Na segunda parte da entrevista, Miguel Quintas, presidente da Associação Nacional de Agências de Viagens (ANAV), defende que “as nossas agências não têm a mesma solução, pese embora contribuam o mesmo que todas as outras”, referindo-se ao tema do Provedor do Cliente, que continua sem desenvolvimentos. O responsável adianta também que está “prestes a entrar” no Tribunal da Concorrência o processo legal contra a Ryanair, companhia aérea que “opera no limite cinzento da legalidade”.
Na 20.ª Convenção da Airmet, efetuou um pedido ao secretário de Estado de Turismo para criar a figura de Provedor do Cliente para a ANAV. Porque é que sente esta necessidade?
O Provedor do Cliente é um fator de valor acrescentado muito grande para qualquer agência de viagens em Portugal porque permite dirimir problemas que possam surgir entre cliente e fornecedor, neste caso entre uma agência de viagens e um fornecedor do setor do turismo, garantindo que quem está protegido é o cliente final. No caso da ANAV, temos tudo preparado, temos inclusive o nome e contratado o futuro Provedor do Cliente, caso a tutela aceite.
O que é que acontece hoje? As agências da ANAV contribuem para um fundo de garantia, fundo de garantia este que é acionado por um Provedor do Cliente que não pertence às agências da ANAV. As nossas agências não têm a mesma solução, pese embora contribuam o mesmo que todas as outras. Isto não me parece que seja uma situação razoável, no sentido em que existem agências que têm um mecanismo de resolução de conflitos de primeira e outras, que são todas as outras que não estão associadas a uma associação congénere, não têm esse direito nem esse poder.
As nossas agências sentem-se um pouco afastadas daquilo que é o centro de decisão e, obviamente, em conversa com o secretário de Estado, com o Turismo de Portugal, com os partidos políticos, a ANAV já fez notar esta dificuldade e todos concordam que, efetivamente, esta solução tem que ser arranjada.
Na última convenção da Airmet, o secretário de Estado, à margem da convenção, teve a oportunidade de dizer que iria regular ou tentar sentar à mesa as duas associações no sentido de resolver este tema. Eu estarei 100% disponível, como sempre estive em todas as áreas.
Ainda não houve desenvolvimentos sobre a sugestão do secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado, de sentar a ANAV e a APAVT à mesa e, possivelmente, criar uma solução única de Provedor do Cliente?
Neste momento, estamos à espera que o secretário de Estado nos dê indicações. Não conheço exatamente em que pé é que está, se as terceiras partes emitiram a sua opinião.
“As agências da ANAV contribuem para um fundo de garantia, que é acionado por um Provedor do Cliente que não pertence às agências da ANAV. As nossas agências não têm a mesma solução, pese embora contribuam o mesmo que todas as outras”
Como disse, a ANAV tem abertura para discutir a criação de uma solução única. No entanto, idealmente, preferia um Provedor do Cliente partilhado ou gostaria que existissem dois Provedores do Cliente, um para cada associação de agências de viagens?
A pergunta está bem colocada. Nós temos um interesse: defender o cliente final. Se a melhor decisão encontrada entre todas as partes para defender o cliente final é ter um Provedor do Cliente, então seguramente adotaremos essa postura. Se a melhor solução para defender os interesses do cliente final for ter dois Provedores do Cliente, ou dez, utilizaremos essa solução preferencialmente.
O que não defendemos em absoluto é a falta de diálogo, é o fecho de portas, é a falta de transparência, é a falta de democracia. Isso nós somos totalmente contra e seremos veementemente contra qualquer tipo de estado de alma ou ação que não preconiza este tipo de virtudes. Somos adeptos do diálogo e seguramente iremos sentar-nos para resolver o assunto – isto, se havendo interesse da terceira parte, que ainda não manifestou a sua opinião em relação ao tema.
Disse-me que, durante este ano e meio, um grande tema que foi abordado foi criar as condições para a ANAV ter o seu próprio Provedor do Cliente. O que é que significa “criar as condições”?
Estatutariamente, temos de criar um órgão dentro da ANAV que é independente e completamente isento, em que a própria ANAV, enquanto associação, não tem poder executivo. Podemos ter um poder administrativo, mas não regulatório. O Provedor do Cliente tem de tomar as suas decisões independentemente daquilo que a ANAV pense ou não pense.
Foi justamente isso que fizemos. Tivemos que criar um novo estatuto dentro da ANAV. Tivemos de convocar, mais uma vez, uma Assembleia Geral, dessa Assembleia Geral teve de ser novamente feita a aprovação dos estatutos, da aprovação dos estatutos tivemos de contactar uma pessoa que identificámos para ser o Provedor do Cliente, essa pessoa teve de aceitar, olhar para os estatutos e verificar se estão de acordo com aquilo que considera imparcial numa decisão deste tipo, voltámos a reunir a Assembleia e a alterar alguns estatutos para garantir que efetivamente tínhamos esta independência total e transparência e, com base nisto, apresentámos à tutela este novo estatuto e a alteração de lei que prevemos para facilitar a tutela criar a figura do Provedor do Cliente para a ANAV. No fundo, criámos um pacote chave-na-mão, para que a tutela, isto é, os partidos políticos, o secretário de Estado e o Turismo de Portugal aceitassem estas novas alterações e esta figura dentro da ANAV. Fizemos este recorrido político e a aceitação foi geral. Estamos à espera que, dentro de uma perspectiva burocrática, seja resolvido.
Quem seria a figura escolhida pela ANAV para o Provedor do Cliente?
Por razões éticas e por razões de não ter o tema concretizado, não lhe posso adiantar. Posso dizer-lhe que é uma figura de destaque nacional enormíssimo. Todas as pessoas em Portugal que leem jornais, que veem televisão e ouvem rádio o conhecem. Com isto já estou a fazer uma redução muito grande do nome de pessoas que podiam ser ou estariam disponíveis para fazer isto. É naturalmente um advogado.
Ação judicial contra Ryanair está “prestes a entrar” no Tribunal da Concorrência
A ANAV está a preparar uma ação legal contra a Ryanair. É desta forma que a ANAV procura defender os interesses das agências de viagens?
Vamos apresentar, em breve, uma queixa ao Tribunal da Concorrência para evitar que a Ryanair continue a ter estas práticas lesivas com as nossas agências de viagens. Fizemos um crowdfunding, onde as agências de viagens têm vindo a contribuir. O crowdfunding está praticamente fechado e, entretanto, já temos capacidade financeira para avançar com o processo.
Digo em primeira mão que esta será a nossa ação enquanto ANAV. Acredito que vamos ganhar esta queixa. A Ryanair é uma companhia aérea que opera sempre no limite cinzento da legalidade e estamos cansados destas atitudes que nos prejudicam, mas, acima de tudo, prejudicam os nossos clientes finais.
Temos interesse em proteger os interesses das agências de viagens e é para isso que existimos, mas isso só acontece quando defendemos os interesses dos clientes finais. Se os clientes finais tiverem um mau serviço porque não foram bem defendidos junto das agências de viagens, seguramente deixarão de utilizar as agências de viagens. As agências de viagens têm de ser o primeiro bastião de que os interesses dos clientes finais estão protegidos. Por isso, é impossível dissociar qualquer ação, agora e futura, da ANAV, enquanto não olharmos na perspectiva de cliente final e agências de viagens. Esta dicotomia tem de estar sempre presente nas nossas ações.
Mais concretamente, em que é que esta ação judicial contra a Ryanair consiste?
Consiste em denunciar todas estas más práticas da Ryanair. Consiste em denunciar o facto de, por exemplo, a Ryanair ter, à saída do Porto, uma quota de mercado de 37%, ou seja, em cada 10 voos, 4 são da Ryanair. Se um agente de viagens quiser reservar para os seus clientes e prestar este serviço à Ryanair, esta consegue bloquear o IP da minha agência de viagens, retirar o e-mail da minha agência de viagens e retirar o poder à agência de viagens de servir o seu cliente.
Um exemplo é fazer um check-in com a leitura facial do cliente, que não existe em lado nenhum em Portugal e em nenhuma instituição pública isso é permitido por lei. Veremos se é permitido por lei com a Ryanair. Ou, outro exemplo, uma pessoa ter de pagar para levar a sua bagagem na viagem. A Ryanair cobrava por estas bagagens e estava a levantar às agências de viagens mais um problema que não deveria colocar. A Ryanair já foi condenada devido a isto, não só em Portugal, mas também em Itália, mas era uma prática abusiva e permanente da companhia.
Em Portugal, as agências de viagens nunca levantaram nenhum tipo de tema sobre o assunto. A Ryanair tem passeado tranquilamente em Portugal, prejudicando as agências de viagens. É uma atividade monopolística, falando especificamente do caso do Norte e Sul de Portugal. Como é que é possível uma agência de viagens emitir um bilhete para um fim de semana fora de Portugal sem trabalhar com a Ryanair? A companhia usa esta posição abusiva e dominante para garantir que faz o seu trabalho da forma como bem quer e entende, prejudicando todos à sua volta.
E que consequências é que espera que surjam desta queixa? A ANAV visa colocar um fim a estas práticas ditas abusivas?
Claro, esta é a primeira coisa que vamos fazer. Enviámos uma carta à Ryanair a elencar aquilo que não gostávamos que fosse feito, e enviámos uma carta à Ryanair a predispor-nos a falar com esta sobre as práticas que gostaríamos que retirassem, para que pelo menos conversássemos sobre o assunto. A Ryanair não demonstrou interesse em criar algum tipo de ponte.
Em que pé é que se encontra esta ação?
Prestes a entrar. Eu diria que no prazo de duas semanas entrará a ação. Está praticamente concluída.
No âmbito desta ação, a ANAV recolheu, em janeiro, informações junto dos agentes de viagens portugueses para identificar práticas comerciais ou legais abusivas por parte da Ryanair. Estas informações vão integrar o processo?
Claro que sim. Nós fomos um pouco mais longe, pois fomos para além dos nossos agentes de viagens associados com esta consulta. Recebemos as informações e compilámos todos os temas que são relevantes. É com base nessas reclamações, com base nos testemunhos que ouvimos junto dos nossos associados que mobilámos esta ação e vamos fazer a queixa.
“A Ryanair tem passeado tranquilamente em Portugal, prejudicando as agências de viagens. É uma atividade monopolística, falando especificamente do caso do Norte e Sul de Portugal”