Em entrevista ao TNews, Paula Cabaço, presidente da APRAM, reforçou o objetivo de posicionar o destino da Macaronésia — constituído pela Madeira, Canárias, Cabo Verde e Açores — como um itinerário estratégico na indústria do turismo de cruzeiros. A entrevistada abordou ainda o crescimento notório dos Portos da Madeira, bem como o compromisso com a sustentabilidade.
A Cruise Atlantic Islands (CAI) Conference 2024 teve lugar entre 26 e 27 de setembro, no Funchal, e foi promovida pela Administração dos Portos da Madeira (APRAM). O evento assinalou a comemoração do 30.º aniversário da fundação da CAI, uma aliança estratégica entre os portos da Madeira, Canárias, Cabo Verde e Açores, e incentivou o debate sobre a indústria do turismo de cruzeiros na Macaronésia.
No decorrer da conferência, a presidente da APRAM, Paula Cabaço, o vice-Presidente da Cruise Lines International Association (CLIA) na Europa, Nikos Mertzadinis, e a presidente da CMF, Cristina Pedra, assinaram um protocolo para a plantação de árvores nativas e/ou endémicas numa parcela de terreno do Parque Ecológico do Funchal, durante a época alta de cruzeiros.
À margem do evento, Paula Cabaço, presidente da APRAM, sentou-se com o TNews para conversar sobre o destino turístico da Macaronésia e a estratégia de promoção em conjunto com as Canárias, Cabo Verde e Açores, bem como sobre o crescimento contínuo dos Portos da Madeira e o compromisso com a sua descarbonização.
“Este itinerário inicial movimentava cerca de 280 mil passageiros e, passados 30 anos, é responsável pelo movimento de quase 3.5 milhões de passageiros”
O que é que significa o protocolo assinado?
Apesar de ser um instrumento formal, é um instrumento com grande importância para nós que, no fundo, revela o compromisso que o Porto, as companhias de cruzeiros e o município têm para com o ambiente. Queremos cada vez portos mais verdes, mais eficientes do ponto de vista energético. Queremos contribuir para a descarbonização do Porto e da economia para melhorar a qualidade da cidade e de quem nos visita e, por isso, este protocolo tem este simbolismo de criar uma zona de terra no Parque Ecológico do Funchal, que é dedicada às companhias de cruzeiros para que possam plantar árvores junto com os seus passageiros ou tripulantes e contribuir de forma prática e visível para a descarbonização.
De que forma é que este protocolo, bem como a própria conferência CAI, reforçam a posição da Madeira e dos seus portos no turismo de cruzeiros?
O protocolo tem esta importância de ser assinado por três mãos, pelo Porto enquanto autoridade portuária, pela CLIA enquanto representante dos armadores de navios de cruzeiros, e pela Câmara do Funchal. No fundo, revela este compromisso que as três entidades têm em contribuir para a sustentabilidade da cidade e, de certa forma, tem um certo pioneirismo que vai também posicionar o Porto do Funchal na vanguarda dos portos empenhados na descarbonização.
A conferência pretendeu, por um lado, celebrar os 30 anos da Cruise Atlantic Islands, uma marca criada na década de 90 para promover o itinerário dos navios de cruzeiros numa primeira fase entre a Madeira e a Canárias e, mais tarde, Cabo Verde junta-se também ao itinerário. Estes 30 anos mostram que a criação da marca foi um sucesso, na medida em que este itinerário inicial movimentava cerca de 280 mil passageiros e, passados 30 anos, é responsável pelo movimento de quase 3.5 milhões de passageiros. Foi uma forma de homenagearmos aqueles que tiveram esta visão arrojada de, há 30 anos atrás, se aperceberem de que juntos éramos mais fortes.
Se por um lado falamos do passado – porque é importante olhar para trás para seguir em frente -, por outro lado quisemos projetar e discutir do futuro desta zona geográfica do Atlântico enquanto destino de cruzeiros. Há muito tempo que não tínhamos em simultâneo na região tantos representantes das companhias de cruzeiros; portanto, é uma forma de estarem mais próximo de nós, de conhecerem melhor as características do nosso porto e do nosso destino. É uma oportunidade para, em conjunto, debatermos aquele que é o futuro desta bacia geográfica que partilhamos de proximidade com as Canárias, Cabo Verde e os Açores, enquanto o destino de cruzeiros que é a Macaronésia.
Nós temos o sonho de que, daqui a uma geração, esta zona do Atlântico, o destino
Macaronésia, seja como hoje olhamos para as Caraíbas. Em conjunto com as companhias, sabendo os desafios que temos no futuro, é uma oportunidade para debatermos as temáticas relacionadas com o setor e com o caminho que devemos percorrer para que este sonho se torne uma realidade.
Desde o agosto passado é mais do que uma marca. Constituímos uma associação para podermos trabalhar mais, melhor e com mais força: a Associação Internacional dos Portos das Ilhas da Macaronésia.
“A manterem-se as previsões que temos para o arranque da época alta e as projeções que temos até ao final do ano, a nossa expectativa é que iremos ultrapassar o recorde do ano passado”
E o que é que este destino turístico da Macaronésia tem para oferecer? Como é que se diferencia?
Primeiro, as grandes vantagens deste destino são a sua situação geoestratégica e geopolítica, estando numa zona tranquila do Atlântico, e a proximidade entre os itinerários. Estamos a falar de um itinerário que é relativamente próximo e hoje a distância psicológica curta é importante para o viajante. Muitas vezes, quando pensamos em ir para o outro lado do mundo, vamos pensar que é muito longe e que perdemos muitos dias de férias.
E, depois, a autenticidade que cada um destes arquipélagos tem, com base nas características únicas do seu território e, ao mesmo tempo, a diversidade porque, se as suas características são específicas, únicas e autênticas, também somos diferentes entre si. Achamos que temos aqui uma combinação de fatores muito apetecíveis para quem gosta de viajar e para quem quer usufruir deste tipo de destinos.
Qual é a leitura que faz da evolução dos Portos da Madeira nos últimos anos?
O covid foi um período muito difícil para o setor de cruzeiros e só a grande capacidade de recuperação, resiliência e pioneirismo que a indústria já nos habituou é que permitiu
que, após 18 meses de praticamente shutdown com os portos fechados, começássemos a recuperar tão bem.
No ano que fechámos, em 2023, batemos o nosso recorde de passageiros e ultrapassámos a barreira dos 600 mil, o que foi muito positivo, sobretudo depois de termos estado em 2020 e 2021 praticamente fechados, com a verdadeira recuperação só ter início a partir de 2022.
Se o ano passado foi um ano muito bom em termos de passageiros, a manterem-se as previsões que temos para o arranque da nossa época alta – que se inicia a partir de setembro – e a manterem-se as projeções que temos até ao final do ano, a nossa expectativa é que iremos ultrapassar o recorde do ano passado.
Estamos muito otimistas, temos trabalhado muito para continuar a atrair companhias para a Madeira e para melhorar as condições em que recebemos os nossos turistas, por isso
é que é tão importante estarmos aqui na Câmara Municipal para termos esta relação de proximidade e de compromisso com o município. Ao mesmo tempo, o turismo só é benéfico se for bom para quem nos visita, mas também que para quem vive na cidade. Portanto, perspectivamos um final de 2024 ainda melhor que 2023.
Enquanto autoridade portuária, também participamos com os nossos colegas em muitos eventos internacionais sobre a marca Cruise Portugal; ou seja, também com os portos nacionais, sobretudo com Leixões e Lisboa, que são aqueles que mais impacto têm na indústria de cruzeiros. Queremos continuar a trabalhar nesta vertente, quer com a Cruise Atlantic Islands, quer com a Cruise Portugal, que têm o objetivo comum de promover o turismo no corredor do Atlântico.
“A percentagem de navios que atualmente já estão preparados para se abastecer com energia elétrica é muito superior à percentagem de portos que estão preparados”
A sustentabilidade e a descarbonização dos portos são os grandes pilares desta conferência. Que iniciativas sustentáveis é que os Portos da Madeira têm implementado ou planeiam implementar no futuro?
A indústria está muito comprometida com a questão da sustentabilidade, não só porque é uma obrigação comunitária de diminuirmos até 2030 55% das emissões de gases com efeito de estufa e atingir a neutralidade carbónica em 2050, mas há também um compromisso da indústria em querer contribuir para um mundo cada vez mais sustentável.
Conscientes deste compromisso, nós enquanto portos temos noção de que a indústria está à nossa frente e temos muito ainda para fazer. Por isso mesmo, estamos neste momento a implementar o projeto Green Ports, que tem como principal objetivo fazer um estudo da viabilidade técnica e financeira de instalarmos os OPS [Onshore Power Supply] no Porto do Funchal. No fundo, o objetivo é permitir que os navios, quando chegam ao Porto, desliguem os seus geradores, deixem de emitir gases com efeitos de estufa, deixem de produzir ruído e vibrações, e se liguem à eletricidade em terra.
Há pouco dizia que a indústria está à nossa frente, porque a percentagem de navios que atualmente já estão preparados para se ligar em terra e abastecer com energia elétrica é muito superior à percentagem de portos que estão preparados. Nós estamos a trabalhar nesse sentido, a desenvolver agora os estudos e o nosso objetivo é que, até 2030, possamos vir a implementar o abastecimento de energia elétrica dos navios. Os estudos estão na fase final, de onde sairá uma solução do ponto de vista técnico e financeiro, que será proposta ao porto para implementar. Este estudo é feito com o apoio da União Europeia e, naturalmente, também temos noção de que, para implementar estas soluções, são precisos envelopes financeiros muito robustos, que teremos de fazer futuras candidaturas.
Se queremos produzir energia elétrica para os abastecer os navios, energia esta que tem de ser produzida também a partir de fontes renováveis, enquanto isto não acontece e usamos os combustíveis fósseis, queremos também ser o mais eficientes possíveis,
ou seja, produzir o máximo com menos. Portanto, estamos a concluir também um estudo da avaliação energética do porto, que nos vai permitir, enquanto estas soluções não são implementadas, produzirmos o mínimo de forma mais eficiente.
Temos também uma parceria com a Universidade Técnica de Lisboa, no âmbito de um estudo académico onde somos um projeto pioneiro, num consórcio com mais de 30 parceiros. Somos o único porto envolvido, para também estudar novas alternativas em termos de fornecimento de energia.
Isto é para nós uma prioridade e é normativo. Estamos muito empenhados a atingir estas metas [europeias], o que é um desafio maior para nós enquanto território insular, porque temos também de conseguir produzir energia limpa o suficiente para a transformar em energia elétrica. Nós não estamos ligados à rede nacional e, portanto, até 2030, a região tem de produzir energia em quantidade suficiente para ser energia verde, para a transformarmos em energia elétrica.
Em termos de perspectivas futuras, quais é que são as suas previsões para os próximos anos?
Nós queremos portos mais verdes e também mais inteligentes. Estamos empenhados em desenvolver um conjunto de soluções em termos de plataformas informáticas que vêm, no fundo, agilizar toda a operação, evitar zonas cinzentas, facilitar a vida de quem trabalha no Porto. No âmbito do PRR, temos um envelope financeiro de um milhão e meio e estamos a desenvolver soluções de aplicações informáticas para auxiliarem a operação e a gestão do próprio porto.
Naturalmente, o pilar comercial estará sempre presente. Queremos continuar a trabalhar próximo das companhias para divulgar o nosso porto e o nosso itinerário, com o objetivo de atrair companhias para o Funchal, porque temos noção do impacto económico que esta atividade traz para a região.