início da última reabertura do hotel, bem como o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, aquando das comemorações do 10 de Junho de 2024. Um dia, talvez, um escritor de viagens tenha essa mesma possibilidade ou distinção.
À saída, ainda tive tempo para, em frente da fachada do hotel e junto à antiga casa da família Mexia Alves (desenhada por Ernesto Korrodi), visitar um pequeno reino sereno onde o olhar parece abrandar. Na quinta pedagógica, os patos domésticos caminham com o ar pachorrento. As cabras-anãs, travessas, disputam o olhar dos visitantes. As ovelhas pastam com uma calma antiga. Numa casinha de madeira, os ratinhos movem-se, atrevidos, como se quisessem decifrar os segredos de quem os observa. O riso das crianças mistura-se com o balido, o grasnar e o rumor das folhas. Tudo respira simplicidade e harmonia. A quinta pedagógica é, afinal, uma lição de ternura, onde o contacto com os animais recorda o valor do cuidado e da vida que pulsa em cada canto.
Em jeito de conclusão, o Palace Hotel Monte Real é a memória que guarda segredos de séculos. Entre o murmúrio das fontes e o perfume das árvores, o tempo detém-se e renova-se, como se cada nascente devolvesse à terra o eco das histórias humanas que se passaram, onde o esplendor e a serenidade deram as mãos à sombra das árvores e na tranquilidade do hotel. Está marcado na lembrança de alguns e nas páginas escritas o fervilhar das épocas douradas – um santuário de saúde e encanto e uma coroa de prestígio nascida do vapor e do repouso. O tempo, contudo, é um arquiteto silencioso: muda os rostos, mas preserva a alma. O Palace Hotel Monte Real permanece fiel ao seu espírito: um lugar onde o passado repousa, o presente respira e o futuro se anuncia no rumor constante das águas termais — como se cada gota contasse, em voz baixa, a poesia da permanência.
Há lugares onde o tempo não passa — apenas se dissolve.
Por Jorge Mangorrinha, escritor de viagens






Bonita história da Vila de Monte Real e suas Termas, conheço bem desde 1998, onde pela primeiea vez conheci Monte Real. Parecia um paraiso, tudo florido com as maravilhosas Hortênsias, as pessoas encantadores e afáveis, vivia-se a alegria, o bem estar o conforto a pureza da água que fazia as pessoas felizes.
Hoje a tristeza total, o Hotel das Termas continua a funcionar, mas tudo o resto é tristeza pelo que já foi. As Termas a funcionarem a cem por cento, o corre corre das pessoas dos hotéis, pensões cheios, das bonitas lojas que existiam, os espectáculos oferecidos aos termalismo no exterior do Hotel das Termas. Enfim, a evolução era muita para a época e a vivência era feliz. A esperança é a última a morrer, dizem, esperemos que as Termas de Monte Real voltem, talvez devagar devagarinho, mas que voltem. Soube há bem pouco tempo que encontraram a mesma qualidade de água das termas, água sulfurosa, a 1 km da vila, aguardemos que alguém se interesse pela bondade da natureza e aproveite e bem o que ela nos dá. Obrigada pelo vossa descrição e da sabedoria da História deste bonito País.