Quase um ano e meio e dois confinamentos depois, os agentes de viagens regressam aos poucos ao seu trabalho e às suas rotinas. Três agentes de viagens contam como estão a ultrapassar o período da pandemia.
ANA BENTES, agência de viagens Check In.
“TIVEMOS SEMPRE CONSCIÊNCIA DE QUE A AGÊNCIA NÃO PODERIA ESTAR SIMPLESMENTE FECHADA”
Ana Bentes integra a equipa da agência de viagens Check In, localizada no centro da Parede, há 14 anos, desempenhando hoje o cargo de Senior Travel Consultant. A empresa abraça vários segmentos, mas “o lazer e o corporate são os dois grandes pilares do negócio”, de acordo com a consultora.
Das saudades do contacto com o público à nostalgia dos tempos em que nenhum dia era igual, Ana Bentes, em conversa com o TNews, conta como foi o seu processo de ajustamento, e o da sua equipa, às novas rotinas impostas pela pandemia.
Como foi o primeiro confinamento, em março de 2020? Recorreram ao lay off?
Foi todo um mundo novo, surreal e uma autêntica incógnita. Acho que nenhum de nós teve noção do que estava para vir. Eu pensei que seria algo passageiro, e que passado 2 ou 3 semanas estaria de volta à agência. Mas, infelizmente, o cenário que nos esperava não era esse. A agência entrou em layoff e ficámos em casa mais tempo do que aquele inicialmente previsto.
Nunca pararam de trabalhar e houve até ocasiões de ida à agência. Como foi esse período?
Desde o primeiro dia de confinamento que a agência manteve o seu funcionamento em pleno, com todas as chamadas reencaminhadas para a sua equipa, tendo inclusive a informação afixada na loja de que continuávamos disponíveis para o necessário.
Seja como for, tivemos sempre consciência de que a agência não poderia estar simplesmente fechada, e fizemos questão de vir à loja espaçadamente, combinando entre membros as vindas à agência. Todos os dias fazíamos videochamadas entre nós, com o follow up do trabalho e dos processos em curso. O skype foi o nosso novo colega nesta fase! Foi imprescindível!
Foi fácil a adaptação ao trabalho em casa? Qual a maior dificuldade sentida?
A maior dificuldade foi, acima de tudo, a rapidez com que, de um momento para o outro, tivemos de mudar o nosso local de trabalho para um espaço que até à data era o nosso ninho pessoal. Tivemos de encontrar a sinergia entre 2 mundos distintos: o profissional e o pessoal. Além do mais difícil, foi o mais desafiante!
Como foi voltar ao confinamento em janeiro deste ano?
Foi diferente. Aí já encontrámos armas e estratégias diferentes, porque já tínhamos passado por isso e soubemos distinguir quais os nossos pontes fortes e os fracos. Melhorámos os bons e mudámos os maus.
O espírito foi outro. Quisemos encontrar estratégias de contacto com o cliente, para que o mesmo sentisse que, apesar de não estarmos na loja, estávamos com eles.
Do que sentiu mais falta no trabalho na agência de viagens?
Do contacto com o público e da partilha diária com as minhas colegas.
Qual é a sensação de estar de volta à agência?
A sensação é a de dever cumprido, enquanto estivemos em casa. Os clientes habituaram-se a certas estratégias implementadas durante o confinamento e foi engraçado ver como foram readaptadas automaticamente com o nosso regresso. O uso de meios de comunicação, como o WA, tornou-se um hábito; as conversas via zoom, uma ferramenta de trabalho e formação; e as redes sociais, uma parceria imprescindível.
O que aprendeu a apreciar ao trabalhar em casa e o que funciona melhor no escritório?
Em casa, a tranquilidade, talvez. Mas, definitivamente, não sou fã do teletrabalho, gosto do contacto com o público, de ver pessoas e que nenhum dia seja igual.
Como é trabalhar novamente em equipa?
O melhor de tudo. Adoro trabalhar em equipa e, para mim, o grande segredo do sucesso de uma equipa é a coesão entre a mesma. Foi sem dúvida aquilo de que mais senti falta nos últimos tempos.
CRISTINA TEIXEIRA, freelancer
“SER AGENTE DE VIAGENS É MUITO MAIS DO QUE VENDER VIAGENS. É TRATAR COM CARINHO DOS SONHOS DE QUEM NOS PROCURA”
Cristina Teixeira é agente de viagens há 15 anos, 12 dos quais em Lisboa, onde foi chefe de loja da Bestravel de Belém até novembro de 2020. Ainda não regressou a 100% à atividade, mas espera retomar a profissão em pleno numa agência de viagens, assim que haja também uma retoma da atividade. Até lá, tenta manter-me ativa e informada.
Como o foi o primeiro confinamento, em março de 2020, quando muitas empresas turísticas, incluindo as agências de viagens, tiveram de encerrar e colocar os colaboradores em regime de lay off?
O primeiro confinamento foi deveras complicado. Mudou, para sempre, os nossos paradigmas. Exigiu de nós uma adaptação brusca a esta nova realidade, sem dó nem piedade. Não foi apenas deixar o espaço físico de trabalho, nem tão só a incerteza do que viria a seguir. Nós, como agentes de viagens, tínhamos a obrigação de esclarecer, proteger e repatriar os clientes que estavam em viagem. Tivemos de honrar a confiança que depositaram nas agências de viagens físicas. Não havia margem para falhas. Estavam a contar connosco.
Tentámos dar o nosso melhor, apesar de todo o caos que se gerou. De todos os conflitos que surgiram com as seguradoras e operadores turísticos, entidades oficiais. O mundo estava a mudar rapidamente e nem sempre tivemos as respostas que queríamos dar aos nossos clientes, ao ritmo dessa mudança. O sentimento muitas vezes foi de desalento, de desamparo por parte dos agentes envolvidos em tudo o que diz respeito à circulação de pessoas. Afinal, é o Agente de Viagens que dá a cara, ao cliente!
O meu lay off foi como o de tantos outros colegas. O sentido de responsabilidade falou sempre mais alto. Impossível respeitar as regras impostas pelo lay off, no caso da nossa atividade. Muitas noites sem dormir, a tentar ajudar os clientes e amigos a regressarem a casa o mais rapidamente possível e em segurança. Essa foi sempre a nossa maior preocupação!
Impossível respeitar as regras impostas pelo lay off, no caso da nossa atividade.
Felizmente, no caso da nossa agência, conseguimos ultrapassar as vicissitudes que nos foram surgindo.
Quando finalmente consegui parar um pouco, com clientes repatriados, reclamações processadas, vouchers entregues, aí sim percebi que nunca mais a nossa atividade voltaria ao normal.
Uma das nossas duas lojas fechou portas em julho. Não houve como travar os efeitos colaterais da pandemia. Um ano que se previa fantástico, em termos de vendas, desabou.
Como foi esse período? De repente parar de trabalhar? Ficar sem contacto com os clientes e sem vender.
Foi um período de enorme desalento. Nunca deixámos totalmente de trabalhar, até porque como chefe de loja, a função assim o exigia.
A incerteza, o medo e a desmotivação apoderaram-se de mim. Estava, estávamos todos muito cansados, mentalmente. A inconstância das diretrizes quase nos levou à loucura.
A maioria de nós, agentes de viagens, acredito que o são por amor à profissão. Ao contacto com o cliente. Ao recebê-lo na loja. A estreitar laços, a torná-los amigos. Alimenta-nos a alma. Ser agente de viagens é muito mais do que vender viagens. É tratar com carinho dos sonhos de quem nos procura.
Perdemos tudo isso. O isolamento foi muito para além de estarmos apenas fechados em casa.
Do que sentiu mais falta no trabalho na agência de viagens?
Senti muita falta da normalidade. De toda a dinâmica do dia a dia, que envolve abrir as portas da loja, diariamente, e ter o cliente sentado à nossa frente, a pedir a nossa ajuda. A partilhar um pouco das suas vivências e das suas expectativas. Falta de me sentir útil.
Entretanto despediu-se e quando é que voltou a trabalhar novamente?
Despedi-me no início de novembro, apesar de muito hesitar. Sabia de antemão que abdicar dos meus direitos, abandonar Lisboa e rumar novamente para a minha pequena cidade, traria consequências.
Felizmente, com alguns anos de trabalho, criámos uma “carteira” de clientes, que nos vão sempre acompanhando. Comecei a trabalhar, assim que recebi pedidos, mas não nos termos anteriores. Tento ajudar os colegas da “terra”, canalizando os clientes que me procuram e que confiam no meu trabalho.
Espero retomar em pleno, numa agência de viagens, assim que haja também uma retoma da nossa atividade. Até lá, tento manter-me ativa e informada.
Qual foi a sensação de estar de volta ao trabalho?
Não me sinto totalmente de volta, ao trabalho. Julgo que voltarei a ter esse sentimento, apenas quando voltar a sentar-me numa loja, em frente a um cliente. Até lá, a sensação é de estar meio em suspenso.
O que aprendeu a apreciar em trabalhar em casa e o que funciona melhor num escritório/num balcão?
Ganhámos, indubitavelmente, qualidade de vida ao passar a trabalhar em casa. Podemos dedicar mais tempo a aperfeiçoar cada uma das propostas que criamos aos nossos clientes, mas perdemos a possibilidade de criar empatia, tendo o cliente sentado à nossa frente. Acredito que nada, nunca, substituirá o contacto físico, na nossa área.
Quais são as maiores dificuldades agora sentidas?
Neste momento, uma das maiores dificuldades que sentimos, creio que é a volatilidade das regras, dos procedimentos, até do panorama mundial. Esse é o nosso maior desafio. Naturalmente, tudo isto, tem implicações na confiança dos clientes e retrai a vontade de viajar. Para nós é determinante transmitir a confiança que os clientes precisam, mas infelizmente, por motivos alheios à nossa vontade, é impossível, no momento.
ELISA SEQUEIRA, agência de viagens Viaja com Lisboa Santos
“Os clientes preferem cada vez mais ser aconselhados por um profissional opção de fazerem tudo sozinhos”
Elisa Sequeira trabalha há cerca de três anos na agência Viaja com Lisboa Santos. Como tantos colegas de profissão esteve em lay off e em teletrabalho. Trabalhar em casa foi uma boa experiência e de fácil adaptação. Agora, está de volta à agência, mas há algo que não mudou: continua a trabalhar muito online.
Como correu o primeiro confinamento, em março de 2020, quando tivemos todos de vir para casa?
Fui para casa no dia 16 de março. Inicialmente, pensei que seria a típica quarentena de 15 dias, e voltaria de imediato – com o avançar da situação percebi que não ia ser bem assim. Foi um período de muito trabalho, tínhamos passageiros em vários locais a tentar voltar, tínhamos pessoas com viagens sinalizadas e, na altura, não se percebia bem os trâmites que devíamos seguir, tínhamos poucas indicações e muitas especulações. Foi trabalhoso.
Nunca pararam de trabalhar? Foi fácil a adaptação ao trabalho em casa?
Nunca parámos de trabalhar. Fizemos todos os vouchers de crédito e depressa começámos a comercializar o nosso turismo “Cá Dentro”. Na verdade, em maio de 2020, já estávamos a dar a possibilidade aos nossos clientes de trocar os seus vouchers por estadias em Portugal, o que deu uma enorme segurança ao cliente e a nós uma enorme satisfação, por sabermos que estávamos a resolver “problemas” e a passar a mensagem que as agências de viagens estavam totalmente encerradas.
Gostei muito da experiência do teletrabalho. Na verdade, trabalho muito online, sou muito ativa em redes sociais e não necessitei de grande adaptação, já estava na minha praia.
Quando é que regressou ao trabalho na agência de viagens e qual foi a sensação de estar de volta?
Foi como um primeiro dia de escola. Regressei a 4 de abril de 2020. Não sabia ao certo o que ia encontrar, se íamos continuar num frenesim enorme de vender Caraíbas e Internacional ou se apenas ia passar pelos cinco dias no Algarve. No entanto, foi gratificante, sentir que era o início de um novo normal e foi bom perceber que, mesmo depois de tudo, as pessoas confiam em nós para ajudarmos nas escolhas das férias, seja fora ou dentro de Portugal.
Do que sentiu mais falta no trabalho na agência de viagens?
Senti muito a falta da rotina laboral, o contacto com operadores, as trocas de emails constantes, a abordagem sucessiva de pedidos de orçamentos, procurar os melhores hotéis e destinos para cada cliente…senti falta de toda a rotina de um agente de viagens.
O que aprendeu a valorizar no trabalho em casa e o que funciona melhor no escritório?
Em casa trabalhamos mais horas, ligamos o computador enquanto fazemos o café da manhã, se for necessário almoçamos enquanto fazemos uma reserva, podemos dar um orçamento depois de jantar – no escritório não é assim.
No entanto, no escritório torna-se mais prática a logística, temos os processos mais perto, todos os meios de contacto em funcionamento, acesso a mais “ferramentas” de trabalho.
Como é trabalhar novamente em equipa?
A minha equipa é pequena (mas muito grande). É bom. O companheirismo faz parte do sucesso.
O que mudou no trabalho da agência antes da pandemia para agora?
Deixei praticamente de ter pedidos para viagens internacionais. Atualmente posso dizer que 90% das minhas vendas é para Portugal, noto os clientes mais recetivos aos meios online – o que para mim é fantástico, porque trabalhamos muito online e sou muito ligada a redes sociais. Notei também que os clientes preferem cada vez mais ser aconselhados por um profissional da área em opção de fazerem tudo sozinhos, como faziam antes pandemia.