Paige McClanahan, jornalista e autora do The New Tourist, debruça-se sobre as transformações no perfil do turista e o consequente impacto no setor. Em entrevista, McClanahan partilha os seus insights sobre o aumento massivo do turismo, as implicações para a sustentabilidade e a forma como os profissionais da indústria se podem adaptar a esta nova realidade. A jornalista norte-americana defende uma abordagem mais consciente e responsável nas viagens, baseada num diálogo contínuo entre o governo, os profissionais do turismo e as comunidades locais para proteger os destinos e a qualidade de vida dos seus residentes.
No The New Tourist, aborda a forma como o perfil do turista típico mudou ao longo dos anos. Quais são as mudanças mais significativas que observou e o que é que estas significam para os profissionais do setor do turismo?
A maior mudança no turismo, se estamos a olhar para trás nos últimos anos, é a explosão do número de turistas. Se regressássemos a 1950, havia 25 milhões, acredito, chegadas de turistas internacionais. Este ano, teremos mais de 1,5 mil milhões de chegadas de turistas internacionais. É muito fácil esquecermo-nos da enorme transformação que vivemos num período de tempo tão curto, que teve fortes impactos na nossa sociedade, bem como enquanto indivíduos. E era precisamente isso que eu queria explorar no livro: todas as nuances, desde o impacto económico até ao impacto ambiental, social, cultural e até mesmo político do turismo.
A minha mensagem para as pessoas que trabalham no setor do turismo é – se ainda não está a fazer isto e muitas pessoas já estão – para dedicarem algum tempo para se educarem sobre os impactos não só do trabalho que estão a fazer, mas o trabalho que os seus colegas estão a realizar local e globalmente. Informem-se e, de seguida, utilizem essa informação para tentar ter o melhor impacto positivo possível no vosso trabalho e inclinarem-se para o impacto positivo do turismo e, ao mesmo tempo, tomar medidas para minimizar os impactos negativos, seja em termos dos desafios de habitação nas cidades que vemos, ou o impacto negativo do turismo nas alterações climáticas, ou aglomeração e existência de dificuldades para a vida dos habitantes locais.
Queria abordar precisamente alguns destes pontos que mencionou sobre o turismo massificado e a sustentabilidade, que se estão a tornar problemas críticos na indústria. Como é que os profissionais do setor podem equilibrar a procura de viagens com a necessidade de proteger os destinos e as culturas?
Precisamos de uma enorme variedade de soluções para estes desafios e é incrível ver que tantos destinos diferentes estão a experimentar diferentes abordagens: seja através da taxa de visitantes em Veneza, ou de um imposto turístico mais elevado como estamos a ver em Amesterdão e em muitos outros lugares, ou da gestão de comportamentos no turismo, como estamos a ver em Copenhaga, onde criaram uma estratégia para tentar encorajar as pessoas a adoptar comportamentos mais positivos.
As pessoas que trabalham no turismo e também os líderes locais precisam realmente de prestar atenção aos passos que estão a ser tomados noutras comunidades que acolhem turistas em todo o mundo e basear-se nas suas lições. Quanto mais pudermos partilhar o conhecimento além-fronteiras, melhor o turismo pode começar a funcionar para todos. Não existe uma solução geral, mas se houvesse apenas um critério fundamental que precisa de ser cumprido em qualquer lugar para que o turismo possa funcionar de forma sustentável, é que deve haver um contacto muito próximo entre os habitantes locais e os líderes locais. Os residentes locais são as primeiras partes interessadas em toda esta discussão. Se o turismo não está a funcionar de uma forma que apoie as suas vidas ou que pelo menos não esteja a prejudicar as suas vidas, então o turismo só vai funcionar durante um determinado período de tempo até começar a desmoronar-se.
“Se o turismo não está a funcionar de uma forma que apoie as vidas [dos habitantes locais], então o turismo só vai funcionar durante um determinado período de tempo até começar a desmoronar-se”
Sobre esta importância de envolver as comunidades locais no turismo, que conselhos daria aos profissionais do setor sobre como promover parcerias genuínas e sustentáveis com estas comunidades?
Vou dar o exemplo de Kerala, no sul da Índia, que teve uma transformação muito notável na sua relação com o turismo nos últimos 15 ou 20 anos. Em 2007-2008, existiam protestos contra o tipo errado de turismo em Kerala. A costa indiana tem praias e lagoas muito bonitas, e os residentes viram que os resorts estavam a contratar todos os trabalhadores de outras partes da Índia no estrangeiro. Estavam a importar de outras partes da Índia toda a sua comida, todos os seus mobiliários. Viram que as suas comunidades não estavam a beneficiar destes grandes resorts. Ao mesmo tempo, viram muita poluição por parte dos turistas nas suas comunidades locais.
Por isso, ficaram muito chateados e protestaram, e o governo local ouviu-os verdadeiramente e respondeu-lhes. Organizaram uma conferência internacional sobre o turismo responsável para tentar encontrar novas abordagens e, depois, surgiram vários projetos piloto. Acabaram até por contratar um dos antigos líderes dos protestos para agir como diretor da agência estatal do turismo responsável, Rupesh Kumar, que ainda hoje está nesse cargo.
Os governos e líderes empresariais locais podem realmente ouvir os seus residentes e trabalhar com eles, as pessoas que se queixam. E, assim, tal como fizeram em Kerala, incorporá-los na sua estratégia daqui para a frente, para que sejam incluídas as vozes dos habitantes locais na criação de soluções.
Com cada vez mais turistas a procurar viagens mais conscientes e sustentáveis, como é que os negócios de turismo se podem adaptar para satisfazer estas expectativas sem comprometer a rentabilidade e a qualidade do serviço?
O que as pessoas que trabalham no turismo podem partilhar com os seus clientes é que viajar de uma forma atenciosa, responsável e sensível às necessidades e desejos dos residentes locais não torna a viagem menos agradável, menos divertida ou menos gratificante. Na verdade, é exatamente o oposto. Adotar uma abordagem ponderada, em que realmente se está a investir na viagem e no lugar que se está a visitar pode levar a uma experiência muito mais rica.
Eu diria que uma abordagem mais atenciosa e mais “New Tourist” (Novo Turista) às viagens não deve ser vista como algo negativo ou que fazemos só porque queremos ser pessoas boas. É uma vitória para o viajante, tal como é uma vitória para o local que se está a visitar. Os operadores turísticos podem apostar nisso.
Como é que vê a tecnologia a moldar o futuro do turismo? Existe alguma inovação específica que acredita que se tornará essencial para o setor?
Muitas pessoas estão agora a falar sobre o impacto da inteligência artificial [IA] nas viagens. Na verdade, uma editora de guias de viagens disse-me nos últimos meses que estão a ver as vendas dos seus livros a começar a diminuir, e ela atribuiu isto à ascensão da IA, que permite criar itinerários de viagens específicos, muito detalhados e personalizados. Portanto, isto está a mudar o interesse pelas vendas de guias, que já estavam a subir desde o final da pandemia
A IA também vai mudar os bastidores das viagens, como a logística e coordenação nos aeroportos, entre outras. Este é obviamente um enorme tema e nós estamos apenas nas primeiras fases de ver os seus impactos reais, mas é certamente algo que vamos ver no futuro – tanto do lado do consumidor como do lado mais logístico das viagens.
“O que as pessoas que trabalham no turismo podem partilhar com os seus clientes é que viajar de uma forma atenciosa, responsável e sensível às necessidades dos residentes locais não torna a viagem menos agradável, divertida ou gratificante”
Que novas competências acredita que estão a tornar-se essenciais para os profissionais do turismo terem sucesso nesta paisagem em evolução e em crescimento?
Compreender a contribuição da IA para as viagens e como podem capitalizar isto da melhor forma possível para os seus clientes, para os seus negócios é algo que penso que será essencial.
Uma coisa que espero que os operadores de viagens ou os profissionais que trabalham em viagens, especialmente aqueles que desempenham as funções mais imediatas com o cliente, façam é encorajar os seus clientes a sair das suas zonas de conforto quando viajarem. O que pode significar algo como experimentar uma gastronomia diferente, ou visitar um tipo de museu em que talvez não pensaria que estaria interessado, ou conhecer um membro da comunidade local que seja de um contexto diferente do seu.
Espero que as pessoas que trabalham em viagens potenciam os impactos potenciais positivos do turismo, na medida em que o turismo nos pode permitir entrar em contacto com pessoas de origens diferentes das nossas e criar uma verdadeira ligação humana e genuína, com a possibilidade de conhecer e aprofundar a nossa compreensão de outras culturas e de outros povos. Portanto, as pessoas que são hábeis na comunicação intercultural, mas também em como fazer soar isto atraente para um cliente que poderá hesitar sobre isto, podem ser muito importantes para maximizar o impacto positivo do turismo no futuro.
Como somos um jornal português, tinha curiosidade em perguntar-lhe: conhece algum destino em Portugal?
Estive em Portugal uma vez na minha vida. Foi em 2008, acredito. Fui viajar para Lisboa e Sintra durante apenas alguns dias, mas tive uma visita maravilhosa. Vi os castelos em Sintra e alguma arte em Lisboa. Lembro-me de passear pela cidade e desfrutar de uma gastronomia incrível, incluindo o pastel de nata. Infelizmente não tive oportunidade de regressar a Portugal desde então, mas adoraria voltar.
E tem alguma opinião sobre se Portugal está a fazer um bom trabalho como destino turístico?
Não visitei Portugal como jornalista e vi realmente como o turismo está a trabalhar lá, por isso hesitaria em dar a minha própria avaliação.
O que posso dizer é que sei que Portugal é um destino turístico muito popular agora e há grandes oportunidades e, claro, enormes desafios que acompanham isso. Parece-me, pelo que li nas notícias, que existem discussões muito ativas a acontecer agora em Portugal em termos de como garantir que este aumento do turismo acontece de uma forma que contribui muito mais do que prejudica a vida local. Por isso, espero que estas discussões continuem e espero que os líderes locais e os líderes empresariais locais estejam muito ativos na promoção de soluções, tentando resolver os potenciais problemas e estabelecer a estratégia para evitar chegar ao ponto de existir um grande problema.