“Hoteleiros sem Fronteiras” consiste numa série de entrevistas com profissionais portugueses que desenvolvem a sua atividade no estrangeiro, procurando explorar os seus percursos profissionais e as experiências que têm adquirido em diferentes mercados.
Com Tiago Camacho
De um estágio em Cancun a uma trajetória consolidada no Reino Unido, Tiago Camacho, atual Head of Projects, Brands and Operations, em Londres, traz consigo uma bagagem de mais de uma década de experiências internacionais na indústria hoteleira. Com anos de dedicação e colaboração com diversas cadeias hoteleiras, o seu percurso é um testemunho de paixão, conhecimento e crescimento contínuo na hotelaria. Nesta entrevista, exploramos as conquistas e desafios que moldaram a carreira do madeirense.
Por que decidiu, em 2009, ir trabalhar para um hotel em Cancun, no México, e, a partir daí, construir uma carreira internacional?
A decisão teve muito a ver com a pessoa que sou. Sou orgulhosamente madeirense, uma ilha acolhedora e cheia de atividades turísticas, mas gosto muito de viajar, conhecer novas culturas, gastronomia e turismo. As boas relações que a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril tem com várias companhias hoteleiras mundiais abriram esta grande oportunidade. No final de cada ano, tínhamos que escolher onde estagiar e esta oportunidade de me aventurar no México, em Cancun, foi do meu agrado para terminar a minha licenciatura, pois oferecia o que procurava: trabalhar num grande complexo hoteleiro, com mais de 3.000 quartos em diferentes áreas, durante largos meses. Ao mesmo tempo, dava-me uma boa oportunidade de aprofundar os meus conhecimentos noutra língua – o espanhol – que achei ser um fator muito importante. Foi, sem dúvida, uma experiência muito enriquecedora a todos os níveis, pois num curto espaço de tempo aprendi e vivi intensamente o trabalho num hotel Resort/All inclusive num dos destinos mais conceituados do mundo.
“Sair de Portugal nunca é uma decisão fácil, mas olhando para o meu passado, esse desafio passou a ser uma vantagem pela maneira como fui crescendo”
Quais foram os maiores desafios que enfrentou ao trabalhar em diferentes países e culturas?
O começo é sempre a parte mais delicada, pois tudo é muito diferente do que estava acostumado e também criamos sempre uma expectativa que nem sempre corresponde à realidade. Mas todas as minhas decisões foram baseadas na procura do melhor país e companhia que me pudesse dar uma oportunidade para crescer profissionalmente, e sempre fui cauteloso nesse aspecto. Todos os países são distintos na cultura de trabalho, no viver o dia a dia, nos segmentos turísticos, mas sempre procurei sentir-me confortável com a minha escolha antes de me aventurar além-fronteiras. Tive a sorte de conhecer muitas pessoas que levarei comigo para sempre, pois apoiaram na adaptação, na formação ou simplesmente fizeram-me sentir mais confortável.
Sair de Portugal nunca é uma decisão fácil, mas olhando para o meu passado, esse desafio passou a ser uma vantagem pela maneira como fui crescendo.
Que diferenças observou entre o setor hoteleiro em Portugal, Reino Unido e Suíça, onde trabalhou?
Quando falamos de hotéis, normalmente associamos a férias, descanso ou lazer. Atualmente, em termos hoteleiros, vejo na Europa um turismo no mesmo patamar de cultura de trabalho, conhecimento, standards, tecnologia, mas, na altura, Portugal era ainda um destino sazonal, conhecido pela sua cultura, gastronomia e praias. Hoje em dia, essa sazonalidade já não existe, as taxas de ocupação são mais consistentes e, como português, sinto-me orgulhoso de ver essa mudança.
Reino Unido e Suíça são países com um turismo diversificado e consolidado há imensos anos e isso foi notório em cada unidade hoteleira ou nas cidades em que trabalhei. Existia e ainda existe muito mais expectativas e standards nestes países, pois serão sempre umas das maiores metrópoles de turismo e um ponto de encontro da Europa ou do mundo, onde chega turismo de todas as partes e culturas do mundo e com diferentes razões, sendo o negócio e o lazer as principais. A cultura de trabalho foi, sem dúvida, o que mais me surpreendeu, pois tive a oportunidade de trabalhar com pessoas de diferentes backgrounds. Num país como o Reino Unido, temos que nos adaptar não só a um país, ao hotel, mas também às pessoas com quem se trabalha e como se trabalha.
Tecnologicamente, estamos a falar de países mais avançados, o que é normal, pois existem muitas unidades hoteleiras e companhias associadas às maiores marcas do mundo, o que traz imensas vantagens apostando na marca internacional vs a marca local.
Como se adaptou a diferentes ambientes de trabalho e mercados hoteleiros ao longo dos anos?
Nos anos em que fui ganhando experiência nas diversas áreas e companhias, senti-me mais confiante em adaptar-me às diferentes realidades e estruturas que ia fazendo parte. Trabalhei com pequenas, medianas e enormes equipas de trabalho e o que tento sempre procurar é tentar fazer parte de uma equipa o mais rápido possível, para que possa ser mais um a ajudar. Gosto muito da ideia de trabalho em equipa, pois tem sido sempre a minha abordagem e até hoje sempre deu bons resultados. Não sou uma pessoa que chega e muda as coisas nos primeiros dias, prefiro observar, perceber cada pessoa e departamento, ouvir ideias e todos juntos formular medidas para melhorar nas diversas áreas.
Procurei sempre juntar-me a grupos hoteleiros grandes e ambiciosos, mas penso que o meu trajeto profissional foi o certo para mim, pois fui crescendo profissionalmente e os hotéis onde trabalhava também iam sendo “upgraded”. Trabalhei em diferentes tipos de hotéis, começando por hotéis simples de B&B até chegar aos hotéis de luxo, o que me enriqueceu muito, pois o perfil de cliente, os segmentos em que estão inseridos são diferentes e o ritmo de trabalho também difere. Sempre analisei muito as localizações em que estou inserido, que tipo de cliente está à nossa volta e perceber sempre a visão da companhia e diretores com quem se trabalha, pois quando isso acontece, a adaptação é sempre mais fácil e rápida.
Quais as qualidades profissionais e conhecimentos que considera mais importantes para ter sucesso num ambiente hoteleiro internacional?
Sou um defensor de que a maior qualidade que se procura não tem a ver com a experiência, com quem se trabalhou ou boas recomendações. Para mim, a maior qualidade que se procura numa pessoa significa personalidade e atitude positiva, pois hotelaria e turismo significam estar envolvido com pessoas, e sinto que essa é a maior virtude que se pode ter. Um sorriso, um cumprimento, uma atenção a cada detalhe são mais importantes para os hóspedes de hoje em dia; é isso que os faz regressar a um destino ou hotel. Sempre estive inserido em mercados muito competitivos, com muito bedroom stock, salas de conferência, restaurantes, etc. Na minha opinião, a maneira como se pode fazer a diferença é no serviço que as equipas dão aos clientes, não a marca ou o tipo de hotel. Se analisarmos as maiores cidades europeias ou mundiais nas principais redes, é fácil perceber que muitos hotéis estão no topo dos rankings pelo seu serviço, consistência e equipas de trabalho. Contudo, é sempre importante ter uma equipa balanceada para que se aprenda uns com os outros, para criar um meio de trabalho forte, coeso e consistente.
Em que consiste a sua função como Head of Projects, Brands and Operations?
Esta minha função atual incorpora duas vertentes sobre as quais tenho grande fascínio, pois penso ser esta sinergia entre elas para qualquer estabelecimento hoteleiro ter sucesso. Uma delas tem a ver com projetos de aberturas, remodelações, implementações de sistemas e processos do grupo, e a outra é o suporte operacional a todos os hotéis e equipas do portfólio. Sempre mostrei interesse nesta posição, pois cria a oportunidade de não só estar envolvido na área operacional de um único hotel, mas de vários, como também incorporar a parte de construção ou remodelação, passando todos os conhecimentos e experiência operacional. Dá-me a oportunidade, desde muito cedo, de trabalhar com arquitetos, equipas de design, empresas de construção e a marca nos novos projetos da companhia, e, ao mesmo tempo, trabalhar com vários diretores, chefias e marcas em toda a parte operacional do grupo. Gosto muito da minha função, pois parte da minha atividade diária passa sempre por analisar toda a performance dos nossos hotéis, que inclui todo o feedback dos hóspedes, toda a parte financeira e relatórios do dia anterior, e perceber e trabalhar com os nossos hotéis em que podemos melhorar.
“Na hotelaria, nada se consegue individualmente; nenhum hotel é bem-sucedido sem a sua equipa. Sempre me concentrei nas pessoas e nas empresas com as quais trabalho, dando o meu melhor por elas”
Quais são as suas principais responsabilidades e desafios nessa função?
Na parte da construção, passa por liderar todo um projeto de abertura ou remodelações, transformando uma ideia de hotel num empreendimento concreto e bem-sucedido, trabalhando e contando com várias pessoas nos aspetos funcionais, estéticos e estratégicos. Os meus desafios passam sempre por encontrar o melhor equilíbrio em termos de investimento e a tomada de decisão, pois muitas das decisões que se tomam são baseadas em planos e discussões. Procuro sempre “construir” um hotel perfeito, mas temos sempre que considerar os custos, os materiais, incorporar as ideias de todas as partes envolvidas, encontrar sempre um equilíbrio e, por vezes, o desafio passa sempre por pensar se esta será a melhor decisão a tomar para o futuro de um hotel. Em relação ao suporte operacional aos hotéis, a minha maior responsabilidade e objetivo passam por ajudar a criar um grupo de hotéis mais coeso e consistente, procurando que as boas práticas operacionais sejam as mesmas, o que significa serviços, fornecedores, contratos sempre com a finalidade de criar uma melhor estabilidade e eficiência no grupo hoteleiro. Isto significa ter que conhecer bem cada unidade hoteleira, bem como adaptar-me às diferentes chefias, marcas ou localizações que um hotel está inserido. Estar numa empresa com vários hotéis significa que cada hotel ou equipa é diferente e cada um tem as suas prioridades, e cabe-nos a nós na parte central estabelecer as prioridades para o grupo no seu todo e não só no hotel.
Quais as tendências que observou na indústria hoteleira nos últimos anos?
Como todas as pessoas dizem, a parte mais apaixonante da hotelaria é que cada dia é diferente e estamos sempre a aprender. É uma indústria muito enriquecedora a todos os níveis e as coisas mudam e acontecem muito rápido. Penso que, com o passar dos anos e com tudo o que se viveu, esta indústria abriu muitos novos conceitos e ideias e, sem dúvida, a parte do Hi-tech, sustentabilidade e wellness são cada vez mais procurados por companhias, hóspedes ou clientes. Não existe um hotel que não pense em iniciativas ambientais, ou que a presença de glúten e vegan seja obrigatória no menu de comida ou bebida, ou uma aplicação no room dining. Os hotéis evoluem uns com os outros e existe sempre a preocupação em manter-nos atrativos num mercado que é cada vez maior. É preciso saber que cada grupo tem a sua visão e valor bem definidos.
Sempre defendi a importância de saber acolher críticas, especialmente vindas dos clientes e dos colaboradores, pois é através delas que conseguimos melhorar o nosso desempenho. Atualmente, estamos todos atentos à concorrência e é, dessa forma, que podemos fazer a diferença.
“a hotelaria não é uma área para todos, e é essencial que aqueles que nela se envolvem apreciem verdadeiramente o que fazem, pois implica muito contato com clientes, hóspedes, colegas de trabalho, processos, diversas culturas e ambientes”
Que conselhos daria a profissionais que estão a começar as suas carreiras na hotelaria?
Como tudo na vida, o primeiro passo é sempre o mais difícil e é preciso perder esse medo e ter muita coragem. Penso ser muito importante saber o que se quer atingir no curto, médio e longo prazo e esse planeamento pessoal é crucial desde o início.
Infelizmente, a hotelaria não é uma área para todos, e é essencial que aqueles que nela se envolvem apreciem verdadeiramente o que fazem, pois implica muito contato com clientes, hóspedes, colegas de trabalho, processos, diversas culturas e ambientes. É necessário gosto por isso, pois existem dias em que nada dá certo. É importante celebrar cada passo, por mais insignificante que seja, como uma grande vitória, pois a motivação pessoal é fundamental. Digo muitas vezes às minhas equipas que é preciso muita paciência – para crescer, aprender, sentir-se confortável e confiante. Reconheço também a natureza altamente competitiva da indústria hoteleira, repleta de boa gente, o que significa que muitos competem pelos mesmos objetivos. Nem sempre as coisas saem conforme o planeado, mas é através desses desafios que tanto pessoalmente quanto profissionalmente crescemos.
Qual foi a lição mais importante que aprendeu ao longo de sua carreira internacional na hotelaria?
“Get comfortable being uncomfortable” será sempre uma lição para mim. Normalmente, procurava ambientes onde me sentia confortável, ou seja, trabalhar com amigos ou conhecidos. Com o tempo, percebi que para crescer profissionalmente nesta indústria, tinha que tomar decisões difíceis ou não muito populares, sempre a pensar no longo prazo.
Julgo que todos nós aprendemos de maneiras diferentes, mas defendo que se aprende mais quando se perde o medo de falhar ou aceitar críticas. É preciso também muito caráter para olhar para trás e autocrítica, pensar em como se pode fazer melhor.
Na hotelaria, nada se consegue individualmente; nenhum hotel é bem-sucedido sem a sua equipa. Sempre me concentrei nas pessoas e nas empresas com as quais trabalho, dando o meu melhor por elas. Quando todos se dedicam mutuamente, o resultado final tem muito mais probabilidades de ser um sucesso.
Muitos parabéns.
Que a sua personalidade continue a contribuir para o crescimento das pessoas e do setor hoteleiro. E com muito orgulho e admiração que acompanhe a sua carreira. Grata pela maravilhosa entrevista
Parabéns ao Tiago!!!
Ele é mesmo o que disse!!! Pessoa fantástica, humilde, lutador, profissional e sempre à procura do melhor para quem serve….
Continuação de muito sucesso.
Muito boa entrevista, da qual se retiram boas lições. Parabéns e votos de sucessos.