Sexta-feira, Janeiro 24, 2025
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Há história no Vila Galé Ericeira| Por Jorge Mangorrinha 

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O hotel dos telhados verdes

Por Jorge Mangorrinha

Quando se sonhou um hotel para a Ericeira, o seu promotor quis situá-lo na indústria turística em desenvolvimento, após a II Guerra Mundial, no país e no mundo. Debruçado sobre a praia, este hotel tem histórias para contar, mas a história da vila é mais antiga. Ericeira vem do latim “Ericiaria”, lugar onde abundam ouriços. Esta é “terra de ouriços”, tal como este lugar era conhecido, presumivelmente devido aos numerosos ouriços-do-mar ou mesmo à presença do ouriço-cacheiro. Situado na ponta mais ocidental de Portugal e da Europa, é o destino perfeito para viver ou simplesmente passar férias. Começou por ser um chalé de família, depois alojamento turístico. Em meados do século XX surgiu nesse local um novo edifício exclusivamente para hotel, com 50 quartos, campo de ténis, praia privada e um bar-dançante. Mais recentemente, reabriu sob a chancela do Grupo Vila Galé, com mais estrelas e capacidade. A localidade tem crescido, entretanto, sem perder totalmente o seu lado mais tradicional. A Organização Mundial do Turismo distinguiu-a como uma das melhores vilas turísticas.

A vila de Ericeira, próxima de Lisboa e pertencente ao concelho de Mafra, era uma das praias de banhos da família real no século XIX, e foi aí que ela embarcou para o exílio às 15h00 do dia 5 de outubro de 1910, aquando da revolução para a implantação da República. A terra ainda tem exemplares da arquitetura tradicional com barras em azul, mas cada vez menos, lamentavelmente. Os “Jagozes”, nome pelo quais são chamados os naturais da Ericeira, ou a outra forma de dizer gentes do mar, assistem à mutação da vila, “terra de pescadores pobres (…) que só conseguem viver alugando no Verão as suas casas muito limpas aos banhistas”, com duas praias de banhos, a do Norte, e a do Sul que, “pela sua amenidade”, seria “a mais frequentada pelos banhistas” e “onde se dependuram já algumas casas vistosas”, como as das famílias Ulrich, Rivotti e Eduardo Burnay, e ainda um hotel e um restaurante. Foi o que deixou escrito Raúl Proença (“Guia de Portugal: Estremadura, Alentejo, Algarve”, II volume, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 641. Texto integral que reproduz fielmente a 1.ª edição publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa em 1927).

Na arriba norte da Praia do Sul foi construída a moradia de férias do banqueiro João Ulrich, no início do século, bem perto das nascentes de água mineral natural, do poço e das furnas. Foi nela que se instalou o primeiro Hotel de Turismo da Ericeira, fruto do aluguer, em 1943, pela Sociedade Turística das Praias de Portugal, uma subsidiária da antiga Companhia União Fabril, que, após grandes obras, transformou a moradia em hotel de luxo com 16 quartos.

Por investigação própria para este texto, encontrei uma notícia de quando os ministros da Economia e da Marinha estiveram presentes na reabertura das termas de Santa Marta e no Hotel da Ericeira. Um artigo de “O Século” refere, mantendo-se a grafia da época: “A visita foi demorada, de modo a poder-se apreciar a excelência das instalações do balneário moderno, apetrechado para banhos salgados, medicinais, higiénicos, carbo-gasosos, duches geral, escocês, etc. Óptimamente situado, dispõe ainda de solário preventivo, recintos de repouso, diversão e desportos, incluindo parques de ténis, voleibol, basquetebol, patinagem, tiro ao alvo, dança, jogos de sala, além de baloiços especiais para crianças, a par dos adultos. Os membros do Governo admiraram, também, o local onde se projecta a construção de uma praia e de uma piscina artificiais, reunindo-se, a seguir, todos os convidados, num lanche, durante o qual foram saudados pelo sr. tenente-coronel Sá da Costa (…). Os membros do Governo e os restantes convidados dirigiram-se, depois, para o novo Hotel da Ericeira, onde uma azafama intensa anunciava as vésperas da inauguração. Todos ficaram encantados com as suas soberbas instalações, onde se adivinha a mão de um engenheiro que é um verdadeiro artista e que, apesar de nunca se ter interessado por assuntos de hotelaria, soube enriquecer de beleza e bom gosto aquele pequenino paraíso à beira-mar.” (“O Século”, 13 de julho de 1947)

Conclui-se, portanto, que o Hotel da Ericeira abriu em 1947, com cerca de quatro anos de obras, ou pelo menos esse é o período entre o aluguer da moradia e a abertura como nova unidade hoteleira. Desde logo, o novo hotel foi classificado de 1.ª classe. Da moradia mantiveram-se, por exemplo, os painéis de azulejo. Abriu-se, ainda mais, o edifício à vista panorâmica sobre o Atlântico, com a construção de um grande alpendre. A decoração ficou a cargo do beringelense José Espinho, um dos pioneiros do design de mobiliário em Portugal que, na Ericeira, imprimiu um desenho de inspiração tradicional, antes de se dedicar a um estilo próximo da corrente modernista escandinava. Trata-se da sua primeira fase concetual, o neo-rústico, pela estilização folclórica e regionalista como tónica primordial, assim relegando a radicalidade modernista das superfícies e dos equipamentos cromados, espelhados e envidraçados que tinham proliferado na década anterior. Este “estilo rústico” recorria a madeiras, ferros forjados, pinturas murais, azulejos, louças e têxteis regionais. 

O Hotel da Ericeira e o sucedâneo Hotel de Turismo da Ericeira enquadraram-se numa estética semelhante às Pousadas. A montra “regionalista”, homenageando o artesanato e a paisagem característica de cada local de implantação, aboliu o luxo, mas sem sacrificar o conforto. Trata-se de um estilo oficial, baseado no rústico estilizado e naquilo que passou a chamar-se “português suave”, em particular na arquitetura, através da “Campanha do Bom Gosto”, gerando novos parâmetros de desenho e ambiências, às quais os hoteleiros se submeteram, sob pena de não verem os seus projetos aprovados.

Em 1949, Rogério Mendes refere-se ao Hotel da Ericeira como sendo um dos “valores turísticos”, no artigo de 5 páginas para a revista “Panorama” (nº 39), referindo a sua recente abertura e onde se vê o conjunto de imagens que também estão expostas nas paredes do atual hotel. Neste período, trabalhou Gabriel Campos (“Cascalho” de alcunha), que ainda hoje é lembrado.

O empresário Raúl Duarte Gomes, filho de Francisco Gomes, proprietário de uma das mais antigas hospedarias da Ericeira (Pensão Gomes), comprou a antiga moradia e construiu o Hotel Turismo da Ericeira, inaugurado na tarde de 9 de junho de 1956. Só depois se demoliu o resto da moradia. À data da sua inauguração oficial, tinha 50 quartos com banho privativo, campo de ténis, praia privativa e Bar Dancing (O Pirata), “único no género em todo o país”. O desenho de mobiliário e a decoração estiveram a cargo da Companhia dos Grandes Armazéns Alcobia. Os azulejos foram provenientes da Fábrica Viúva Lamego. Ao longo dos anos, o hotel foi ampliado, aumentado significativamente a capacidade em número de quartos.

A partir desse dia, muitos – os que podiam – lograram ver e ouvir aquele mar no alpendre, no terraço ou na janela de quarto, cujo horizonte antecede o continente americano, onde, nesse mesmo dia, o presidente Eisenhower foi submetido a uma intervenção cirúrgica de emergência.

Várias gerações adormeceram ao som do mar, e hoje, mesmo com caixilharias mais recentes, o mar entra para sossegar a alma.

A aquisição pelo Grupo Vila Galé Hotéis permitiu que fosse novamente remodelado. Com esta chancela foi inaugurado, em 2002, com a categoria de 4 estrelas e 202 quartos.

O Hotel Vila Galé Ericeira dispõe de quatro tipologias de quartos, parte dos quais com varanda e vista para o mar. Inclui restaurante, dois bares, salas para eventos e reuniões empresariais, clube de crianças, parque infantil e um clube de saúde com piscina, salas de massagens, jacuzzi, sauna, banho turco e ginásio. Durante o tempo quente, não pode faltar um mergulho nas duas piscinas para adultos, uma das quais alimentada por água salgada, tal como a das crianças. Debaixo de uma das piscinas para adultos encontra-se a mais antiga, desafetada e com dimensões maiores e considerada olímpica, seis metros abaixo do piso atual, à qual se tem acesso por uma escada, apenas para funcionários. Junto a essa piscina antiga, estão depósitos de água descalcificada para ser bombeada para dentro do edifício. O hotel tem seis estações elevatórias de água para o saneamento e lavagens, numa clara preocupação pelos valores ecológicos.

No momento do “check-in”, o diretor do hotel, Marco Ferreira, veio apresentar as suas boas-vindas, marcando-se a visita guiada para alguns minutos depois. No quarto número 228 abri a janela para respirar aquele ar absolutamente balsâmico do mar e da Praia do Sul (Praia dos Banhos ou Praia da Baleia, neste caso tomando este nome por causa da presença rara de baleias nesta costa, que em tempos eram caçadas e arrastadas para este areal).

O meu corpo ficou mais puro e os ouvidos ficaram treinados para o som permanente das ondas. Fiquei retemperado e com forças para a visita. Iniciámo-la num plano mais elevado no exterior, abençoado pela imagem da Virgem Maria e pelo tempo marcado pelos relógios de sol, como o exemplar vertical meridional em pedra mármore, com numeração árabe, gnómon em ferro e sem data.

Marco Ferreira sublinha que a receção de hoje (antes cozinha) remonta às obras feitas pelo Grupo Vila Galé, porque se situava no topo Nascente do edifício. O restaurante passou para o piso do terraço para que os clientes tenham uma maior proximidade com o mar e até mais perto das araucárias. No final da visita, experimentei os vinhos produzidos no Alentejo pelo próprio Grupo. A escolha foi entre o branco, o tinto ou o rosé. Este último foi a opção para se brindar à vida naquele fim de tarde: Santa Vitória de 2023. Nesta prova, também esteve presente Filipe Matos, assistente da direção. No “check-out”, adquiri “uma família de três puros-sangues alentejanos”, cujo tinto de 2022 já tinha feito parte da cortesia, no quarto, acompanhando morangos com chocolate. A adega de Santa Vitória “foi projetada segundo um conceito moderno, tecnológico e extremamente funcional, foi concebida e equipada por forma a produzir vinhos de elevada qualidade”, tal como se lê na publicidade. São estes vinhos os escolhidos, preferencialmente, no restaurante Ocidental, que tem o serviço de “buffet” e à carta.

À entrada para a sala dos pequenos-almoços ou das refeições seguintes, a gentileza de Diana dá as saudações e alegra o apetite. Saborear, de manhã, uma omeleta feita a sorrir pela simpática Aline marca o dia desta estada em que não vi ouriços, mas no hotel vive-se a proximidade do mar, da praia, da natureza e da cultura que o rodeiam.

Este é um hotel que nunca hiberna, como algumas das plantas do jardim, porque há motivo para visitá-lo todo o ano e sentir o descanso a ver o mar sem fim. [Deus] quis que o mar unisse, já não separasse, segundo as palavras de Fernando Pessoa no poema “O Infante” (“Mensagem”, 1954), todo ele escrito no quarto que me coube em homenagem ao Infante D. Henrique, um homem que viu o mar como oportunidade. Assim foi para Raúl Duarte Gomes, o grande timoneiro do projeto inicial deste hotel. Ele deu a visão do mesmo mar a tantos hóspedes que já se hospedaram, alguns dos quais registaram, em livro, para a posteridade o seu testemunho, como por exemplo uma equipa do Real Madrid, a 22 de março de 2008, já na gerência do Grupo Vila Galé.

O ambiente é familiar. Há música ao vivo tocada pelo ericeirense Gonçalo Rodrigues, embora nascido em Lisboa, que, com a sua guitarra elétrica, oferece versões de algumas das canções da música portuguesa e internacional. Acredita que a música é a sua linguagem própria e a forma através da qual se expressa mais naturalmente.

No hotel, enquanto o turismo internacional cresce de procura, a ligação à comunidade local nunca é esquecida, desde memórias fotografadas das festividades realizadas no hotel e na localidade, durante os primeiros tempos, à realidade de as famílias da terra ainda escolherem o Vila Galé para reuniões e festas, dentro do edifício ou num salão junto a uma das piscinas e mais afastado dos quartos para quem queira divertir-se até mais tarde.

Nas noites em que estive presente e no alpendre que me coube, olho o céu. Das estrelas, há quatro no próprio hotel a simbolizarem a exigência de qualidade e conforto. O céu precisa de estrelas e as estrelas são os faróis deste hotel. É preciso trabalhar para mais e melhor, não siga alguma para o céu do Atlântico ou, se a intenção for essa, caia mais uma estrela do céu para alimentar o estatuto deste hotel.

A esperança nunca morre, quando nos (re)vestimos de verde.

Carregue na imagem para ver a fotogaleria do Vila Galé Ericeira

*Jorge Mangorrinha é pós-doutorado em Turismo, doutorado em Urbanismo, mestre em História Regional e Local (especialização em Património) e licenciado em Arquitetura. Autor multifacetado recebeu o Prémio José de Figueiredo 2010 da Academia Nacional de Belas-Artes. Com experiência no planeamento turístico, em Portugal e no estrangeiro, exerceu, também, como gestor técnico na Parque Expo’98 e como presidente da Comissão Nacional do Centenário do Turismo em Portugal (1911-2011). Colabora com o TNews, tendo sido o autor da rubrica “A Biblioteca de Jorge Mangorrinha”, a que se seguiu “Há História no Hotel”.

1 COMENTÁRIO

  1. Caro Jorge,
    Por certo nao deve estar a falar do mesmo hotel onde fiquei hospedada na Pascoa passada.
    Desde o quarto a cheirar a mofo e com bolor nas paredes ate ao jantar buffet onde a comida era escaça em qualidade e quantidade ate há fila interminavel para o pequeno almoço em um dos dias, até á falta de cobertores no quarto.
    Diria que foi talvez a pior experiencia em hotel que ja tive.
    Tinha tudo para ser uma boa experiencia uma vez que a localizaçao é fantástica no entanto acho que nao houve nada que fosse bom tirando a vista e a musica ao vivo conforme fala no seu artigo.
    Uma experiencia definitivamente a nao repetir.

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