Em entrevista ao TNews, Rui Ventura destaca as grandes prioridades do seu mandato à frente da Turismo Centro de Portugal (TCP), referindo como a experiência autárquica que traz consigo poderá influenciar este novo capítulo. O responsável alertou ainda para a necessidade de rever a Lei n.º 33, uma vez que “as ERTs continuam a ter uma autonomia muito limitada”, e os desafios de mobilidade na região.
Assumiu em abril deste ano a presidência da Turismo Centro de Portugal. Quais são as grandes prioridades traçadas para este mandato?
No meu discurso de tomada de posse, reafirmei o meu compromisso com a missão da Turismo Centro de Portugal (TCP) e com todos os que acreditam no potencial desta região.
Entre as grandes prioridades do mandato, destaco desde logo a necessidade de uma maior articulação institucional. A região deve falar a uma só voz, valorizando o muito que nos une e afirmando-se como um território coeso, com objetivos comuns. Vejo a TCP como líder deste processo. Para isso, é essencial ouvir e envolver de forma ativa os parceiros públicos e privados nas decisões estratégicas – nomeadamente entidades públicas, como a CCDR, os municípios e as comunidades intermunicipais, mas também as empresas e as associações que estão no terreno. Acredito que só com este trabalho colaborativo conseguiremos maximizar os resultados da nossa ação.
Outras prioridades que defini para este mandato passam por reforçar a articulação entre a Turismo Centro de Portugal e a Agência Regional de Promoção Turística, estreitando sinergias entre a promoção interna e externa; implementar um hotel-escola que seja uma referência na região; estimular a dinâmica territorial, atraindo e apoiando eventos que gerem impacto nacional e internacional, em especial nos territórios mais afastados dos centros de decisão; continuar a apostar de forma vincada na digitalização e na sustentabilidade da atividade; e desenvolver novos modelos de comercialização, distribuição e monitorização. Por fim, quero também aprofundar as relações com Castela, Leão, Extremadura e a Comunidade de Madrid, porque acredito que o futuro do turismo se constrói em rede, sem fronteiras, com cooperação e visão partilhada.
Vindo da presidência da Câmara Municipal de Pinhel, de que forma é que a experiência autárquica influencia agora a sua abordagem regional ao turismo?
A experiência autárquica influencia profundamente a forma como encaro esta missão. Conheço de perto os desafios das autarquias do interior, em particular da raia fronteiriça, territórios que tantas vezes são esquecidos nas políticas nacionais. Sei o que está em causa quando falamos da perda de população, do envelhecimento, do isolamento, e estou absolutamente convicto de que o turismo é uma das atividades com maior capacidade para contrariar estas tendências e devolver esperança a estas comunidades.
Estive no terreno durante muitos anos e conheço bem os constrangimentos com que as autarquias, sobretudo as de menor dimensão, se deparam diariamente. Mas também sei o muito que podem ganhar quando cooperam entre si. Essa visão colaborativa que experimentei ao nível local é agora a base da estratégia que quero implementar à escala regional: promover uma verdadeira cooperação entre os 100 municípios do Centro de Portugal no domínio do turismo.
Além disso, a minha ligação à raia permite-me ter uma sensibilidade muito particular para o potencial da cooperação transfronteiriça. Conheço bem as regiões vizinhas de Espanha, compreendo as afinidades e oportunidades que partilhamos, e quero aprofundar esses laços de proximidade, numa lógica de complementaridade e de valorização conjunta do território.
“A visão colaborativa que experimentei ao nível local é a base da estratégia que quero implementar à escala regional: promover uma verdadeira cooperação entre os 100 municípios do Centro de Portugal no domínio do turismo”
No discurso de tomada de posse, sublinhou a necessidade de reformar a Lei n.º 33, que regula as Entidades Regionais de Turismo. O que tem falhado no modelo atual? O que defende na revisão da lei e porquê?
Tive recentemente oportunidade de debater esta questão com os meus colegas presidentes das restantes Entidades Regionais de Turismo, no painel final do Fórum “Vê Portugal”. As conclusões a que chegámos não são novas, mas são preocupantes.
As ERTs continuam a ter uma autonomia muito limitada e penso que estão reunidas as condições para darmos um passo em frente no sentido de uma real autonomia administrativa e financeira, sem comprometer o alinhamento com o Turismo de Portugal e com a estratégia nacional. Sabemos trabalhar em rede e temos sentido de responsabilidade, mas parece que ainda não somos ouvidos nem reconhecidos como peças essenciais do sistema.
Infelizmente, há ainda demasiados tecnocratas nos gabinetes do Estado que acham que podem definir as estratégias do turismo regional sem sair do escritório. Mas são as ERTs que estão no terreno, que conhecem o território, os agentes, as dificuldades e as oportunidades. A título de exemplo, as ERTs não têm, e deviam ter, um papel preponderante na aprovação de projetos na área do turismo, mas isso não acontece.
As dificuldades de funcionamento são evidentes. A Lei n.º 33 não dotou as ERTs dos instrumentos necessários para funcionarem de forma eficaz. Faltam meios, falta capacidade de resposta. E há um problema estrutural gravíssimo na administração pública, que dificulta a contratação de novos quadros, o que compromete a renovação das equipas e a capacidade de acompanhar os desafios crescentes que temos pela frente.
Quem nunca geriu uma ERT não faz ideia das dificuldades que enfrentamos diariamente. Felizmente, temos na secretaria de Estado do Turismo alguém que conhece a fundo esta questão. Por isso, acredito que esta legislatura vai avançar com a tão necessária revisão da Lei n.º 33, reforçando as competências das ERTs.
Defendeu também, no mesmo discurso, uma maior proximidade com Castela, Leão, Extremadura e a Comunidade de Madrid. De que forma pretende aprofundar as relações com estas regiões vizinhas?
Estamos já ativamente a trabalhar nesse sentido. O aprofundamento das relações com as regiões vizinhas de Espanha é uma prioridade estratégica. Nas últimas semanas, realizámos reuniões regulares com os nossos parceiros do outro lado da fronteira, com quem partilhamos um território contíguo e uma identidade cultural e histórica profunda. Estes encontros incluem Castela e Leão, Extremadura e a Comunidade de Madrid, mas também os nossos parceiros do Alentejo, com quem temos vindo a desenvolver uma estratégia ibérica cada vez mais coesa.
Dou dois exemplos muito recentes. No dia 25 de junho, encontrei-me em Salamanca com o alcaide da cidade. Demos ali início a uma nova etapa de cooperação transfronteiriça entre o Centro de Portugal e a região de Salamanca, com o objetivo de criar ofertas turísticas conjuntas que valorizem o nosso património comum. Foram debatidos projetos concretos como um roteiro do património histórico, uma rota das montanhas ibéricas, os caminhos de peregrinação, roteiros culturais e várias propostas na área do turismo religioso, gastronómico, vinícola e de natureza.
Cinco dias antes, a 20 de junho, apresentámos em Madrid uma estratégia promocional conjunta entre o Centro de Portugal, o Alentejo e a Extremadura. Juntos, podemos constituir uma aliança forte, capaz de alavancar atratividade turística, com uma oferta diferenciada e alternativa ao turismo massificado. Esta parceria visa captar não só o mercado ibérico, mas também os 120 milhões de turistas internacionais que todos os anos visitam Portugal e Espanha.
Acredito convictamente nesta cooperação transfronteiriça. Juntos, com estratégias e projetos partilhados, deixamos de ser regiões periféricas para nos afirmarmos como um novo centro de gravidade turística no sudoeste europeu. O futuro do turismo faz-se com pontes, não com fronteiras.
Outra medida indicada foi o reforço da articulação entre a Turismo Centro de Portugal e a Agência Regional de Promoção Turística Centro de Portugal. Em que medida pretende aproximar estas duas entidades? Propõe uma fusão entre as mesmas?
Acredito que a região tem muito a ganhar com uma articulação cada vez mais próxima entre as Entidades Regionais de Turismo e as Agências Regionais de Promoção. Apesar de terem competências distintas – as Entidades têm um papel mais focado no mercado nacional, na estruturação e promoção da oferta, com uma ligação estreita ao território, enquanto as Agências atuam na vertente internacional, através da captação de visitantes internacionais – os objetivos são claramente os mesmos. Trabalhar de forma coordenada, com visão partilhada e ferramentas conjuntas, permite aumentar o impacto e a coerência da nossa comunicação turística.
Com a configuração legislativa atual, reconheço que uma fusão formal entre estas entidades não é simples nem, provavelmente, viável. Mas isso não impede que possamos aprofundar a cooperação. O próprio secretário de Estado do Turismo já referiu publicamente que serão dados passos no sentido de construir um novo “edifício institucional” para o turismo em Portugal. Estou convicto de que esse futuro passará também por um maior alinhamento entre a promoção interna e externa, e quero que o Centro de Portugal esteja na linha da frente desse movimento.
“Infelizmente, há ainda demasiados tecnocratas nos gabinetes do Estado que acham que podem definir as estratégias do turismo regional sem sair do escritório. Mas são as ERTs que estão no terreno, que conhecem o território, os agentes, as dificuldades e as oportunidades”
Mobilidade e outros desafios
Na sessão de abertura da 11.ª edição do Fórum de Turismo Interno “Vê Portugal”, pediu ao Governo que olhasse para a mobilidade dentro da região Centro “de forma diferente”. Em que consiste esta “forma diferente”?
Na abertura do Fórum “Vê Portugal”, deixei um apelo claro ao Governo: precisamos de uma mobilidade mais eficaz dentro do território. E quando digo “de forma diferente”, refiro-me a uma mudança estrutural na forma como olhamos para a ligação entre turismo e acessibilidades, não apenas enquanto questão de infraestrutura, mas como um verdadeiro motor de coesão territorial.
O Centro de Portugal é uma região com uma oferta turística extraordinária, mas continua a enfrentar obstáculos sérios no que toca à mobilidade interna. Quem chega a Lisboa ou ao Porto, os dois principais pontos de entrada de turistas no país, com o objetivo de circular pelo Centro de Portugal, encontra ainda demasiadas dificuldades. Faltam ligações ferroviárias eficientes, há lacunas evidentes nas redes rodoviárias, e a conetividade com as regiões vizinhas de Espanha – com quem queremos estreitar laços – está também aquém do desejável.
Esta “forma diferente” que defendemos passa por uma abordagem integrada e orientada para os utilizadores – neste caso, para os turistas. Deve ser ponderada, de forma ambiciosa, uma estratégia de transportes públicos mais conectados, com horários coordenados entre operadores. No fundo, serviços adaptados às necessidades do visitante.
Melhores acessos significam mais visitantes, mais tempo de permanência, mais investimento privado e mais oportunidades para os territórios do interior. Se queremos crescer de forma coesa, temos de garantir que todos os territórios são acessíveis. É essa a forma diferente de pensar que o Centro de Portugal propõe.
Numa reflexão divulgada no TNews no dia 21 de abril, onde respondeu à questão “Se tivesse poder sobre o país, qual seria a decisão que tomaria para o turismo?”, defendeu a criação de um programa nacional de mobilidade turística. Que benefícios traria esta medida para o Centro de Portugal?
O que defendi nessa reflexão foi, no fundo, um apelo à ousadia. O desafio da TNews teve uma grande dose de utopia. Se tivesse poder absoluto durante uma hora, criaria as bases para um programa nacional de mobilidade turística, capaz de transformar a forma como os visitantes se deslocam dentro do país. Como já referi na pergunta anterior, Portugal precisa de uma resposta integrada que permita aos turistas, nacionais e estrangeiros, viajar de forma fácil, eficiente e sustentável, sobretudo para os territórios de baixa densidade.
Este programa teria duas vertentes complementares. A primeira seria um sistema nacional intermodal de transportes, desenhado especificamente para os turistas, que integre os principais operadores públicos e privados, com passes a preços convidativos, horários articulados, ligações otimizadas entre aeroportos, estações de comboio, autocarros e pontos de interesse turístico em todo o país. Uma rede que permita ligar os destinos mais maduros aos que ainda estão em desenvolvimento, promovendo um turismo mais equilibrado e menos concentrado.
A segunda vertente seria uma plataforma digital única, alimentada pelas Entidades Regionais e pelas Agências de Promoção Turística, que reúna toda a oferta disponível em cada território – alojamentos, experiências, eventos, património, gastronomia, rotas, transportes – com possibilidade de reserva direta e integração inteligente com os serviços de mobilidade. Esta plataforma, apoiada por inteligência artificial, permitiria ao turista planear a sua viagem de forma personalizada e intuitiva, tornando a experiência mais fluida e completa.
No caso concreto do Centro de Portugal, os benefícios seriam imediatos. A região ganhava capilaridade turística, a dependência do automóvel seria menor e territórios hoje menos acessíveis passassem a integrar os circuitos turísticos com maior facilidade. Esta medida é, acima de tudo, uma proposta de coesão territorial e de inclusão. Afinal, o turismo só é verdadeiramente sustentável quando chega a todos e cria valor para quem nos visita e para quem cá vive.
“As limitações orçamentais, a rigidez na contratação e a burocracia continuam a ser obstáculos reais à ação das Entidades Regionais. A minha experiência autárquica ensinou-me a fazer mais com menos”
Quais são os principais desafios que a região Centro enfrenta na sua afirmação como destino turístico competitivo e sustentável?
Apesar dos avanços muito significativos, o Centro de Portugal continua a enfrentar, como todas as regiões, desafios na sua afirmação plena como destino turístico competitivo e sustentável.
Desde logo, a escassez de trabalhadores qualificados no setor é uma realidade transversal que nos preocupa. O turismo exige hoje competências muito especializadas, desde a hotelaria à restauração, e é fundamental investir na formação e valorização dos profissionais, para garantir um serviço de excelência e responder às expetativas de quem nos visita.
A qualidade da oferta, embora globalmente positiva, ainda apresenta assimetrias. Em alguns territórios, há ainda margem para qualificar a hotelaria, diversificar a restauração e elevar a experiência turística a um patamar mais competitivo. A mobilidade, como já referi, é outro dos grandes entraves. A dificuldade em aceder a muitos dos nossos ativos turísticos penaliza os territórios de baixa densidade.
Soma-se a isto ainda a tendência – que se tem vindo a esbater – de excessiva litoralização da procura. A faixa costeira continua a concentrar uma parte substancial das visitas, em detrimento do interior, que tem uma oferta riquíssima, mas porventura menos conhecida. O nosso trabalho passa também por contrariar esta tendência e promover uma distribuição mais equilibrada dos visitantes. Outro desafio é o da sazonalidade. Embora tenhamos feito progressos na atração de turistas ao longo de todo o ano, este é um fenómeno que nos preocupa. Isso exige criatividade na programação de eventos, na dinamização dos produtos turísticos e na valorização da oferta nos meses tradicionalmente mais fracos.
Por fim, não podemos ignorar a concorrência crescente de outros destinos europeus, mais maduros, com oferta semelhante e, por vezes, maior capacidade promocional. É por isso que temos de apostar na diferenciação: nos nossos produtos únicos, na autenticidade das experiências, na hospitalidade das nossas gentes e na identidade forte do Centro de Portugal. A superação destes desafios exige visão estratégica, cooperação institucional e uma grande capacidade de adaptação. Mas acredito que estamos no caminho certo para consolidar o Centro de Portugal como um destino de excelência.
E, a nível pessoal, que desafios espera encontrar à frente da Turismo Centro de Portugal?
Sei que este é um cargo exigente, mas é também uma missão que abraço com sentido de responsabilidade e profunda motivação. Ao assumir a presidência da Turismo Centro de Portugal, estava consciente de que trazia comigo as expectativas de uma região inteira: das pessoas que vivem cá, das empresas que aqui investem, das autarquias que todos os dias trabalham para valorizar os seus territórios.
O maior desafio pessoal será, talvez, conseguir conciliar a visão estratégica com a proximidade no terreno. Sou, por natureza, alguém que gosta de estar junto das pessoas, de ouvir, de sentir o pulso ao território. Quero continuar a fazê-lo, agora com uma perspetiva mais ampla e uma escala mais exigente. Ouvir os municípios, os empresários, os profissionais do setor, perceber as realidades distintas de cada sub-região e, ao mesmo tempo, manter uma visão clara, coerente e ambiciosa para o Centro de Portugal como um todo.
Outro desafio será gerir com eficácia os recursos disponíveis. As limitações orçamentais, a rigidez na contratação e a burocracia continuam a ser obstáculos reais à ação das Entidades Regionais. A minha experiência autárquica ensinou-me a fazer mais com menos. Vou procurar aplicar essa mesma abordagem na Turismo Centro de Portugal, com rigor, criatividade e espírito de equipa.
Mas, acima de tudo, o maior desafio é corresponder à confiança que me foi depositada pelos protagonistas da atividade turística da região. Esta é uma função que obriga a tomar decisões estratégicas com impacto no futuro. Quero ser um presidente que deixa marca. Não por fazer promessas grandiosas, mas por ajudar a consolidar um modelo de turismo mais sustentável, mais coeso e mais valorizador do que temos de melhor: o nosso território, as nossas pessoas e a nossa identidade.






